quinta-feira, maio 03, 2007

Timor-Leste, Indonésia e complexidades morais

(Tradução da Margarida)
The Jakarta Post
3.05.2007

Franz Magnis-Suseno SJ, Jakarta

Na Terça-feira, Aboeprijadi Santoso expôs a hipocrisia moral que rodeia as audições em curso da Comissão Conjunta Indonésia-Timor-Leste para a Verdade e Amizada (CVA). Os factos a que aludiu estão acima de disputas. E a sua indignação moral parece apenas demasiadamente adequada. O escritor conclui que "a verdadeira amizade não deve ser baseada em mentiras para encobrir a verdade e perpetuar a impunidade".

Mas as coisas são na verdade tão simples assim? Quando a Indonésia e Timor-Leste estabeleceram conjuntamente a CVA fizeram-no não apenas em nome de verdade e amizade mas por causa de considerações políticas sérias. E com toda a razão. Porque como sublinha o filósofo Alemão Bernhard Sutor, a qualidade ética de uma decisão política não é medida por princípios de pura moral, mas pelas melhorias que realisticamente se podem esperar serem alcançadas por ela.

Ambos os líderes da Indonésia e de Timor-Leste reconheceram que a tarefa mais importante que enfrentavam não era compensação pelos crimes terríveis cometidos pela Indonésia de 1975 a 1999, mas o estabelecimento de relações normais, duradouras e positivas entre os dois países.

Os líderes Timorenses obviamente perceberam o que alguns estrangeiros moralmente indignados não perceberam : que a cessação de Timor-Leste foi um evento traumático não apenas para Timor-Leste, mas também para a Indonésia. Durante 24 anos Indonésios lutaram no Leste de Timor "para o bem da nação ". As famílias de muitos milhares de soldados caídos consolavam-se a si próprias com a ideia de que tinham morrido por uma causa justa. A oferta do referendo para a independência dos Timorenses pelo Presidente B.J. Habibie, corajosa mas completamente inesperada apanhou os Indonésios e obviamente os militares completamente de surpresa.

O resultado do referendo envergonhou seriamente a Indonésia. Envergonhar mais com a exposição dos crimes dos militares da Indonésia perante os olhos do mundo teria alienado a Indonésia de Timor-Leste por muito tempo e poderia mesmo resultar num retrocesso violento (lembro-me de um motorista de táxi Balinês dizer-me entusiasmado em Setembro de 1999 que estava pronto para ir para a guerra contra a Austrália).

Pensando mais tarde, pode-se perguntar porque é que os militares não usaram as suas milícias Timorenses para sabotar o referendo, o que teria sido bastante fácil. Pensavam mesmo na verdade que os Timorenses não votariam pela independência? Estavam de facto preparados para obedecer ao presidente, apesar de enraivecida e vingativamente?

De facto, a execução do referendo não foi obstruída significativamente. Houve, em 1999, duas vagas de violência especial, primeiro em Abril e depois o caos após a (prematura) publicação dos resultados do referendo. Ambas parecem terem sido mais a expressão de fúria e de ressentimento (o perigoso estado mental a que os Indonésios chamam keki ou dendam) do que actos de insubordinação.

Lembro-me de um chefe de milícia Timorense, penso que era Eurico Guterres, a dizer na televisão cerca de uma semana antes do referendo, que, caso houvesse uma maioria de votos pela independência, que ele garantia que nada que tivesse sido construído durante a governação pela Indonésia ficava em pé. E assim o fizeram. A devastação assassina de partes enormes de Timor-Leste foi na verdade uma expressão do ressentimento profundo sentido pelos militares Indonésios.

Mas há um ponto que tem sido completamente ignorado pela comunidade internacional que está a castigar a Indonésia por arrastar os pés para levar à justiça os perpetradores dos massacres e destruições pós-referendo. Nomeadamente que desde que os Indonésios retiraram em 1999 não ter havido um único exemplo sério de a Indonésia ou os seus militares tentarem criar problemas aos seus vizinhos do Leste.

Teria sido tão fácil. Lembram-se como em 1975 a Indonésia usou uma Guerra civil sangrenta e viciosa entre Timorenses – dezenas de milhares de Timorenses tinham fugido para território Indonésio – para intervir? Menos de oito anos depois de se libertar da Indonésia há, neste preciso momento, mais de 20,000 Timorenses a viverem em campos de refugiados – que, outra vez, tiveram de fugir dos seus próprios irmãos.

A aceitação da independência de Timor-Leste depois de 1999, e o facto de a Indonésia, incluindo os "negros" militares Indonésios, não tentarem usar os crescentes problemas internos de Timor-Leste para se vingarem eles próprios e desestabilizarem o país é um notável feito de responsabilidade.

Os líderes de Timor-Leste reconheceram este facto como da mais alta importância política para o seu país. Perceberam que a única coisa absolutamente a não fazer era levar a Indonésia, ou os militares da Indonésia ou alguns dos seus membros mais importantes a não se envergonharem outra vez.

por isso, concordaram na montagem da CVA na forma presente. Lamentar o âmbito limitado da comissão em nome da justiça ao mesmo tempo que se faz vista grossa da situação extremamente delicada em que se encontram a Indonésia e Timor-Leste, cheira-me a demasiadamente fácil auto-rectidão. Ainda não é a altura certa para abrir as profundezas da desumanidade deixadas por detrás da ocupação de Timor-Leste.

É sempre necessário tempo para se aceitar a verdade completa da história de cada um. A Indonésia ainda não foi capaz de enfrentar a verdade completa em relação aos acontecimentos de 1965 e de 1966, de 1998 (os motins em Jacarta com os mesmos números de mortes em três dias como em Timor-Leste em Setembro de 1999) e de muitas outras ocasiões. Mas este não é, de modo algum, um privilégio da Indonésia.

Os Japoneses não foram ainda capazes de reconhecer os crimes terríveis que cometeram entre 1930 e 1945 no Leste e no Sudeste da Ásia. Os Chineses estão calados sobre o anormal grau de desumanidade sob Mao-Zedong. No Cambodia os Khmer Vermelhos provavelmente nunca serão levados à justice pelo genocídio contra o seu próprio povo.

Mesmo em França, o povo e o governo ainda estão relutantes, mais de 60 anos depois dos acontecimentos, a reconhecer que muitos Franceses entregaram de bom grado judeus Franceses aos Alemães. E Checos e Polacos -- que, na verdade, sofreram bastante sob a Alemanha Nazi – ainda não querem reconhecer que, depois da II Guerra Mundial, cometeram atrocidades durante a expulsão de muitos milhões de Alemães.

Por isso, a CVA pode ficar aquém das exigências de alguns moralistas, mas nas condições prevalecentes é provavelmente o máximo a que se pode chegar. Ajudar os Indonésios a aceitar a existência de Timor-Leste é um serviço real que se presta a ambos os países.

O autor, um padre Jesuita, é professor na Escola de Filosofia Driyarkaraem Jacarta.

1 comentário:

Anónimo disse...

"[Eurico Guterres] garantia que nada que tivesse sido construído durante a governação pela Indonésia ficava em pé. E assim o fizeram."

O pior é que as milícias também destruiram o que tinha sido construído antes da ocupação indonésia.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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