terça-feira, outubro 17, 2006

Relatório da CI - III. FACTOS E CIRCUNSTÂNCIAS SOBRE OS ACONTECIMENTOS DE ABRIL E MAIO DE 2006

III. FACTOS E CIRCUNSTÂNCIAS SOBRE OS ACONTECIMENTOS DE ABRIL E MAIO DE 2006

37. A narrativa dos acontecimentos que se segue constitui o produto da primeira componente do mandato da Comissão e o resultado da sua função de constatação de factos. Ela tem como base todo o material recebido pela Comissão, que consiste em mais de 200 depoimentos de testemunhas entrevistadas pela Comissão e em 2000 outros documentos e peças de material.

As conclusões sobre os factos e as circunstâncias foram tiradas com base no critério da suspeita razoável adoptado pela Comissão. As situações em que a Comissão não conseguiu formar uma opinião conclusiva utilizando este critério encontram-se indicadas de forma explícita no texto.
Manifestação dos Peticionários;

Organização pré-manifestação

38. Entre os dias 24 e 28 de Abril de 2006 realizou-se uma manifestação defronte ao Palácio do Governo em Dili. Aparentemente organizada e controlada pelos peticionários, essa manifestação buscava a resolução de práticas alegadamente discriminatórias contra os provenientes da parte ocidental do país no seio da F-FDTL.

39. No período de 19 a 23 de Abril de 2006 houve negociações durante vários dias entre os peticionários e oficiais seniores da PNTL relativamente à realização da pretendida manifestação.

A Polícia Militar não foi envolvida. Foram feitos planos coordenados em matéria de segurança. Os peticionários assumiram a responsabilidade pela segurança no local da manifestação. Foram destacados seis peticionários para revistarem diariamente todos os manifestantes. O tenente Gastão Salsinha, porta-voz dos peticionários, tinha a responsabilidade de controlar o microfone e o altifalante examinando cuidadosamente aqueles que fossem designados para discursar. O Comandante Distrital de Dili deveria ser contactado caso se afigurasse necessária a ajuda da PNTL em termos de segurança interna. A PNTL era responsável por qualquer incidente que se produzisse na parte externa. Na véspera do início da manifestação, o Comandante-Geral da PNTL, Paulo Martins, emitiu uma ordem escrita relativamente ao desdobramento da PNTL e ao uso da força. Tal ordem contemplava o envolvimento da polícia do distrito de Dili na realização de patrulhas à pé, o envolvimento da Unidade de Protecção Física (Close Protection Unit) para a protecção aos VIPs (Individualidades Muito Importantes) do Estado, e a Unidade de Reserva da Polícia para patrulhamento em “zonas críticas”. Um pelotão do Grupo de Trabalho (Task-Force) de Dili deveria proporcionar assistência. Dois pelotões de membros da UIR (Unidade de Intervenção Rápida) deveriam ficar de prevenção para qualquer eventualidade. O Comandante-Geral da PNTL concordou subsequentemente com o desdobramento activo da UIR. O uso de armas de fogo e de gás lacrimogéneo foi proibido sem que houvesse autorização expressa. As negociações culminaram com uma conferência de imprensa no dia 23 de Abril de 2006 durante a qual os peticionários garantiram que a manifestação seria pacífica e o Comandante-Geral da PNTL afirmou que a mesma seria terminada imediatamente caso se tornasse violenta.

Os Primeiros Quatro Dias: 24 a 27 de Abril

40. Na segunda-feira dia 24 de Abril de 2006 os peticionários e seus simpatizantes reuniram-se em Carantina, Taci Tolu, a fim de marcharem sob escolta da polícia rumo ao Palácio do Governo.
Na sua maior parte, os peticionários envergavam uniformes da F-FDTL. Estavam desarmados. Uma vez postados defronte do Palácio do Governo, aí permaneceram, em números que flutuavam, até ao dia 28 de Abril de 2006. As fileiras dos peticionários e seus simpatizantes aumentaram manifestamente a partir do segundo dia dos protestos com a chegada de terceiros, particularmente membros do grupo conhecido como Colimau 2000.

41. Foram ocorrendo incidentes isolados de violência com uma frequência crescente por toda a cidade de Dili ao longo da semana da manifestação. No dia 25 de Abril um quiosque com bens na área de praia de Lecidere foi destruído, dois jovens foram assaltados e as tendas de venda no mercado de Taibessi pertencentes a pessoas oriundas da parte oriental do país foram queimadas. No mesmo dia Ozório Leki, porta-voz do grupo Colimau 2000, fez um discurso no local da manifestação em que ameaçou soltar a multidão caso a polícia não conseguisse pôr fim ao ataque contra os detentores de tendas de venda no mercado. Ozório Leki afirmou ainda que seria empregue a violência para assegurar uma mudança de Governo. Foram novamente queimadas tendas de venda no mercado de Taibessi no dia seguinte, tendo um membro da PNTL que se encontrava de folga sido atacado naquela área. O tenente Gastão Salsinha permitiu que o Sr. Ozório Leki fizesse uma outra intervenção no dia 26 de Abril na qual este empregou linguagem inflamatória contra a parte oriental do país. O Primeiro-Ministro Mari Alkatiri foi informado da presença de Ozório Leki entre os peticionários bem como do uso de retórica contra o Governo.

42. Os peticionários esperavam que um representante do Governo se deslocasse ao local da manifestação e falasse com os mesmos. A questão assumiu importância crítica durante as discussões entre o Governo e os peticionários no dia 27 de Abril. O Primeiro-Ministro propôs a criação de uma Comissão Governamental que deveria apresentar um relatório dentro de um período de três meses sobre as questões colocadas pelos peticionários juntamente com o pagamento de um subsídio para assistir os peticionários na sua reintegração nos distritos, mas recusou um pedido no sentido de fazer uma intervenção pública apresentando a proposta aos mesmos peticionários no Palácio do Governo. O Ministro dos Negócios Estrangeiros José Ramos-Horta aceitou abordar os peticionários no dia seguinte.

Manhã do dia 28 de Abril de 2006

43. Com a manifestação prevista para terminar à 01.00 hora da tarde de sexta-feira, 28 de Abril, tornou-se evidente logo no início da manhã uma tangível mudança na atmosfera a nível da multidão reunida em frente ao Palácio do Governo. O Ministro dos Negócios Estrangeiros era esperado às 09.00 da manhã. O Ministro acreditava contudo que estava previsto ele estar lá às 03.00 horas da tarde. Uma lenta mas picante irritação devido à não comparência do Ministro atingiu o ponto de ebulição por volta do meio-dia. A partir de cerca das 10.00 horas da manhã ameaças de violência e incidentes esporádicos de confrontação haviam começado a ocorrer. O lançamento de pedras iniciou cerca das 11.30 horas daquela manhã. Além disso, a quantidade de terceiros presentes dentre os peticionários, que crescia desde o dia 25 de Abril, aumentou subitamente. O tenente Gastão Salsinha não conseguiu controlar a ira dos jovens que se haviam juntado aos protestos. Nesta atmosfera, o sentimento segundo o qual os peticionários estavam dispostos a morrer pela sua causa ganhou substância.

