Ponto Final (Macau) - 26/11/06 - 17:34
Timor-Leste tem vindo a atravessar, nos últimos meses, o seu maior desafio enquanto país Soberano e Independente. A capacidade de afirmação - enquanto Estado, capaz de se projectar no futuro -, está no limite do teste internacional.
Para já, numa leitura simplista, ousaria dizer que Timor-Leste não passou no teste. Porquê? Pela razão de o Estado ter de recorrer à comunidade internacional para garantir segurança e funcionamento de instituições fundamentais, num estado de direito. A segurança interna está hoje nas mãos das Nações Unidas e de um país vizinho, a Austrália – que não se subjuga à ONU em Timor-Leste nesta matéria.
Há seis meses mostrou-se ao mundo aquilo que indiciava ser um golpe de Estado institucional.
Hoje, apesar de alguns sectores da sociedade timorense continuarem apostados na referida teoria – aliás, Teoria das Conspirações do presidente da República, publicada em vários capítulos em jornal de língua portuguesa -, vai havendo a percepção de cumplicidades e falhas graves no funcionamento de instituições da máquina do Estado.
A desarticulação entre sectores vitais, do Estado, degenerou naquilo a que hoje se assiste. Se antes se entendia que a construção da Nação Timorense estava alicerçada na história de um povo de luta pela libertação, conhecedor profundo dos seus direitos, deveres e regalias, hoje temos de admitir que afinal todos errámos na análise. Os timorenses estavam de facto convictos da necessidade e merecimento da consideração de Estado, não estavam, isso sim, conhecedores de como construir sólida e justamente esse mesmo Estado.
A falta de quadros nacionais, em número e por actividade, preparados para as inúmeras tarefas públicas foi notado ainda na gestão da UNTAET, chefiada pelo brasileiro Sérgio Vieira de Mello. Desenhou-se o enquadramento para conduzir o país a uma efectiva assumpção das responsabilidades enquanto Estado de Direito, Soberano e Democrático. Assinou-se na Constituição da República o nome do país como “República Democrática de Timor-Leste”.
Parece-me hoje não ter sido uma mera anáfora em vão e sem sentido. “Democrática” para mostrar ao mundo que o país se rege pelos princípios fundamentais, terá sido a intenção dos líderes. No entanto, lá dentro, no Estado – onde todos se juntam e o constituem – falhou o ensinamento do que significa e responsabiliza aos cidadãos.
Muitos milhões foram gastos em “formação cívica”, porém, muito dessa mesma acção serviu para alimentar um vasta máquina de interesses internacionais onde pouco ou nada se ensinou mas antes se validou estimulando a ignorância das regras de uma sociedade de direito. Incutiu-se no povo um sentimento de desresponsabilização para com o próprio Estado. Democracia, seu significado, passou a ser para muitos nacionais o direito a receber, a exigir e em nada contribuir.
Exigir, em muitos dos casos, prepotentemente – desde a sociedade civil, à militar e de segurança pública.
Regresso à ideia da prematura, para mim, atribuição da condução do país aos seus nacionais. Gerir um país sem quadros não é tarefa fácil. Gerir um país com recurso a assessores internacionais de variadas nacionalidades, experiências e agendas, também não se mostrou solução definitiva. A ONU deveria ter ficado mais tempo mas corrigindo a acção, passando mais conhecimento e desenvolvendo coerentemente as capacidades nacionais internas.
Por outro lado, afirmo sem problemas, que Timor-Leste merecia a sua completa independência organizativa e de gestão própria nacional. Porém, a certeza de lacunas graves na capacidade nacional – em todos os sectores de actividade, sem excepções -, era evidência conhecida e assumida por todos os lideres. Os desafios eram enormes e a aprendizagem era total. O anterior primeiro-ministro, consciente das limitações, não se escusou a afirmar que o I Governo Constitucional era “uma escola de governação”. Para mim, pecou por defeito, pois o que se constata é que a escola era de âmbito nacional e atravessava todos os sectores da sociedade timorense. Pecar por excesso não lhe teria ficado mal.
Tenho evitado falar de partidos políticos nesta crónica. No entanto, sem aprofundar, terei de referir que num país com as características de Timor-Leste, a ausência de uma cultura democrática fortalecida leva a que se cometam erros graves de apreciação, de análise e de contribuição. O desejo e ambição de liderança política do país, demonstrado pelos partidos da oposição - representados ou não no Parlamento Nacional -, assumiu proporções que atropelam o sistema escolhido para a rotatividade por força do voto popular. Mas não estavam sozinhos no erro. O partido que constituiu directamente governo derivado da Assembleia Constituinte também se esqueceu das suas responsabilidades cívicas em determinados momentos. A responsabilidade de moralizar a sociedade para o aprofundamento das suas práticas e estimular as oposições.
