Pedro Rosa Mendes e José Costa Santos da Agência Lusa Díli, 08 Mai (Lusa) - Lisboa não tinha tempo em 1975 para ligar à situação em Timor, a viver uma guerra civil e sob ameaça de invasão indonésia, consideraram hoje veteranos da política timorense, estranhando declarações atribuídas a Almeida Santos naquele período.
Em declarações à Lusa, Domingos Oliveira, líder da UDT em 1975, disse hoje que "tudo podia ter acontecido entre Almeida Santos e Jacarta", admitindo não ter ouvido nunca ao então ministro da Coordenação Interterritorial português que era a favor da integração de Timor na Indonésia.
"Não tenho informação sobre isso mas o que posso dizer-lhe é que tudo podia ter acontecido entre Almeida Santos e Jacarta", afirmou o antigo secretário-geral UDT, contactado pela Lusa num telefonema para Perth, Austrália.
O antigo ministro da Defesa australiano Bill Morrison disse hoje que, em 1975, Portugal queria abandonar Timor-Leste "o mais rápido possível" e que Lisboa pretendia a invasão indonésia para se fazer de "vítima".
Nas suas declarações a um tribunal australiano por causa da morte de cinco jornalistas em Timor-Leste em Outubro de 1975, Morrison citou um ministro português, "Minister Santos", que lhe disse que Portugal "queria sair o mais rápido possível" do território, numa altura em que se preparava a invasão indonésia da, na altura, ainda Província Portuguesa de Timor.
Em declarações à Lusa, Almeida Santos reagiu com veemência ao que disse ser uma "miserável mentira" do ex- ministro da Defesa australiano.
Domingos Oliveira disse à Lusa que "a vontade de Portugal era livrar-se o mais rapidamente de Timor".
"É preciso lembrar que o próprio Mário Soares, do mesmo Partido Socialista e futuro Presidente da República, afirmou no seu livro de 1972 e 1974 que Timor era uma parte que não dizia muito respeito a Portugal", acrescentou o antigo líder da UDT a partir de Perth, onde reside.
Almeida Santos, acrescenta Domingos Oliveira, visitou o Timor português por duas vezes, em Outubro de 1974 e Outubro de 1975, antes e depois da eclosão do conflito entre partidos que degenerou na guerra civil.
Na visita de 1974, Almeida Santos deslocou-se a várias algumas localidades do interior, no distrito de Maubisse, onde demonstrou posições favoráveis à autodeterminação do território.
"O que ele dizia por trás, não sei", concluiu o líder da UDT, o primeiro partido político timorense.
O líder da UDT reuniu-se com Almeida Santos em 1975 em Díli, à semelhança de outros dirigentes timorenses da Fretilin e da APODETI que tiveram audiências com o ministro português.
"A impressão que tive foi a de que Almeida Santos regressou a Portugal com a vontade firme de informar o governo da vontade da maioria dos timorenses de que Portugal ficasse mais algum tempo em Timor", afirmou Domingos Oliveira.
Mário Carrascalão, fundador e ideólogo da UDT, governador do território durante a ocupação indonésia nos anos 80, recordou a importância da visita a Maubisse em 1974 como tendo contribuído para alterar a opinião de Almeida Santos sobre Timor.
"Ele ficou altamente impressionado com o 'portuguesismo' da população e isso alterou a sua posição na questão timorense", declarou o actual presidente do PSD à Lusa.
"Nunca me constou que Almeida Santos tivesse dito que apoiava a invasão de Timor", frisou Mário Carrascalão.
Entre 19 de Outubro de 1974 e 11 de Setembro de 1975, António Almeida Santos, então ministro da Coordenação Interterritorial do governo português, com o pelouro das colónias, efectuou pelo menos três visitas a Jacarta para contactos com as autoridades indonésias e numa delas deslocou-se igualmente a Camberra onde contactou com o governo australiano.
"A situação que favorecia a integração na indonésia era a do primeiro-ministro Vasco Gonçalves em Portugal, que chegou a ter negociações em Lisboa, em 1974, com o general Ali Moertopo", vice-chefe do BAKIN, a central indonésia de serviços secretos.
Uma foto desse encontro está reproduzida na biografia política de Mário Carrascalão, "Timor Antes do Futuro", lançada este ano em Díli.
No capítulo dedicado à política portuguesa em Timor em 1975 aparece a figura do major Arnão Metelo, representante do Movimento das Forças Armadas em Díli, que Mário Carrascalão relaciona com a opção integracionista de Lisboa e do governo de Vasco Gonçalves.
A páginas 31 do seu livro, Mário Carrascalão afirma que o major "se disponibilizou para, juntamente com os líderes das facções favoráveis à integração, preparar o que fosse necessário para a fundação da APODETI", o partido que mais serviu os objectivos de Jacarta.
"As primeiras reuniões, para esse efeito, realizaram-se na sua residência", escreve o ex-governador de Timor-Leste.
"O Ideário/Manifesto político da APODETI foi ele quem o concebeu e redigiu. Essa atitude grangeou-lhe em Timor muitas inimizades", acrescenta Mário Carrascalão sobre o major Metelo.
"Porém, Arnão Metelo defendia-se dizendo que conhecia a existência dessa corrente de opinião e interveio para que ela agisse à luz do dia e não na clandestinidade".
Mário Carrascalão acrescenta nas linhas seguintes que "a oposição muito firme da UDT" provocou "a anulação da possível nomeação" de Arnão Metelo para comandante militar de Timor, após a visita de Almeida Santos ao território.