44. Tudo isso era do conhecimento do comando superior da PNTL. Numa reunião havida às 09.00 horas da manhã, o Comandante-Geral da PNTL deu instruções no sentido de se impedir que qualquer novo manifestante se juntasse à manifestação. Todavia, cerca das 10.00 horas da manhã, na sequência do pedido feito por um peticionário, tenente Florindo dos Reis, o Comandante-Geral autorizou que mais 100 manifestantes fossem admitidos. Por volta das 11.30 horas da manhã, os membros do Grupo de Trabalho do distrito de Dili e da PNTL de outros distritos montaram dois cordões humanos com a face voltada para os manifestantes. Mais ou menos à mesma hora equipas de membros da UIR foram reposicionados do Palácio do Governo para Becora e Comoro. O Comandante da UIR afirmou que tal reposicionamento fora ordenado pelo Comandante-Adjunto da PNTL para as Operações de nome Ismael da Costa Babo. Esta afirmação é negada pelo Comandante-Adjunto da PNTL para as Operações Babo. O Comandante-Geral da PNTL não foi informado do reposicionamento. A PNTL bloqueou a Estrada da Praia (Beach Road), mas os seus elementos foram insuficientes em número para bloquear igualmente a rua ao lado. Cerca das 11.45 horas da manhã os manifestantes começaram a desfraldar as bandeiras de manifestação que traziam.

Um comandante de nível sénior da PNTL disse à Comissão que ele próprio entendeu tal gesto como constituindo um sinal de que algo estava prestes para acontecer.

45. A crescente deterioração da estabilidade no local da manifestação era também do conhecimento do Primeiro-Ministro Mari Alkatiri. Ele deu instruções por via telefónica ao Ministro do Interior no sentido deste enviar reforços para o Palácio do Governo. Telefonou ao Presidente Xanana Gusmão, o qual concordou telefonar para o tenente Gastão Salsinha. Cerca das 10.00 horas da manhã, o Primeiro-Ministro telefonou ao Chefe do Estado-Maior da F-FDTL, Coronel Lere Anan Timor, Comandante em exercício da F-FDTL. O Primeiro-Ministro ordenou-o que mantivesse a Força de Defesa em estado de prontidão. Dois pelotões do 1º Batalhão da F-FDTL estacionado em Baucau foram preparados. Cerca das 11.00 horas da manhã, o Primeiro-Ministro telefonou novamente para o Coronel Lere Anan Timor para o informar de que a situação se havia deteriorado ainda mais e o instruir no sentido de enviar membros da Polícia Militar em apoio à PNTL. O Coronel Lere Anan Timor ordenou que seis membros da Polícia Militar se deslocassem para o local da manifestação.

Cerca das 11.45 horas da manhã, o Primeiro-Ministro recebeu um telefonema do Presidente da República informando-o que se havia encontrado com o Tenente Gastão Salsinha o qual havia prometido tentar controlar a multidão e retirar os peticionários do local da manifestação.

46. Perto do meio-dia, o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, o Presidente da República Xanana Gusmão, e o Ministro do Interior Rogério Lobato conversaram no Hotel Timor por ocasião do encerramento de uma conferência internacional. Quanto às provas disponíveis, a Comissão não conseguiu tirar quaisquer conclusões relativamente ao conteúdo desse encontro. O ex- Primeiro-Ministro afirmou ter expressado o seu ponto de vista ao Presidente da República de que a PNTL se havia desintegrado e que havia a necessidade de chamar as Forças de Defesa para ajudarem. Forneceu declarações inconsistentes sobre se chegara a informar ao Presidente de que já havia instruído que as forças armadas se colocassem em estado de prontidão. O Presidente Xanana Gusmão por sua vez disse à Comissão que não houve discussão quanto à necessidade de chamar as Forças Armadas para intervirem.

Violência no Palácio do Governo

47. Cerca do meio-dia os manifestantes começaram a movimentar-se em direcção ao Palácio do Governo. As duas linhas formadas pela PNTL quebraram quase imediatamente, tendo muitos membros daquela corporação simplesmente fugido. Embora a Comissão tenha ouvido o ponto de vista segundo o qual somente membros da PNTL oriundos da parte ocidental do país tivessem abandonado os seus postos, talvez à pedido da multidão, a informação disponível sugere que a divisão entre aqueles que fugiram e aqueles que não fugiram não se faz com tanta facilidade.

Além disso, pelo menos alguns membros da PNTL foram instruídos pelo Comandante do distrito de Dili no sentido de regressarem para o quartel-general da PNTL. Os poucos membros da UIR que não tinham sido reposicionados foram colocados em frente ao Palácio do Governo e no cruzamento do antigo supermercado Hello Mister. Os membros da Polícia Militar enviados pelo Coronel Lere Anan Timor juntaram-se aos membros da UIR no referido cruzamento.

48. Os manifestantes entraram no Palácio do Governo. Duas viaturas foram queimadas. Escritórios localizados no rés-do-chão do edifício foram saqueados. A multidão atirou pedras contra a polícia. Um membro da polícia foi atacado com uma catana. Os manifestantes gritavam dizendo “atirem contra nós se quiserem” tanto para os membros da UIR como para os membros da Polícia Militar estacionados no cruzamento do antigo supermercado Hello Mister. O Comandante-Geral da PNTL chegou ao local da cena e autorizou o uso de gás lacrimogéneo.

Membros da PNTL fizeram também disparos de arma de fogo. O Comandante-Geral Paulo Martins disse à Comissão que não autorizou isso. Cerca da 01.00 hora da tarde membros seniores da PNTL haviam regressado ao quartel-general da PNTL deixando um limitado número de agentes da PNTL e da UIR no cenário. O Ministro do Interior Rogério Lobato chegou ao quartel-general envergando um colete à prova de bala num estado de espírito altamente agitado e gritando “matem-nos a todos”. O Chefe de Operações da PNTL disse à Comissão que o Ministro do Interior o instruíra no sentido de movimentar a URP de Taibessi para o Palácio do Governo. Os registos da PNTL mostram que foi assinada a entrega de uma metralhadora totalmente automática F2000 e de 2000 cartuchos de munições ao Ministro do Interior pelo Comandante-Geral da corporação. Cerca da 01.30 horas da tarde os manifestantes haviam dispersado. Dois civis haviam sido mortos. Três civis e um membro da PNTL haviam sofrido ferimentos de arma de fogo. Um civil e um membro da PNTL haviam sofrido outros ferimentos graves.