Timor-Leste, formalizada a Restauração a 20 de Maio de 2002, assumiu-se como país com necessidade de construção total da máquina do Estado mas comportou-se como se tudo já estivesse feito à medida de um povo com conhecimento profundo das regras, deveres e garantias de um Estado democrático. Tudo estava por fazer e o que se foi fazendo – na melhor das intenções de protecção do sistema – tornou pesada a máquina institucional, burocrática e fissurada. Fissurada por práticas adquiridas, incutidas de forma natural, por vinte e quatro anos de ocupação indonésia – país onde as fissuras permitem o equilíbrio nacional nas franjas de nível intermédio da sociedade.
O anterior governo, na minha opinião, não errou pois sempre assumiu estar a aprender. Todos aprendemos. E todos aprendemos aquilo que a história não nos deixa fazer esquecer. Um país com recursos petrolíferos, em construção, será sempre um potencial de perigo social, político e económico. Será sempre alvo, como Timor-Leste o tem sido, da ambição de gigantes de um e outro lado da “guerra silenciosa” que hoje se trava entre super potências regionais e globais.
Timor-Leste tem sofrido pelos seus recursos naturais não renováveis e pelas suas opções de Identidade como seja a Língua Portuguesa. Olhando as páginas seculares da história deste pequeno grande país, concluímos que não é fácil ser-se República Democrática de Timor-Leste.
Opto por não entrar na designação de países que considero envolvidos na promoção de uma cultura de anarquia e de desrespeito pela Constituição da República de Timor-Leste.
Neste artigo, pressupostamente, pretendia ajudar a fazer entender o momento actual de Timor-Leste. O momento actual deriva do acima escrito e do muito que ainda fica por escrever. A violência gratuita em algumas ruas de Díli – o resto do país está em paz – resulta de agendas – já denunciadas pelo actual primeiro-ministro – políticas de agentes que não pretendem a pacificação nacional para que se realizem as eleições de Março e Maio de 2007. Para quem conhece e vive o momento em Díli sabe bem que os autores materiais da violência são meras dezenas de jovens coordenados por alguém. Hoje, ao contrário de ontem, os jovens detidos em actos de violência têm alguns dólares americanos (moeda corrente em Timor-Leste), nos bolsos o que indicia pagamento pelo “trabalho”.
A solução nacional está em vias de construção. A sociedade civil deseja a paz e entende a necessidade da mesma. As instituições desavindas, como a Polícia Nacional e as Forças de Defesa Militar já entraram no processo de reconciliação nacional. Já marcharam juntas e desfilaram perante o Chefe de Estado, o Presidente do Parlamento Nacional e o primeiro-ministro. No entanto, nos dias seguintes foram assassinadas mais quatro pessoas – um cidadão brasileiro e três cidadãos timorenses. Um dos assassinados, a quem a memória também honro, participava civicamente na Comissão de Diálogo criada pelo presidente da República. Morte que vem dificultar muito o processo de diálogo nacional.
Os dias que se seguem são de desafio maior. O governo decidiu acabar com os campos de refugiados nos actuais locais. A aplicação de quinze milhões de dólares na reconstrução de habitações e lojas inicia-se dentro de dias. Até que tudo esteja pronto os actuais refugiados são acolhidos em campos com características de aldeias temporárias. No entanto, acabar com os campos de refugiados é enfrentar as organizações mafiosas que tomaram conta do medo das pessoas que ali se juntaram. O governo sabe bem do que se está a falar e as forças internacionais também.
Não se sabe como terminará toda esta crise. Não se sabe se algum dia se conseguirá provar que foi um golpe de Estado Institucional ou outra coisa qualquer. Aquilo que se sabe é que Timor mergulhou na dor e no sofrimento, mas mais do isso, ofereceu aos seus opositores históricos argumentos que fortalecem as suas doutas teorias.
O desafio nacional passa agora por evitar a figura de “Estado Falhado” à beira de se transformar num protectorado anglo-saxónico. O desafio é também o de evitar que os jovens sejam manipulados pela força de um punhado de dólares por interesses que nada têm a ver com o futuro do povo timorense.
Hoje, mais do que ontem, os líderes nacionais estão conscientes dos perigos que o Estado enfrenta e estão em uníssono a começar a afirmar a Soberania Nacional. Vão conseguir, seguramente, mas não será fácil!
