quarta-feira, abril 04, 2007

O Fim do "Sex-Appeal"

Revista Visão
04-04-07
Pedro Rosa Mendes

Os timorenses elegem, no próximo dia 9, o seucessor de Xanana Gusmão. Uma escolha que será feita num ambiente de miséria e muita frustração

Metade dos habitantes de Díli sobrevive actualmente apenas graças à ajuda humanitária e a ONU admite, em meias palavras e em documentos de trabalho, que não iniciou o previsto desmame do «cobertor de comida» porque o povo precisa de estar sereno em época de eleições.

Na capital timorense, uma população flutuante de 25 mil pessoas, de todas as proveniências sociais e profissionais, vai sendo alienada em dezenas de campos de deslocados, ainda mais miseráveis sob as chuvas de Março, focos crescentes de pobreza, de desespero e de insegurança.

Dez por cento da população total timorense é refugiada no seu próprio país, estranha diáspora sem rumo numa nação fracturada em diásporas por 24 anos de ocupação indonésia.

O mar de Timor começou a carburar o seu maná de petróleo e gás natural, via Austrália, mas a máquina do Estado, escassa em recursos humanos e sem maturidade institucional, não tem sequer capacidade para gastar aquilo que orçamentou para um ano. Algures no Sul do país, um fugitivo à justiça desafia os órgãos de soberania e os seus titulares e, de lenço na cabeça e com a vaidade dos heróis, entusiasma os descamisados da capital. A impaciência e a frustração crescem nos mundos gémeos da cidade e da montanha.

Ilusão da independência

A única cidade que merece essa designação no país, Díli, suburbaniza-se e degrada-se num casco já de si destruído (por timorenses) em 1999, em 2005, em 2006 e no presente, quase diariamente (continua o saque e a queima de casas). Os jovens, entricheirados nos bairros, combatem e morrem com armas tribais ou com pistolas de grande calibre do Exército ou da Polícia, de forma brutal, numa luta por pequenos territórios que têm tanto de aldeia como de favela.

A eleição do sucessor de Xanana Gusmão, na próxima segunda-feira, 9, não marca apenas uma mudança de mandato mas assinala, sem apelo, o fim das ilusões da independência, conseguida dolorosamente em 1999 e festejada em 2002.

«Sempre achei, na altura da independência, que isto era uma euforia exagerada e que se ia passar do país ideal para o país real muito rapidamente», comenta um oficial da Polícia da ONU que conheceu Timor-Leste em diferentes missões. «Agora, temos o país real e a miséria toda espalhada pelos cantos.»
A miséria, claro, engendra a insegurança, sobretudo «a miséria de um país rico», nas palavras de um especialista estrangeiro que faz assessoria a organizações timorenses.

Um dos resultados de cinco anos de independência, nota um elemento das forças internacionais instaladas no país, «é que para compreender a realidade em Díli, hoje, não podemos falar só de partidos ou de economia, mas também de... grupos de artes marciais». Há, até, grupos de artes marciais que só são inteligíveis quando equacionados com partidos políticos. Os grupos juvenis de Díli, porém, são largamente apolíticos e, à excepção de meia dúzia deles, como os arqui-rivais PSHT e 77, os bandos correspondem melhor ao que se designa por organizações comunitárias e, em alguns casos, de grupos de autodefesa.

Entre todos, são mais de 20 grupos em Díli, também em Baucau, obviamente mais presentes e perigosos na capital. Explodem assiduamente em áreas como Bairro Pite, Taibessi, Hudilaran ou Fatuhada, os pontos cardeais da violência urbana na estação das chuvas, a estação das eleições, de 2007.

«São zonas com muita gente», explica um oficial superior da Polícia das Nações Unidas em Díli. «É muita gente nova e que gosta imenso de andar à pancada...», ironiza. «Alguns serão órfãos, mas o problema da maior parte deles é que não têm uma estrutura de suporte familiar. Acaba por haver aqui uma falta de controlo parental.»