Violência no Mercado de Comoro

49. Após abandonarem o Palácio do Governo os manifestantes regressaram para Taci Tolu, escoltados por membros da PNTL e da Polícia das Nações Unidas (UNPOL). A caminho passaram pelo mercado de Comoro, uma comunidade mista de pessoas oriundas da parte leste e da parte ocidental do país. Um vasto número de pessoas caminhou em direcção ao grupo de peticionários à medida que estes se aproximavam do mercado. Um membro da UIR foi apedrejado pela multidão e disparou pelos menos seis tiros, alguns para o ar e outros para a multidão. Pouco depois disso um pelotão de 21 membros da UIR foi enviado para a rotunda do aeroporto e um segundo pelotão igualmente com 21 elementos da UIR foi enviado para o mercado de Comoro. Cada pelotão tinha três viaturas. Elementos adicionais da UIR, não desdobrados expressamente na área, estavam também presentes no local. O pelotão colocado no mercado foi atacado pela multidão. Em resposta, o comandante do pelotão ordenou o lançamento de gás lacrimogéneo. Os peticionários então passaram pela via assim aberta escoltados por duas das viaturas da UIR. Perto da área do mercado os peticionários foram submetidos a tiros de arma de fogo. O fogo vinha quer de membros da UIR que seguiam nas viaturas da escolta quer dos elementos da multidão. Um civil foi morto por uma arma disparada à longa distância. Oito civis sofreram ferimentos de arma de fogo. Dois membros da polícia e dois civis sofreram outros ferimentos graves.

Violência em Rai Kotu

50. Após passarem por Comoro, os manifestantes em retirada prosseguiram rumo a Taci Tolu, sendo que alguns regressavam para a sua base em Carantina e outros dispersavam pelas montanhas. À medida que o grupo de manifestantes avançava pela área um número superior a cem (100) casas pertencentes principalmente a pessoas oriundas da parte leste do país foram sendo queimadas. Esta destruição selectiva foi observada pelos Comissários durante a sua visita à área em Agosto de 2006.

51. Manifestantes armados de arcos e flechas reuniram-se em Rai Kotu. Cerca das 05.00 horas da tarde duas viaturas da F-FDTL seguindo do quartel-general da Polícia Militar em Caicoli em direcção ao quartel-general da F-FDTL em Taci Tolu e transportando catorze (14) soldados passou em frente desse grupo de manifestantes. Na viagem de regresso, cerca das 05.15 horas da tarde, as viaturas depararam-se com o mesmo grupo, o qual havia edificado uma barricada com uma série de coisas e com pneus a arder. Com o aproximar das viaturas da F-FDTL, os manifestantes lançaram granadas contra as mesmas. Os catorze soldados da F-FDTL ripostaram com disparos de arma de fogo. Alguns soldados desceram das viaturas, enquanto que outros permaneceram nas mesmas. Em cinco minutos foram feitos cerca de 100 disparos. Os atacantes dispersaram. Um civil foi morto em consequência do confronto. Um soldado ficou ligeiramente ferido no seu dedo como resultado da explosão de uma granada. Alguns minutos depois deste incidente ter ocorrido, dois civis ficaram feridos em consequência de disparos de arma de fogo por parte da F-FDTL perto do terminal de Taci Tolu.

O Apelo à Intervenção da F-FDTL

52. Cerca das 06.00 horas da tarde do dia 28 de Abril realizou-se uma reunião na residência do Primeiro-Ministro Mari Alkatiri durante a qual a situação de segurança foi analisada. Os participantes eram: o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, o Ministro do Interior Rogério Lobato, a Ministro de Estado e da Administração Interna Ana Pessoa, o Ministro da Defesa Roque Rodrigues, o Comandante da Força de Defesa em exercício Coronel Lere Anan Timor, e o Comandante-Geral da Polícia Paulo Martins.

Os relatos sobre esta reunião variam, particularmente no que toca a saber se o Primeiro-Ministro autorizou a F-FDTL a fazer uso da força contra os peticionários. Em resumo, o resultado da reunião consistiu numa decisão em como a F-FDTL seria desdobrada para assistir a PNTL a restabelecer a ordem e conter os peticionários. As áreas geográficas de responsabilidade tanto da PNTL quanto da F-FDTL foram estabelecidas. Significantemente, à F-FDTL foi dada a responsabilidade pela área de Taci Tolu.

53. Num relatório ao Presidente do Parlamento Nacional datado de 11 de Maio de 2006, o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri caracterizou a decisão dessa reunião no sentido de se desdobrar a FFDTL como tendo sido uma decisão do “Gabinete de Crise” ao abrigo do Artigo 20 do Decreto-Lei No. 7/2004 e do parágrafo c) do Artigo 115.1 da Constituição de Timor-Leste. A legalidade dessa decisão é examinada noutra parte do presente Relatório. Para já será suficiente notar o seguinte: nenhuma ordem foi dada por escrito. Não foi feita qualquer declaração formal do estado de crise. Durante a reunião nenhum contacto ou tentativa de contacto foi feito com o Presidente da República. O Primeiro-Ministro Mari Alkatiri telefonou ao Presidente da República no dia seguinte. O Ministro dos Negócios Estrangeiros não esteve presente. O Coronel Lere Anan Timor telefonou ao Ministro dos Negócios Estrangeiros na manhã do dia seguinte para o informar das instruções do Primeiro-Ministro, tendo estado demasiado ocupado para o fazer no anoitecer do dia 28 de Abril.

54. Embora a natureza e a base da intervenção da F-FDTL possam ter mudado na sequência da decisão das individualidades reunidas na residência do Primeiro-Ministro, a Comissão pôde comprovar que a F-FDTL fora colocada em situação de prontidão para intervir e efectivamente interveio nos acontecimentos do dia bastante antes de a decisão ter sido tomada. O Coronel Lere Anan Timor posicionou a Polícia Militar no Palácio do Governo com base em instruções do Primeiro-Ministro cerca das 11.00 horas da manhã. Soldados regulares da F-FDTL envolveram-se num confronto com manifestantes e civis em Rai Kotu cerca das 05.15 horas da tarde. Os dois pelotões do 1º Batalhão da F-FDTL, instruídos no sentido de se colocarem em estado de prontidão às 10.00 horas, chegaram a Metinaro provenientes de Baucau cerca das 05.30 horas da tarde, com um pelotão tendo sido enviado imediatamente para o quartel-general da Polícia Militar em Caicoli.

