sexta-feira, maio 18, 2007

Eleição imperfeita de Timor-Leste

Tradução da Margarida:

Far Eastern Economic Review - Maio 2007

Por Jill Jolliffe

O alto nível de instabilidade que tem afligido Timor-Leste desde a independência em Maio de 2002 tem levado os seus parceiros internacionais a interrogarem-se se a nova nação está a sofrer mais qualquer coisa além das dores de crescimento pós-independência. Talvez, especulem, que chegou a altura de o declarar um caso de histeria. De relevância urgente é se o ciclo actual de eleições agendadas, para um novo presidente e parlamento, mudarão as coisas.

O país foi reconstruído pela ONU depois da terra queimada pela Indonésia na retirada da antiga colónia Portuguesa em 1999. As primeiras eleições livres realizaram-se em Abril 2001, tornando-se presidente o antigo chefe da guerrilha Xanana Gusmão, com 82.7% dos votos. Em Agosto desse ano o partido da libertação, a Fretilin, ganhou um governo com 55 lugares no parlamento de 88 lugares, sob o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri.

Mesmo antes da independência havia preocupações em círculos da ONUque algumas das instituições que tinha construído eram frágeis, particularmente nos sectores da justiça e da aplicação da lei. Soaram alarmes em Dezembro de 2002, quando desordeiros atacaram o parlamento e queimaram casas de políticos e alguns negócios. Os autores nunca foram identificados, mas as questões alegadas para a sua actuação incluíam brutalidade policial, alegada corrupção do governo e o Português como língua oficial.

Apesar de ter consolidado rendimentos das explorações de petróleo e gás que são exploradas conjuntamente com a Austrália (as receitas dos campos está previsto aumentarem para $350 milhões no ano fiscal de 2006), o governo da Fretilin não atraiu outros investimentos regulares. O descontentamento tem crescido à medida que a economia estagna.

No ano passado esses sentimentos atingiram o pico com a má condução pelo governo de um motim de soldados das regiões do oeste que acusaram comandantes das forças militares de preconceitos étnicos. A fúria deles por Dili atacando edifícios do governo e queimando as casas de gente do leste despoletou meses de violência política e étnica. O então Primeiro-Ministro Alkatiri foi forçado a resignar em Junho, depois de alegações, entretanto arquivadas, de ter armado civis para matar opositores políticos.

A eleição em curso em Timor-Leste para substituir o Presidente Xanana Gusmão, que completou o seu mandato, não é provável que cure os problemas crónicos do país. O resultado provável é uma mera troca de lugares entre políticos do governo. Mesmo assim, os resultados da primeira volta serviram para os líderes de há muito tempo verem que estão a lidar com um eleitorado muito mais perspicaz que não deve ser subestimado. Nas eleições de 9 de Abril deste ano, o presidente do parlamento Francisco "Lu-olo" Guterres, da Fretilin, foi o candidato mais votado com 27.89% dos votos. Como não teve uma maioria absoluta de mais de 50%, disputará a segunda volta em 9 de Maio contra o Primeiro-Ministro José Ramos-Horta, que teve 21.8%. O Sr. Ramos-Horta é um independente que substituiu o Sr. Alkatiri quando resignou em Junho.

Numa viragem interessante, o destino desta eleição está nas mãos de um foragido antigo major das forças armadas, Alfredo Reinado, e do seu grupo de seguidores armados. O antigo chefe da polícia militar de 41 anos é um herói da juventude Timorense, e para muitos outros dos distritos do oeste onde o governo da Fretilin é acusada de discriminação. Em Maio de 2006 recusou ordens de líderes das forças armadas pró-Fretilin para lutar contra 600 soldados amotinados do oeste conhecidos como "peticionários." Em vez disso o Sr. Reinado e cerca de 20 dos seus homens foram para as montanhas com as suas armas. A saga deles continuou em 2006, com uma detenção pelas tropas Australianas, uma subsequente fuga da prisão e uma série de entrevistas à imprensa do esconderijo do mato.

Os eventos escalaram em Fevereiro deste ano, e no princípio de Março cinco homens do major foram mortos num ataque na sua base. A operação zangou os locais e em Dili os seus apoiantes revoltaram-se. Tradicionalmente pró-Australianos, havia agora uma cor anti-Australiana na sua raiva. Contudo, a maior raiva foi reservada para o Sr. Gusmão e para o governo de Ramos-Horta. O major Reinado pediu aos apoiantes para não apoiarem nem a Fretilin nem o Sr. Ramos-Horta em 9 de Abril.

A história do major Reinado, contudo, é apenas parte do filme. Uma outra questão chave envolve a competição Portuguesa e Australiana pela influência pós-independência, uma questão ligada à direcção para uma mudança geracional de liderança. A tragédia de Timor-Leste é que nos mais mais difíceis do crescimento pós- independência, a Austrália e Portugal, dois países com grandes responsibilidades na sua mal feita descolonização nunca combinaram forças para o bem do país.