Violência tribal

O mesmo oficial salienta que «às vezes também são os pais os primeiros a dar o exemplo. Isto não é só pancada de rapazinhos. Mais uma vez, a mão-de-obra disponível são rapazinhos, mas os chefes das artes marciais são pessoas ditas de bem. Não se metem em nada mas têm 300 setas em casa e depois dizem ao juiz que eles vão atirando setas aqui para casa e eu fico aqui com elas».

Não é figura de retórica: uma operação realizada no Bairro Pité no final de Janeiro levou à detenção do líder do PSHT, Jaime Xavier, em cuja residência havia 292 dardos de fabrico artesanal.

No domingo passado, 1, Agostinho Gomes, de 17 anos, foi uma das vítimas mais recentes desta violência que é ao mesmo tempo tribal e moderna. O «rapazinho» seguia de motorizada na zona central de Fatuhada, onde fica a embaixada da Austrália, quando foi interceptado por um dardo que lhe entrou por um olho e traumatizou o cérebro com um golpe fatal. Horas antes, não muito longe, outro motociclista tinha sido atingido por um dardo, que o feriu nos rins. O companheiro que seguia com ele na motorizada perseguiu o flecheiro, disparando uma pistola Colt45.

O atacante só não morreu porque a pistola encravou ao terceiro tiro, segundo a polícia. Ou haveria mais uma cabeça furada a dar entrada no hospital central Guido Valadares.

O Exército australiano considera os dardos, flechas e fisgas de fabrico artesanal como «armas potencialmente letais». Foi isso que o comandante, brigadeiro-general Mal Rerden, quis dizer quando, em Fevereiro, tentou explicar a morte de dois, e depois de um terceiro, civis deslocados no campo do aeroporto, o mais antigo e o mais politizado dos abrigos humanitários da capital.

As Forças de Defesa Australianas (ADF) são apenas um dos vários exércitos presentes na capital timorense, cidade militarizada cujas ruas são patrulhadas como se se tratasse de Bagdade. Díli chega às eleições presidenciais vigiada por milhares de soldados que fazem trabalho da polícia e por milhares de polícias equipados como soldados.

É preciso fôlego para soletrar as forças que garantem a segurança da campanha eleitoral e do escrutínio de 9 de Abril: as ADF; as Forças de Defesa da Nova Zelândia (NZDF); ADF e NZDF constituem as Forças de Estabilização Internacionais (ISF), com mais de 1300 soldados, blindados e helicópteros Black Hawk, fora do comando das Nações Unidas; cerca de 1 Soo elementos da UNPo1, incluindo quatro forças de polícia autónomas, cada uma com cerca de 140 militares (do Paquistão, do Bangladesh, da Malásia e de Portugal, com o Subagrupamento Bravo da GNR, que recebeu agora um reforço de 77 elementos); Polícia Nacional de Timor-Leste, com unidades regulares e corpos especiais como a Unidade de Intervenção Rápida; e, em último mas sem desprimor, as Falintil-FDTL.

As F-FDTL, o exército timorense que continua a guerrilha que combateu a Indonésia, assegura desde S de Março a segurança estática de edifícios do Estado e instalações de serviços públicos em Díli.

Para o primeiro-ministro, a utilização das F-FDTL na segurança da capital «foi remédio santo» para uma crise de segurança que atingiu o auge na madrugada de 4 de Março.

Foi nessa noite, durante sete horas, que grupos de jovens tentaram paralisar a cidade com barricadas, ataques a residências e a edifícios públicos, poucos minutos depois de as ISF lançarem, no Sul do país, uma operação de captura do major Alfredo Reinado.

Putos com cabelo à Reinado

Alfredo Reinado, ex-comandante da Polícia Militar, figura central da profunda crise política, militar e institucional de Abril e Maio de 2006, evadiu-se (saindo pela porta grande) de uma prisão de Díli a 30 de Agosto. Em Fevereiro passado, o Presidente Xanana autorizou uma operação de captura do militar fugitivo.