55. Tanto a PNTL como a F-FDTL patrulharam a cidade de Dili e seus arredores na noite de 28 de Abril de 2006 até às horas de iluminação natural do dia 29 de Abril de 2006. O propósito dessas patrulhas era em parte o de controlar o movimento dos peticionários. A F-FDTL e a PNTL tinham diferentes perspectivas quanto à amplitude deste propósito. A perspectiva da PNTL articulada perante a Comissão era a de que os peticionários deveriam ser presos e entregues à PNTL somente em caso de os mesmos se movimentarem e que não havia sido autorizada qualquer operação no sentido de os capturar. Por outro lado, os soldados da F-FDTL actuavam sob instruções segundo as quais deveriam conduzir uma busca pelos peticionários e disparar contra eles caso tentassem escapar.

Violência em Taci Tolu

56. Ouviram-se tiros de arma de fogo durante toda a noite, particularmente na parte ocidental de Dili onde a F-FDTL havia montado posições em Rai Kotu, Taci Tolu e Beduku. Rumores segundo os quais a F-FDTL havia massacrado 60 pessoas começaram a circular no dia 29 de Abril e rapidamente se espalharam depois disso, ao ponto inclusive de se citar o número da chapa de matrícula do camião da F-FDTL que alegadamente teria transportado os corpos, seja em caixas ou no interior de um contentor semelhante aos usados pela marinha mercante para transporte de mercadorias, de Taci Tolu para o distrito de Viqueque no dia 1 de Maio de 2006.

A Comissão declara que tais rumores de um massacre perpetrado e subsequentemente encoberto pela F-FDTL não passam mesmo disso, ou seja, são rumores sem qualquer fundamento.

57. As provas mostram que, para além de um civil morto em Rai Kotu, outros dois civis foram mortos durante a noite. Para além dos dois civis feridos perto do terminal de Taci Tolu durante a tarde do dia 28 de Abril, dois outros sofreram ferimentos provocados por arma de fogo durante a noite. Numerosos civis, não exclusivamente peticionários, foram presos e posteriormente postos em liberdade. Embora a Comissão reconheça a possibilidade de várias outras mortes poderem ter ocorrido, esforços redobrados envidados por uma variedade de indivíduos e agências não conduziram a quaisquer provas da ocorrência de algum massacre. Tais esforços incluíram o seguinte: um apelo lançado pelo Gabinete do Provedor de Direitos Humanos e Justiça a nível da rádio e da televisão no sentido de as famílias que tivessem registado o desaparecimento de algum dos seus membros darem a conhecer do facto; um apelo semelhante feito em folhetos distribuídos pelos campos de deslocados internos; investigações preliminares levadas a cabo pela Comissão criada pelo Governo para a Verificação de Dados sobre Mortos e Feridos; e investigações realizadas como parte do mandato da Comissão. O Tenente Gastão Salsinha confirmou que não há falta de nenhum peticionário. Nesta conformidade, a Comissão declara que, perante todas a evidências à sua frente, não ocorreu nenhum massacre.

Retirada da F-FDTL

58. O Chefe da Força de Defesa, Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, havia tomado conhecimento das acções da F-FDTL a partir de um relato na Internet que leu enquanto viajava na Indonésia ao cair da noite do dia 28 de Abril de 2006. Decidiu regressar imediatamente a Timor-Leste. Participou numa reunião na residência do Primeiro-Ministro cerca das 04.00 horas da tarde do dia 29 de Abril de 2006 com todas aquelas individualidades que haviam estado presentes às 06.00 horas da tarde do dia anterior. Foi tomada uma decisão no sentido de se retirar as forças da F-FDTL da cidade para os arredores de Dili, mas que membros da Polícia Militar da F-FDTL e membros da PNTL continuaram a realizar patrulhas conjuntas no interior da cidade. A retirada da F-FDTL não teve lugar no dia 30 de Abril de 2006 conforme havia sido planeada, mas foi feita no dia 4 de Maio quando as forças da F-FDTL regressaram para as bases de Taci Tolu e Metinaro, deixando alguns soldados estacionados no quartel-general da Polícia Militar. A polícia militar e a PNTL efectuaram operações conjuntas de patrulhamento pela cidade de Dili entre os dias 30 de Abril e 3 de Maio. Essas operações conjuntas de patrulhamento cessaram quando o Major Alfredo Reinado, Comandante da Polícia Militar, abandonou o seu posto no dia 3 de Maio de 2006.

Partida do Major Reinado

59. O Major Alfredo Reinado abandonou o seu posto juntamente com membros da Polícia Militar da F-FDTL e membros da UIR da PNTL ao anoitecer do dia 3 de Maio de 2006. O grupo levou consigo as suas armas e cartuchos de munições e seguiu para o distrito de Ermera onde se realizou uma reunião com os peticionários. Os dois grupos não se fundiram. O grupo do Major Reinado permaneceu na área até ao dia 8 de Maio de 2006, data essa em que o grupo mudou-se para Aileu. Os números do total de elementos que compunham o que se tornou conhecido como o “grupo do Alfredo” foram flutuando ao longo dos poucos dias que se seguiram. Esses números inflacionaram devido à chegada de membros da URP da PNTL que se juntaram ao grupo no dia 4 de Maio e por soldados regulares da F-FDTL que se juntaram ao mesmo grupo mais tarde. Os mesmos números reduziram quando sete dos onze membros da UIR da PNTL que haviam partido inicialmente com o Major Reinado regressaram para a PNTL no dia 5 ou 6 de Maio na sequência de uma chamada telefónica feita pelo Comandante-Geral Paulo Martins a um deles ameaçando exonerá-los caso não regressassem dentro de um período de 48 horas.

60. O Major Alfredo Reinado disse à Comissão que se mantinha leal ao Presidente da República na sua qualidade de Comandante Supremo da F-FDTL e que quebrara a cadeia de comando porquanto não tinha havido qualquer ordem escrita autorizando o uso da F-FDTL para controlar a população civil no dia 28 de Abril e nos dias subsequentes. Existem provas perante a Comissão de que o Presidente Xanana Gusmão estava em contacto com o Major Alfredo Reinado na sequência da deserção deste. A Comissão está convencida de que tal contacto não constituiu mais do que uma tentativa da parte do Presidente da República de conter e controlar o Major Reinado. Não existem provas de que um grupo de homens armados sob o comando do Major Reinado tivesse praticado acções criminosas sob as ordens ou com a autorização do Presidente da República.