Durantes os problemas de 2006, blogs de ódio apareceram em Dili, sendo o mais lido o " Timor Online" em português. Os seus participantes defenderam a liderança da Fretilin e do Sr. Alkatiri, acusaram o governo da Austrália de Howard de desencadearem um golpe encoberto para deitarem a mão às riquezas do petróleo de Timor-Leste e inflamaram labaredas de ódio contra soldados Australianos. Numa entrada anónima de 26 de Outubro lê-se: "Todos os Timorenses que amam o seu país devem unir-se num grande movimento popular (os do leste e os do oeste) para correrem com os Australianos, que invadiram e ocuparam para roubar a nossa soberania."

Os heróis dos bloggers são a Guarda Nacional Republicana, a polícia Portuguesa militarizada que patrulha as ruas de Dili ao lado dos Australianos numa atmosfera de desamor recíproco. Esta gente não reflecte a opinião oficial Portuguesa mas antes o receio alargado na comunidade Portuguesa que se o governo da Fretilin cair eles decisivamente deixarão de ser bem vindos.

Lisboa tem cultivado laços apertados com os líderes da Fretilin desde a retirada da Indonésia em 1999, mantendo a sua política estrangeira de desenvolver interesses culturais e comerciais em todas as suas ex-colónias, da África a Macau.

Muitos da mais jovem geração de Timor são ferozmente anti-Portugueses. Nada têm em comum com a Fretilin, e ressentem a sua escolha do Português como língua oficial. Educados no sistema Indonésio e agora desempregados, consideram a lingual da elite política como um instrumento da sua exclusão, e tendem mesmo a pôr o Sr. Gusmão e o Sr. Ramos-Horta no mesmo cesto do antigo Primeiro-Ministro Alkatiri. Nas eleições correntes houve aproximadamente 100,000 eleitores que votaram pela primeira vez que fizeram os 17 desde 2001 e que representam um quinto do eleitorado.

Do lado Australiano, o Primeiro-Ministro John Howard viu a violência de 2006 como uma confirmação do "arco de instabilidade" para o norte da Austrália ameaçando o seu bem-estar. Juntando Timor-Leste com outros potenciais "Estados falhados " na região, Canberra encontrou uma nova justificação para a intervenção regional. A sua opinião ficou expressa no programa da abc Asia Pacific em 25 de Agosto de 2006 assim: "É da maxima importância para os nossos interesses impedir que Estados falhados lidem com ... um falhanço incipiente com problemas na nossa região. Tenho bem em mente os exemplos de Timor-Leste, Ilhas Salomão, as preocupações que continuo a ter com a Papua Nova Guiné, Vanuuatu....O resto do mundo diz com razão 'isto é um pedaço da Austrália.'"

A declaração sugere que a política estrangeira Australiana para esta nação bastante diferente e complexa mantém-se tão primitiva quanto era nos anos de 1990’s quando a Austrália apoiou a ocupação militar da Indonésia. Seguiu-se um coro anti-Australiano da Fretilin. Quando manifestantes do leste viajaram para Dili para apoiar o Sr. Alkatiri, traziam slogans descrevendo a Austrália como "comunista" (uma frase para tudo o que é mau) e exigindo a retirada das suas tropas.

Troca de cavalos Timorense

Quem ia pois a votos nas eleições de 9 de Abril? Houve oito candidatos para o cargo presidencial, que iam desde Marxistas a monárquicos. Nas franjas houve candidatos como Avelino Coelho da Silva, uma figura exuberante do tipo Guevara que formou o Partido Socialista Timorense (PST) de uma ruptura com a Fretilin. Obteve 2.06% dos votos e pediu aos apoiantes para votarem no Sr. Ramos-Horta na segunda volta. Noutra franja estava o monárquico Manuel Tilman, que teve 4.09%. Planeia endossar o Sr. Guterres da Fretilin.

A única candidate mulher foi Lúcia Lobato, uma deputada articulada do Partido Social Democrático (PSD) da oposição. Obteve 8.86% e juntou-se ao político veterano Francisco Xavier do Amaral para redireccionar os votos para Ramos-Horta na segunda volta. O idoso Sr. Amaral é um pai fundador do nacionalismo Timorense e da Fretilin, que lidara agora a Associação Social Democrática Timorense (ASDT). A sua candidatura atraíu 14.39% o dobro que a ASDT obteve de 7.84% nas eleições parlamentares de 2001.

A Srª Lobato e o Sr. Amaral tinham um pacto com o candidato do Partido Democrático (PD) Fernando Lasama para darem preferência de votos a qualquer um do trio do oeste que chegasse à segunda volta. O Sr. Lasama, é visto como um puro-sangue político e esperava-se que tivesse sucesso suficiente que o levasse a concorrer na segunda volta contra o Sr. Guterres. É atípico entre os antigos operacionais da resistência dado que nunca pertenceu à Fretilin, e tem apoio da juventude. Passou sete anos na prisão de Cipinang em Jacarta, ao lado de Xanana Gusmão, e ganhou o Prémio em 1992 Reebok dos Direitos Humanos.