Nas vésperas das eleições presidenciais, as ISF ainda não conseguiram capturar o major. «Reinado não é uma ameaça», comenta um dos homens envolvidos na primeira detenção do major por posse ilegal de material de guerra, em Julho de 2oo6. «A força dele é ser um símbolo», concorda um outro oficial das forças internacionais. «Já reparou na quantidade de putos aqui em Díli com corte de cabelo à Alfredo?»

Esta juventude urbana é a juventude que não se revê, ou cada vez menos, na geração de Xanana e da luta de libertação. É a geração que não reconhece autoridade à maior parte dos oito candidatos à chefia do Estado - quase todos de uma geração que iniciou o seu percurso, e as suas rivalidades pessoais, em 1975, de que são melhor exemplo Ramos-Horta e «Lu-Olo» (presidente do Parlamento e da Fretilin), os dois candidatos titulares de órgãos de soberania.

Para os mais novos, a frustração das expectativas da independência é responsabilidade dos pais da pátria, dizem organizações que trabalham com a juventude. Os pais da pátria, nesta campanha de balanço e mudança, fazem o mea culpa: de Xanana a Ramos-Horta, passando por Alkatiri. «É a geração que começou isto. É uma pena. É uma pena», admite Alkatiri, ex-primeiro-ministro e secretário-geral da Fretilin. «Foi esse núcleo, que não é de muita gente. São apenas três homens, mas podemos estender para cinco ou seis. Não vou dizer os nomes.»

«Isto é que quebrou», diz Alkatiri, «e a crise de 2006 foi produto disso. Teria sido possível, não digo fácil mas possível, encontrar um consenso na forma como se devia gerir e deixar para a geração seguinte um legado mais responsável.» «Quando estamos juntos, conquanto não falemos de política, e às vezes mesmo quando falamos de política, até nos entendemos pessoalmente», acrescenta o líder da Fretilin, que fala de 2006 como «um ano melancólico».

A fractura está instalada e projecta-se nas Presidenciais com a sombra das legislativas, onde se estreia um partido novo que pretende levar Xanana a primeiro-ministro. «Há uns tempos, ainda acreditava que a liderança carismática continuava a nestes sítios», afirma um oficial português da UNPol.

«Mas agora não penso assim. Os jovens já desafiam o Xanana, já desafiam o Alkatiri, já atacam a casa do Matan Ruak», o chefe-do-Estado-Maior das F-FDTL. «Já não há liderança carismática.»

«Não esperava que as diferenças nos dividissem tanto», confessou Xanana Gusmão numa entrevista introspectiva de balanço de mandato: «É preciso que o povo rejeite de uma vez por todas a violência». Mas «se não há lei e ordem aqui em cima», nas lideranças, «não se consegue impor a lei e a ordem lá em baixo», nas gerações mais jovens.

Segunda-feira, 9, meio milhão de timorenses vão a votos para escolher o chefe de um Estado que perdeu o brilho. Xanana dirá «até que enfim!» no primeiro dia do resto da sua vida política. Deixa a lição que ele aprendeu nos últimos cinco anos: «Foi mais difícil ser Presidente do que comandante da guerrilha.»

Na montanha, mitificada como reserva moral do país, um deputado da nação, Leandro Isaac, salta fora do sistema e diz que não quer voltar: «Não me entrego.» Não pende sobre ele nenhum mandado de busca.

Os oito candidatos à presidência
Sete homens, uma mulher


Francisco Guterres

53 anos, natural de Ossú, na costa sul. Fugiu para o mato quando a Indonésia invadiu Timor em 1975. Nas duas décadas seguintes, ocupou diferentes cargos na Resistência. Foi eleito presidente da Fretilin no primeiro congresso do partido, em Julho de 2001, e reeleito em Maio de 2006. Presidiu à Assembleia Constituinte em 2001 e 2002. «Como candidato da Fretilin, regresso às origens e revejo o passado de sofrimento por que passámos.»