Violência em Gleno no dia 8 de Maio de 2006

61. Várias centenas de pessoas reuniram-se em Gleno no dia 8 de Maio para se manifestarem contra o massacre que, segundo rumores, teria ocorrido no dia 28/29 de Abril de 2006. Algumas provas sugerem que a manifestação era parte do Movimento dos 10 Distritos liderado pelo Major Agusto Tara de Araújo e que se destinava a boicotar o Governo nos 10 distritos da parte ocidental do país. O Major Tara havia desertado da F-FDTL no dia 4 de Maio de 2006. O Comandante-Geral da PNTL ordenara que duas equipas armadas compostas de seis elementos da UIR acompanhassem o Secretário de Estado para a Região III, Egídio de Jesus, assim como o Administrador do distrito de Ermera, Saturnino Babo, a Gleno. Após a sua chegada a multidão, que incluía peticionários, pôs-se a gritar dizendo que os membros da UIR oriundos da parte leste do país eram os inimigos e haviam disparado sobre os peticionários no mercado de Comoro no dia 28 de Abril. Os membros da UIR da parte leste do país foram forçados a refugiar-se no edifício da Administração do Distrito. O edifício foi então cercado pela multidão. Armados com facas, paus, catanas e pedras, a multidão pôs-se a gritar proferindo ameaças de morte contra os membros da UIR da parte leste do país.

62. O Comandante-Geral Adjunto da PNTL para as Operações, Babo, chegou sob instrução do Ministro do Interior e com o conhecimento do Comandante-Geral da PNTL. Fizera-se acompanhar de um pequeno número de membros da PNTL. Formou-se uma comissão para negociar. Essa comissão incluiu o ex-Comandante das FALINTIL Ernesto Fernandes, também conhecido por Dudu, e o Padre Adriano Ola. Após um prolongado frente-a-frente com a multidão, o Comandante-Geral Adjunto Ismael Babo desarmou seis membros da UIR oriundos da parte leste do país e retirou os seus coletes à prova de bala, tendo escoltado esses membros para viaturas que se encontravam à espera. Quando as viaturas iam a abandonar o local, dois dos membros da UIR desarmados ou caíram ou foram puxados de uma das viaturas. Ambos foram apunhalados por elementos da multidão. Os membros da PNTL que haviam chegado com o Comandante-Geral Adjunto Ismael Babo efectuaram disparos para o ar a fim de dispersar a multidão. Um membro da UIR morreu e o outro ficou gravemente ferido.

63. O corpo do polícia morto foi transportado para o Hospital de Dili, onde um grande número de membros da UIR e o Comandante dessa unidade da PNTL se haviam concentrado. Os membros da UIR oriundos da parte leste do país ameaçaram carregar o corpo do colega falecido pelas artérias da cidade de Dili antes de o colocarem na residência do Comandante-Geral Paulo Martins. Nessa noite um membro da PNTL proveniente da parte leste do país fez um anúncio através da rádio responsabilizando o Comandante-Geral Paulo Martins e o Comandante-Geral Adjunto Ismael Babo pela morte do membro da UIR. O Comandante-Geral Adjunto Ismael Babo não regressou a Dili.

Confronto Armado em Fatu Ahi no dia 23 de Maio de 2006

64. Até 22 de Maio de 2006 tanto a PNTL quanto a F-FDTL possuíam informações secretas (inteligência) segundo as quais membros da URP da PNTL encorajavam e apoiavam a violência entre oriundos do leste contra oriundos da parte ocidental do país na zona de Fatu Ahi. Foram feitos planos para montar um posto conjunto de operação integrando elementos da F-DFTL e da PNTL. Cerca das 11.00 horas da manhã do dia 23 de Maio, duas viaturas transportando 9 soldados do 1º Batalhão da FFDTL, sob o comando do Tenente-Coronel Falur, chegaram a Fatu Ahi para se encontrarem com membros da PNTL. Deveriam realizar uma avaliação do terreno do já planeado posto conjunto. As viaturas pararam perto do ponto mais alto de Fatu Ahi. Assim que os soldados desceram das viaturas viram homens envergando uniformes da polícia por detrás da escola e das árvores. Tais homens não eram os membros da PNTL com quem esperavam se encontrar. Eram membros do grupo do Alfredo.

65. O Major Reinado e onze dos seus homens haviam chegado à área naquela manhã provenientes de Aileu. Eles estavam acompanhados de civis e de 10 membros da URP munidos de armas automáticas. Cerca das 09.00 horas da manhã dois jornalistas chegaram e começaram a entrevistar, com vídeogravação, o Major Reinado. O início da confrontação armada encontra-se captado nessa vídeogravação. O tiroteio foi iniciado pelo Major Reinado ao contar até dez após ter lançado uma advertência no sentido de se afastarem. O Tenente-Coronel Falur ordenou aos soldados que respondessem aos disparos.

66. O confronto em Fatu Ahi durou até ao cair da noite. O grupo do Major Alfredo cercou os soldados da F-FDTL, os quais nem todos estavam armados, impossibilitando-os de se retirarem.

O Tenente-Coronel Falur pediu reforços. Uma viatura da PNTL com dez membros dessa corporação que seguia entre Baucau e Dili foi apanhada sob o fogo. Um membro da PNTL foi morto e dois ficaram feridos. Cerca do meio-dia, os primeiros reforços da F-FDTL chegaram, tendo três deles ficado feridos. Mais ou menos à mesma hora um autocarro da F-FDTL, transportando soldados para Dili a fim de levantarem os seus salários, chegou depois de os passageiros terem ouvido disparos de arma de fogo. O mesmo autocarro foi atacado a cerca de 300 metros a ocidente do sítio original da emboscada. Um desses soldados morreu e três outros ficaram feridos. Mais tarde o Major Rai Ria deslocou-se ao local com um escolta e ambos foram feridos. Cerca das 02.00 horas da tarde o Major Amico chegou de Metinaro com cerca de dez homens. Ele aproximou-se de Fatu Ahi a partir das cercanias da montanha e colocou-se numa posição mais elevada do que a do Major Alfredo Reinado e seus homens. O Major Alfredo Reinado então retirou-se, usando uma viatura da PNTL que mais tarde foi devolvida. Dois dos homens do Major Reinado e um civil foram mortos. No total, cinco pessoas foram mortas e dez ficaram feridas.