Actualmente a residir em Macau, Arnão Metelo, recusa as duas primeiras frases do livro do que considera seu "amigo" Mário Carrascalão e subscreve apenas a última em que o antigo governador diz que ganhou "muitas inimizades" para que a APODETI "agisse à luz do dia".
"É falso, não é verdade", afirmou categoricamente sobre a sua intervenção na criação da APODETI e na redacção da sua linha orientadora política.
"O meu amigo Mário Carrascalão tem razão quando diz que eu quis que a APODETI agisse à luz do dia porque eu tinha indicações claras do governador coronel Alves Aldeia para os pressionar porque a APODETI estava a conspirar com o cônsul indonésio em Díli contra Portugal", garantiu.
Arnão Metelo disse também que em sua casa "não houve reuniões para criação da APODETI" mas "houve reuniões com todas as forças que tinham surgido no território após o 25 de Abril".
Engenheiro de profissão, Arnão Metelo esteva em Timor-Leste entre 1974 e mais tarde integrou o Governo de Vasco Gonçalves como ministro da Administração Interna e vice-primeiro-ministro.
Arnão Metelo também se recorda da visita a Timor de "emissários de António Spínola e Almeida Santos".
"A primeira visita do meu amigo Almeida Santos quando eu não estava em Timor-Leste e não podendo dizer o que ele pensava, posso dizer que nunca o ouvi declarar a defesa da anexação", sublinhou.
Admite também que "algumas declarações" do homem do PS ao jornal Expresso nesses tempos "poderiam ser mal interpretadas" pelo que, tendo em consideração que o ministro australiano "é uma pessoa de boa fé, se as declarações em português podiam dar azo a má interpretação, a tradução para inglês pode ter sido feita nessa má interpretação".
Arnão Metelo acrescentou ainda no contacto telefónico com a Lusa que, durante o governo de Vasco Gonçalves, "nunca foi discutida a possibilidade de Timor- Leste ser anexado pela Indonésia".
"Sei do que falo porque estava lá e, para além de nunca ter sido discutido, sei também que Vasco Gonçalves era contrário a essa situação apesar de em Portugal nessa altura não haver muito tempo para dedicar atenção a Timor-Leste devido aos problemas do país".
Esta pouca atenção portuguesa à situação de Timor-Leste é também referida por Franciscio Xavier do Amaral, Presidente da República de Timor-Leste por nove dias antes da invasão indonésia.
"Eu fui Presidente porque tínhamos de tomar uma decisão já que Portugal não tomava decisões face aos problemas que estavam a acontecer em Timor-Leste. Mas a invasão indonésia foi facilitada porque Portugal nos deixou sozinhos", disse.
"Estava combinado que o Governador Lemos Pires ficava na casa do Governador em Lahane e nós ficávamos no Farol mas um dia soubemos que Lemos Pires tinha abandonado a sua casa e partido de madrugada para Ataúro, deixando-nos sozinhos".
"Foi aí que a Indonésia teve mais coragem porque sabia que o Governador português já tinha abandonado a capital", concluiu.
Lusa/Fim
quarta-feira, maio 09, 2007
Portugal com "falta de tempo" para Timor em 1975 – políticos
Por Malai Azul 2 à(s) 08:54
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
1 comentário:
Correcção:
"É preciso lembrar que o próprio Mário Soares, do mesmo Partido Socialista e futuro Presidente da República, afirmou no seu livro de 1972 e 1974 que Timor era uma parte DA INDONÉSIA que não dizia muito respeito a Portugal".
Arnão Metelo não consegue convencer, pois vários depoimentos afirmam o contrário. Jorge Barros Duarte, citando Luis Filipe Thomaz e António Cravo Cascais, confirma que as reuniões da APODETI eram realizadas na casa do major, que era apelidado pelo povo de "APODETI-nia aman".
A propósito: Arnão Metelo não é "antigo governador".
Acho que também já é tempo de Almeida Santos admitir a verdade. Não foi ele que disse ser Timor um "transatlântico ancorado no Pacífico que nos tem custado e continua a custar rios de dinheiro"?
O facto de ter um discurso diferente para consumo interno explica que ninguém em Timor conheça outra coisa para além das suas célebres lágrimas de crocodilo vertidas após presenciar o "portuguesismo" das gentes de Timor:
"Na sua viagem de volta para Portugal, Almeida Santos fez duas paragens, em Jacarta e depois em Camberra. Aí teve encontros com funcionários importantes e apresentou um semblante bastante diferente do que mostrara em Timor Leste. Com efeito, em Camberra ele declarou que o que quer que acontecesse em Timor Leste tinha que ser aceitável para o governo indonésio."(*)
Mas o desígnio de entregar Timor à Indonésia, para assim resolver facilmente o problema do "transatlântico", não era ideia exclusiva de Almeida Santos. Em Lisboa, todo o Governo concordava com esta "solução", sob a batuta afinada de Costa Gomes:
"O novo presidente, Costa Gomes, descreveu a independência de Timor como «não realista»" (*) [durante a visita de Murtopo a Lisboa].
Este foi de facto um período negro na História portuguesa, que esteve na origem de muitos dos males actuais que afligem Timor. Mas... este assunto daria pano para mangas e não é em dois ou três parágrafos que se pode analisar. Quando será isto tudo investigado e apontados os responsáveis? Talvez nunca.
(*) Taylor, John G., Timor - a História Oculta, Bertrand, Lisboa 1993
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