O sucesso de Timor-Leste depende muito da força e capacidades da ASEAN. Pois não basta medir o problema interno de Timor-Leste pela vertente nacional, importa olhar à região onde se integra.
O futuro de Timor-Leste passa em muito pela capacidade dos seus vizinhos em se constituírem em verdadeiro grupo económico regional. Não basta uma ASEAN, onde se integram o Brunei, Darussalam, Cambodja, Indonésia, Laos, Malásia, Birmânia, Filipinas, Singapura, Tailândia e o Vietname - para fazer vingar as necessidades globais dos países que hoje se questionam como sobreviver ao constante desenvolvimento do mundo por regiões.
A ASEAN é ambiciosa mas, se me permitem a veleidade, muito parecida com a pálida CPLP.
A Associação das Nações do Sudoeste Asiático, a ASEAN, está mais esclarecida e eficaz que a CPLP, talvez seja injusto minimizar a sua importância a partir do momento em que estamos a falar de uma organização com 40 anos de existência. Mas também a profética idade, para uma associação de países, regista incapacidades no seu exercício e princípios de carta magna. De tal forma, assim é, que se alargou até 2020 o período para se cumprir o viver em paz, estabilidade e prosperidade social e económica entre os seus membros. A tudo isto, procura a ASEAN aquilo que hoje aqui se discute: a harmonia económica num crescimento franco e simétrico.
A ASEAN, não tem capacidade para evitar os conflitos internos de cada país, mas sim regista, para já, alguma eficiência no apoio pós-conflito ou desastre natural.
Mas que factores laterais influenciam o dia-a-dia de Timor-Leste? Vejamos: com a titubeante economia indonésia quais o reflexos para a região? Para Timor-Leste, asseguro, são enormes.
Todo o comércio timorense assenta no do seu vizinho. As flutuações do lado são em grande parte sentidas ali na meia ilha. O amanhã será sempre medido pela capacidade de desenvolvimento e afirmação da Indonésia e seus parceiros regionais de maior expressão. Por muita capacidade que Timor-Leste tenha para produzir, nunca produzirá o necessário para as necessidades do país. E é através do proeminente vizinho que terá de seguir, a Indonésia. O “vizinho” de Timor-Leste é a ASEAN – grupo ao qual Timor entrará como membro de pleno direito em 2007 por força do eficiente trabalho de José Ramos-Horta junto dos países constituintes.
Timor-Leste será sempre influenciado pelo bloco incipiente onde se integra, porém, tem alternativas que outros não têm: a União Europeia, os países de Língua Portuguesa no continente africano, o Brasil nas Américas, que lhe garantem um “pé” em cada canto do mundo e a Região Administrativa Especial de Macau para a China.
É, pela força da Identidade, da Língua comum secular, que Timor-Leste surge como a mais que provável plataforma entre os países que se constituem na 4ª. Língua mais falada do globo, e os gigantes da Ásia/Pacífico.
Timor-Leste tem diferenças significativas, em relação a outros países da região, a nível cultural e religioso, a Identidade é diferente, mas só por isso não pode ir estrada fora “solitário e contente”.
Sozinho e contente é tarefa difícil para um país onde o combate à pobreza está por cumprir.
Tarefa difícil para quem tem os níveis de escolaridade abaixo da linha de água. Tarefa quase impossível para quem surge no nono lugar dos países mais corruptos da região, logo atrás da Indonésia (segundo a prestigiada revista “NewsWeek”).
Pelo acima descrito, afirmo que Timor-Leste tem de se estabilizar e normalizar o dia-a-dia.
Contudo, quanto mais débil for o equilíbrio regional, mais difícil se tornará a estabilidade de Timor-Leste. Não duvido que é possível alcançar níveis desejados de estabilidade, assim como tudo indica que Timor será capaz de ultrapassar a barreira do descontentamento e desconfiança nacionais nas bases políticas do país. Há dinheiro de dentro e ajuda de fora. Os erros do passado podem ser corrigidos. Difícil será sarar feridas abertas de conflitos passados agudizados com a história triste e dramática destes últimos seis meses.
Timor-Leste, é um Estado viável, acredito.
Autor: António Veladas
(Especialista em Assuntos Asiáticos, representante de Timor-Leste junto do Fórum para a Cooperação Económica e Comercial China – Países de Língua Portuguesa. Exclusivo PONTO FINAL)
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domingo, novembro 26, 2006
Timor-Leste: Estado Viável
Por Malai Azul 2 à(s) 23:52
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Traduções
Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Obrigado pela solidariedade, Margarida!
Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006
"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
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