Confronto Armado em Taci Tolu/Tibar nos dias 24 e 25 de Maio de 2006

67. A F-FDTL havia observado movimentos suspeitos nas montanhas de Taci Tolu e de Tibar desde cerca do dia 19 de Maio. Na manhã do dia 24 de Maio de 2006, oito soldados da F-FDTL que realizavam uma patrulha de observação nas montanhas foram atacados e contidos por um grupo de pessoas armadas a partir de uma posição mais elevada. Este grupo compreendia membros da polícia do distrito de Liquiçá, peticionários, e civis armados pertencentes ao grupo de Rai Los. Um segundo grupo de soldados da F-FDTL enviados a partir do quartel-general da F-FDTL situado nas cercanias foi igualmente atacado e contido pelo mesmo grupo atacante. Com a intensificação da batalha, a FFDTL reforçou as suas posições nas montanhas enviando um barco da sua componente naval para a baía de Tibar. A batalha durou até à tarde, quando fogo proveniente do barco da componente naval forçou a retirada do grupo atacante.

68. No dia 25 de Maio de 2006, o grupo atacante regressou às montanhas de Taci Tolu. O grupo abriu fogo contra dois esquadrões da F-FDTL enviados para patrulhar as montanhas. Entretanto, outros dois esquadrões da F-FDTL chefiados pelo Capitão Kaikeri foram desdobrados como reforço. A batalha iniciou cerca das 07.00 horas da manhã e durou até à tarde, embora não tivesse sido tão intensa como a do dia anterior. Os números não são certos, mas as provas perante a Comissão sugerem que até nove pessoas foram mortas e três outras sofreram ferimentos de arma de fogo como resultado desta violência.

Ataque à Residência do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak

69. Cerca das 08.00 horas da manhã do dia 24 de Maio de 2006 a unidade de protecção da FFDTL estacionada na residência do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak observou cerca de dez membros da PNTL, incluindo o Comandante-Geral Adjunto Abílio Mesquita, próximos da residência. Todos os membros da PNTL estavam munidos de armas Steyr com excepção de Abílio Mesquita, que transportava uma metralhadora completamente automática F2000. Mais tarde nesta mesma manhã os membros da PNTL armados foram vistos ainda mais próximos da residência. O Sr. Abílio Mesquita fez um sinal com a mão que precipitou disparos de arma de fogo a partir do seu grupo dirigidos contra a residência. A troca de tiros que se seguiu prosseguiu até cerca das 05.00 horas da tarde. Cerca do meio-dia, a unidade de protecção da F-FDTL movimentou-se para a escola primária situada acima da residência com vista a obter um melhor ponto de observação. Um dos membros da PNTL foi morto por um soldado cerca de 30 minutos mais tarde. Os soldados, que estavam munidos de armas M16 e de granadas propulsionadas por espingarda (rifle propelled granades) ficaram então sob fogo pesado de armas automáticas proveniente da parte oriental. Ripostaram com fogo pesado, inclusivamente com lançamento de várias granadas, tendo sido reforçados com soldados da F-FDTL ao longo do dia.

70. Durante a tarde do dia 24 de Maio de 2006, o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak telefonou ao Membro do Parlamento Nacional Leandro Isaac, que passou o telefone ao Abílio Mesquita. Tanto o Sr. Leandro Isaac como o Comandante Abílio Mesquita moram perto do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak. O Sr. Leandro Isaac estava munido de uma arma Steyr e também estavam presentes pelo menos três homens munidos de armas variando entre Steyr e armas semi-automáticas FNC. O Brigadeiro-General Taur Matan Ruak solicitou que parassem com o tiroteio para permitir que as suas crianças fossem evacuadas da residência. As crianças do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak foram levadas para local seguro durante o cessar-fogo no início da noite do dia 24 de Maio de 2006. A troca de tiros entre os membros da PNTL sob o comando do Comandante Abílio Mesquita e a F-FDTL reiniciou na manhã do dia 25 de Maio e prosseguiu até às 05.00 horas da tarde desse dia.

Confronto Armado entre a PNTL e a F-FDTL no quartel-general da PNTL

71. Ao cair da noite do dia 24 de Maio de 2006, qualquer relacionamento que existia entre a FFDTL e a PNTL era de suspeição mútua. Rumores de um ataque planeado por parte da F-FDTL contra o quartel-general da PNTL começaram a circular. Indicações sobre o ataque iminente foram avançadas por três diferentes pessoas no seio da F-FDTL a três diferentes pessoas no seio da PNTL, aparentemente como resultado de relações de amizade que eram mais fortes do que os compromissos de fidelidade para com a F-FDTL. As indicações foram comunicadas ao Chefe de Operações da PNTL, ao Comandante do distrito de Dili da PNTL, ao Ministro do Interior, ao Primeiro-Ministro, e à UNPOL. Com efeito, um membro da UNPOL referiu a presença de metralhadoras no telhado das velhas instalações que albergavam as antigas Forças de Manutenção da Paz das Nações Unidas (PKF) durante a tarde do dia 24 de Maio de 2006.

72. O Comandante-Geral Adjunto da PNTL para a Administração, Lino Saldanha, que havia sido armado pela F-FDTL e que na altura se encontrava a operar sob o comando desta instituição, deu a última indicação cerca das 02.00 horas da manhã do dia 25 de Maio. Em conversa telefónica com o seu assistente administrativo, Lino Saldanha alertou que a F-FDTL iria deslocar-se ao quartel-general da PNTL para matar pessoas. Lino Saldanha perguntou especificamente se o Chefe de Operações, chamado de Jesus, se encontrava presente. O mesmo Comandante-Geral Adjunto fez outras chamadas telefónicas entre cerca das 09.00 horas e 10.00 horas da manhã, tendo a última sido feita para o Chefe de Operações, de Jesus, instruindo a todos os membros da PNTL no sentido de regressarem para o quartel-general da PNTL.

73. Na noite de 24 para 25 de Maio, a hierarquia da F-FDTL armou para cima de 200 civis e membros da PNTL e movimentou esses civis e membros da PNTL para várias localidades em Dili. Este processo foi organizado como uma resposta à suposta ameaça colocada pela PNTL à F-FDTL. Cerca da 01.00 hora da manhã, 64 membros da PNTL que haviam sido armados pela F-FDTL em Baucau partiram com destino a Fatu Ahi. Eles foram em seguida enviados para o quartel-general da Polícia Militar e dali foram enviados para guardarem o reservatório de água no Bairro Pité. Cerca das 04.00 horas da manhã, foram enviados também soldados da F-FDTL para o Bairro Pité com instruções no sentido de impedirem que os peticionários entrassem na cidade. Outros soldados da F-FDTL foram enviados para as antigas instalações da PKF e instruídos no sentido de estarem preparados. Ao levantar do sol, 84 soldados se encontravam presentes neste local. Este agrupamento incluiu algumas tropas que haviam sido estacionadas em Dili bem antes do dia 25 de Maio.