Os senhores Lasama e Amaral ficaram com a parte de leão dos votos dos distritos do oeste, parcialmente devido ao endosso do Sr. Reinado. Em termos nacionais o Sr. Lasama ficou em terceiro lugar com 19.18% o Partido Democrático obteve 8.72% em 2001). Alegou que a Fretilin manipulou a votação contra ele em vários distritos do território. Seis outros candidatos apoiaram as suas queixas, mas a evidência que apresentou foi descartada pelo tribunal enquanto os seus opositores lhe chamaram mau perdedor.
Uma reunião de membros do Partido Democrático em 25 de Abril decidiu apoiar o Sr. Ramos-Horta na segunda volta em 9 de Maio, garantindo o seu estatuto de corredor da frente. TContudo, houve um preço, o Partido Democrático exigiu que o Sr. Ramos-Horta retomasse com o Sr. Reinado, o soldado amotinado. A exigência foi aceite. O Sr. Reinado e o seu bando armado, parecem, são os guardas de bastidores das eleições.

O candidato vencedor da primeira volta "Lu-olo" (Sr. Guterres) tem sido o Presidente do Parlamento desde 2001. Tem um registo sem quebra de serviço com a guerrilha da resistência durante 24 anos no mato, principalmente como comissário político. É visto como uma figura austera a quem falta o toque popular, mas tem a vantagem de ser um homem de família com duas crianças, o que a campanha de propaganda da Fretilin enfatiza. Os seus 27.89% na primeira volta tornaram-no o mais votado, mas foi uma grande baixa comparado com os resultados parlamentares da Fretilin em 2001 (57.37%). Na segunda volta em 9 de Maio pode-se esperar que obtenha até mais 7% dos votos redireccionados de João Carrascalão e Manuel Tilman, mas a vitória dependerá de uma mais forte mobilização da Fretilin.

O mais conhecido político de Timor-Leste e vencedor do Nobel da Paz o Sr. Ramos-Horta foi o ministro dos estrangeiros no governo de Alkatiri depois de 2001, e substituiu-o como primeiro-ministro no ano passado. É um diplomata completo que passou os anos da ocupação no estrangeiro a representar Timor-Leste na ONU. Foi um dos fundadores da Fretilin mas deixou-a nos anos 1980’s quando o Sr. Gusmão formou uma frente da resistência não partidária. Mantém-se próximo do Sr. Gusmão, mas é um camaleão político que tem defendido o Sr. Alkatiri.

Os 21.81% dos votos do Sr. Ramos-Horta foram obtidos com a ajuda de dois grupos: primeiro, o UNDERTIM partido formado recentemente pelo carismático ex-guerrilheiro L7 (Cornélio Gama), que mobilizou uma rede de elementos do leste para apoiar o seu amigo de infância contra a Fretilin; e depois, a facção dissidente da Fretilin Mudança, liderada pelo Ministro dos Estrangeiros José Luís Guterres.

O Sr. Gusmão, que está a formar um novo partido para concorrer às eleições parlamentares de 30 de Junho p, persuadiu a Fretilin Mudança a apoiar o Sr. Ramos-Horta em vez de avançar com o seu próprio candidato presidencial. (O presidente que está de partida planeia trocar de lugar com o Sr. Ramos-Horta, ao concorrer a primeiro-ministro como responsável do novo partido.) Alguns do grupo reformista estão desapontados, dado que contavam que da sua estratégia resultaria que na segunda volta estivesse o Sr. Lasama do Partido Democrático em vez de dois políticos da primeira geração dos nacionalistas.

Tem sido uma eleição imperfeita até agora, mas a tendência da primeira volta para fechar o grande e não saudável intervalo entre partidos do governo e da oposição significa que obteve algumas mudanças úteis. Se a segunda volta se processar normalmente, a Fretilin pode sofrer um revés substancial quando o eleitorado punir a sua arrogância. Ambos os candidatos que estão à frente têm estado em contacto com o antes criticado Sr. Reinado para propor um acordo de paz para acalmar eleitores. A tentativa do Presidente Gusmão de trocar de lugar com o Primeiro-Ministro Ramos-Horta em vez de cumprir a promessa de se tornar um cultivador de abóboras significa que a geração mais jovem continuará frustrada pelo comportamento dos políticos mais velhos, que vêem como bloqueadores de mudanças.

- A Srª Jolliffe é uma jornalista por conta própria que trabalha no Living Memory Project, um arquivo em vídeo de testemunhos de antigos presos políticos de Timor-Leste.

NOTA DE RODAPÉ:

É pena que a jornalista não assuma quando escreve as suas preferências políticas, ao contrário de nós.

Nunca fomos um blog de "ódios". Pelo contrário. Sempre lutámos por valores democráticos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sinceramente, pensava que a Srª Jolliffe conhecesse melhor a relação entre Timor e Portugal, depois de tantos anos de jornalismo em contacto com terras timorenses - e, pelos vistos, de leitura atenta do "Timor Online".

Os portugueses serão sempre bem-vindos em Timor, seja qual for o regime ou o partido no poder.

Quanto ao resto, são os slogans do costume, que nem vale a pena comentar.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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