Avelino Coelho

44 anos, natural de Manatuto, formado em Relações Internacionais e Direito na Indonésia. Viveu quatro anos nas montanhas, após a invasão indonésia. Colaborou com a Resistência e esteve preso em Jacarta. É descendente de um português que foi enviado para Timor pelo Estado Novo. Chamava-se Severiano Coelho, era do Minho. «Morreu na Segunda Guerra Mundial, contra os japoneses, mas não sei onde o velho está sepultado.» Candidata-se para defender a Constituição.

Xavier do Amaral

70 anos, natural do distrito de Manufahi, foi fundador da Associação Social Democrática Timorense (de que ainda é presidente), em 1974, movimento político que deu origem à Fretilin, de que também foi fundador. Figura histórica, escolhido para o cargo de Presidente da República Democrática de Timor-Leste, declarada unilateralmente a 28 de Novembro de 1975, em Díli. Foi chefe de Estado por nove dias. Foi detido pelo Exército indonésio, em 1977. Preocupado com a fome no país.

Manuel Tilman

60 anos, nascido em Maubisse, é advogado, professor e deputado. Em Portugal, foi deputado do PS pelo círculo da emigração entre 1982 e 1984. Viveu em Macau nos anos 90. É apoiado pelo Partido Kota (União dos Filhos Heróicos das Montanhas de Timor) e defende «a unidade cultural das ilhas de Timor, Solo e Flores», na Indonésia. «Se ganhar, prometo convidar como consultor para as Forças Armadas, o general Rocha Vieira, que conheço bem. Mas ainda não falei com ele.»

Lúcia Lobato

38 anos, natural de Liquiçá. Advogada e assessora jurídica. Deputada pelo Partido Social-Democrata. O seu programa de campanha centra-se numa mensagem de paz, unidade nacional, defesa da soberania, dignificação dos ex-combatentes e reforço do sistema de justiça. «A Fretilin falhou em governar. É preciso dar uma educação cívica até às bases. A independência começa a perder o sentido junto dos jovens.» Tem o apelido Lobato e é prima direita do ex-ministro do Interior, Rogério.

José Ramos-Horta

58 anos, nasceu em Díli e é formado em direito internacional. Ministro dos Negócios Estrangeiros, após a independência de 1975, viveu no exílio em Portugal, Austrália e EUA. Distinguido com o Nobel da Paz, regressou a Timor em 1999. É primeiro-ministro desde a demissão de Mari Alkatiri, em 2006. É filho de um sargento português, natural da Figueira da Foz, deportado para Timor na sequência da Revolta dos Marinheiros, em Lisboa, contra o Estado Novo e a Guerra Civil Espanhola, em 1936.

José Carrascalão

62 anos, nascido em Hatumassi. Cursou Topografia e Agrimensura. Especializou-se em Cartografia na Suíça. Fundador da União Democrática Timorense (UDT), em 1974. Membro de uma das famílias com maior tradição na política local desde os anos 70, é irmão do ex-governador do tempo indonésio Mário Carrascalão (presidente do partido da candidata Lúcia Lobato). «Timor devia ter tido um período de transição mais alargado» depois de 1999. «No mínimo de dez anos.»

'Lasama' de Araújo

44 anos, nascido em Manutasi, centro do país. Presidente do Partido Democrático. Quando tinha 12 anos, testemunhou o massacre de 18 parentes pelo Exército indonésio, episódio que ditou o seu empenhamento político posterior, Secretário-geral da RENETIL, o organismo juvenil da Resistência, foi preso durante a ocupação indonésia, em 1991. Passou seis anos e quatro meses na cadeia de Cipinang, em Jacarta, a mesma onde esteve Xanana Gusmão.

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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