74. A dada altura durante o dia 25 de Maio, o Primeiro-Ministro contactou tanto o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak como o Chefe de Operações da PNTL de Jesus, na altura o oficial mais graduado da PNTL em Dili, encorajando-os a trabalharem em conjunto. O Primeiro-Ministro forneceu ao Brigadeiro-General Taur Matan Ruak o número de telefone do Chefe de Operações.

75. Durante a manhã do dia 25 de Maio de 2006, uma coluna de viaturas da PNTL passou em frente ao estabelecimento denominado Leader em Comoro. Havia soldados armados na estrada.

Duas viaturas passaram pelas viaturas da polícia. A primeira viatura era um camião pick-up de cor branca transportando três homens em uniforme com armas M16. A segunda viatura era um camião de cor vermelha transportando entre 15 a 20 homens armados, alguns dos quais envergando uniformes e outros à civil. Os homens que se encontravam nessas viaturas e os soldados que se encontravam na estrada abriram fogo contra as viaturas da polícia, ferindo um membro da PNTL nas pernas. A polícia respondeu ao fogo antes de regressar, em velocidade, para o quartel-general da PNTL. O relato sobre o tiroteio causou pânico no seio dos membros da PNTL. Alguns destes membros armaram-se e tomaram posições em torno do complexo da PNTL. Simultaneamente, soldados da F-FDTL no interior das antigas instalações da PKF ouviram um relato segundo o qual membros da PNTL haviam aberto fogo sobre soldados da F-FDTL em Comoro antes de rumarem, em velocidade, para o seu quartel-general. Embora a Comissão esteja convencida quanto às provas de testemunhas independentes em como a F-FDTL iniciou a troca de tiros, na altura cada uma das partes acreditava que estava a ser atacada pela outra parte.

76. Passou-se entretanto um período de tensão que durou uma hora. Seguidamente, cerca das 11.00 horas da manhã, um camião pick-up de cor vermelha passou em direcção ao quartel-general da PNTL. Membros da PNTL que testemunharam este facto suspeitavam que o ataque esperado seria lançado a partir desse camião. Um deles disparou um único tiro de alerta. Quase imediatamente duas granadas foram lançadas pelos soldados da F-FDTL estacionados nas antigas instalações da PKF, uma caindo perto do ginásio da universidade e a outra explodindo no prédio da PNTL, ferindo três dos seus membros. A PNTL então ripostou, tendo-se seguido uma intensa troca de tiros.

77. A posição da F-FDTL articulada perante a Comissão é a de que a F-FDTL havia antes sido colocada sob fogo por parte dos membros da PNTL estacionados tanto no quartel-general da corporação policial como no Ministério da Justiça e que, além disso, tal fogo era dirigido especificamente para a sala de reuniões localizada no segundo andar das antigas instalações do PKF onde o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak e o Coronel Lere haviam estado desde cerca das 08.00 horas da manhã. A Comissão não recebeu provas que consubstanciassem esta posição. Pelo contrário, com base em provas independentes, a Comissão está convencida de que a troca de tiros foi desencadeada, não intencionalmente, pelo único disparo de alerta efectuado por um membro da PNTL. A Comissão está convencida ainda de que embora exista informação sugerindo a possibilidade de que a F-FDTL estivesse a se preparar para lançar um ataque contra o quartel-general da PNTL, a troca de tiros que iniciou às 11.00 horas da manhã do dia 25 de Maio de 2006 não constituiu a execução de tal ataque.

78. Ao ouvir o disparo, a resposta inicial dos soldados da F-FDTL não ficou clara e continua a não haver provas claras sobre se a resposta foi expontânea ou se foi com base numa ordem dada. Inicialmente, todo o fogo da F-FDTL proveio do interior das antigas instalações da PKF. Mais tarde, actuando sob instruções, os soldados da F-FDTL tomaram também posições a oeste, sul e este do edifício da PNTL, com alguns soldados da F-FDTL posicionados igualmente a norte. Um grupo de cerca de seis soldados tomou posições no cruzamento junto ao Ministério da Justiça.

79. Cinco membros da UNPOL que se encontravam no interior do edifício da PNTL haviam estabelecido contacto via rádio com membros da UNPOL no Obrigado Barracks cerca das 11.30 horas da manhã. Como resultado, o Assessor Principal da UNPOL de nome Saif Malik ficou a saber que esses membros da UNPOL se encontravam encurralados, que alguns deles haviam sido feridos, e que a PNTL pretendia organizar um cessar-fogo, mas que não conseguia contactar os comandantes da FFDTL. Cerca das 12.30 horas, o Sr. Malik e o Coronel Reis, Assessor Principal para o Treinamento Militar que havia igualmente ouvido as comunicações via rádio, falaram cada um em separado com o Representante Especial do Secretário-Geral. Ambos os Assessores solicitaram e foi-lhes dada autorização para intervir. Embora o Representante Especial do Secretário-Geral não tivesse informado o Coronel Reis, que foi a segunda pessoa a falar com ele, de que tal autorização já havia sido dada ao Sr. Malik, os dois Assessores conversaram pouco depois disso. O Sr. Malik pretendia enviar membros da UNPOL com o Coronel Reis para se encontrarem com o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak. O Coronel recusou, acreditando que a presença de mais membros da polícia envergando camisas de cor azul poderia agravar a situação.

80. O Coronel Reis, o seu adjunto, e um outro oficial partiram do Obrigado Barracks numa viatura das Nações Unidas com a bandeira desta organização na janela do lado do passageiro do banco traseiro da viatura. O Coronel Reis falou com o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak à entrada das antigas instalações do PKF. A conversa durou entre 5 a 10 minutos, ao longo dos quais o tiroteio continuou a ter lugar. Estabeleceu-se um cessar-fogo. Embora o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak negue que o cessar-fogo estivesse condicionado ao desarmamento da PNTL, a Comissão está convencida de que as condições do cessar-fogo eram no sentido de que a PNTL seria desarmada, as armas seriam levadas pelos membros das Nações Unidas, e que qualquer membro da PNTL que ficasse atrás ficaria sujeito a um novo ataque. O Brigadeiro-General Taur Matan Ruak deu aos seus homens a ordem de cessarem o fogo. O Coronel Lere enviou mensageiros a comunicarem a ordem aos soldados que se encontravam fora do alcance da voz.

81. Enquanto o Coronel Reis deixava as antigas instalações do PKF, dois membros da UNPOL chegaram na viatura blindada das Nações Unidas posta à disposição do Sr. Malik pelo Representante Especial Adjunto do Secretário-Geral. Esses membros da UNPOL haviam sido enviados para o local pelo Sr. Malik. Em seguida as duas viaturas das Nações Unidas dirigiram-se em direcção ao quartelgeneral da PNTL tendo lá chegado cerca da 01.00 hora da tarde. Uma vez mais a bandeira das Nações Unidas se encontrava à vista a partir da viatura em que o Coronel Reis se fazia transportar. As disposições do cessar-fogo foram explicadas ao Chefe de Operações Afonso de Jesus. O Coronel Reis sublinhou o aspecto de que a entrega das armas era voluntária e que somente os membros da PNTL desarmados seriam autorizados a sair. Ao iniciar-se o processo de recolha das armas, chegaram mais seis viaturas das Nações Unidas transportando membros da UNPOL, incluindo o Sr. Malik. O Coronel Reis e o Sr. Malik tiveram uma acesa altercação. Ao finalizar a recolha das armas, os membros da PNTL foram reunidos em colunas na estrada ladeados por viaturas das Nações Unidas.

82. Alguns minutos depois de as viaturas das Nações Unidas terem entrado para o quartel-general da PNTL e depois que o cessar-fogo havia entrado em vigor, um soldado, de nome Ricardo Ribeiro Bure, foi morto perto do muro do perímetro da PNTL em consequência de um rebentamento de fogo proveniente do interior do complexo da PNTL. Um soldado da F-FDTL de nome Francisco Amaral surgiu no cruzamento junto ao Ministério da Justiça. O seu uniforme estava parcialmente banhado de sangue. Um membro da UNPOL perguntou se o Sr. Amaral havia sido ferido, tendo-lhe sido dito que o amigo do mesmo Francisco Amaral havia acabado de ser morto pela PNTL.

Tiroteio sobre Membros da PNTL

83. O Coronel Reis conduziu os membros da PNTL à pé do quartel-general da PNTL em direcção ao cruzamento junto ao Ministério da Justiça. Ele mesmo carregava a bandeira das Nações Unidas. Antes de partirem, os membros da PNTL foram advertidos no sentido de evitarem contactos de olho com os soldados que se encontravam à berma da estrada e de não correrem. Os soldados da F-FDTL envolvidos no tiroteio disseram à Comissão que os polícias reunidos naquelas circunstâncias mostraram-se arrogantes e cantarolavam. A Comissão aceita provas em contrário no sentido de que o comportamento dos membros da PNTL indicava que eles estavam receosos. Uma ténue tentativa de entoar o hino nacional terminou logo a seguir. Os mesmos soldados da F-FDTL disseram à Comissão que não estavam certos se os membros da PNTL se haviam efectivamente rendido na medida em que não traziam as suas mãos à cabeça, poderiam estar a esconder as suas armas em mochilas, e não se encontravam a marchar atrás de uma bandeira branca mas sim de uma bandeira das Nações Unidas.

84. A coluna iniciou a caminhada cerca da 01.45 horas da tarde. O Tenente-Coronel Mann e um membro da UNPOL adiantaram-se à coluna para falarem com os soldados da F-FDTL que se encontravam na estrada numa tentativa de manter a situação calma. Numa altura em que a maior parte dos polícias haviam atravessado o cruzamento, um soldado da F-FDTL pareceu se encontrar agitado e a tentar identificar alguém dentre os membros da PNTL. Os soldados da F-FDTL afirmam que um dos polícias havia feito um gesto feio com a mão para eles. O Sr. Malik tentou falar com o soldado agitado, mas este deu um passo para o lado e abriu fogo contra os polícias que se encontravam perto. Seguiu-se então um tiroteio a partir de três esquinas do cruzamento. Os soldados dispararam sobre membros da PNTL que já se encontravam no chão. Provas perante a Comissão indicam que pelo menos seis soldados da F-FDTL se envolveram no tiroteio. Contrariamente a rumores persistentes, não existem provas de que membros da PNTL, incluindo aqueles armados e uniformizados pela FFDTL, estivessem envolvidos no tiroteio. O tiroteio durou cerca de dois a três minutos e envolveu pelo menos 100 cartuchos de munições. Oito membros da PNTL foram mortos e 27 sofreram graves ferimentos de arma de fogo.

85. O Sr. Malik coordenou a evacuação dos membros feridos para o Obrigado Barracks. Este destino foi escolhido porque os membros feridos da PNTL expressaram receio de represálias por parte da F-FDTL caso fossem levados para o Hospital. O Coronel Reis e o seu adjunto protestaram junto do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, o qual pediu desculpas pelo tiroteio. Três soldados, alegadamente responsáveis pelo tiroteio, foram trazidos perante o Brigadeiro-General Matan Ruak. Somente um deles confessou a sua participação no tiroteio, tendo afirmado que se encontrava aborrecido devido à morte pela PNTL de Bure numa altura em que o cessar-fogo já se encontrava a vigorar.

Queima da Residência da Família da Silva

86. Durante a manhã do dia 25 de Maio de 2006 um vasto grupo de jovens do sexo masculino carregando garrafas de gasolina e fósforos reuniram-se na área de Bebonuk na parte ocidental de Dili. Ouviu-se-lhes dizerem que procuravam por residências de pessoas oriundas da parte ocidental do país. Muitas casas pertencentes a pessoas oriundas da parte ocidental do país foram apedrejadas e incendiadas. Cerca das 12.30 horas a casa da família da Silva, familiares do Ministro do Interior, localizada na área de Fomento 1, foi incendiada. A casa era rodeada por um muro alto. Os atacantes cercaram a casa no interior desse muro. Vizinhos do lado de fora do muro falaram para uma das mulheres encurraladas no interior da casa e puderam ouvir pedradas a serem lançadas através das janelas. A mulher encurralada disse que estavam cercadas por pessoas armadas e que não conseguiam sair. Duas crianças que haviam conseguido escapar da casa haviam ouvido pessoas no meio da multidão dizerem “o Lobato está lá dentro”. A Comissão recebeu informação segundo a qual uma multidão de pessoas se havia reunido em frente à casa alguns dias antes, proferindo ameaças contra “a família do Ministro do Interior”. Cerca das 02.00 horas da tarde um vizinho utilizou uma mangueira de rega para extinguir as partes da casa que ainda ardiam. As chamas foram extintas por volta das 03.00 horas da tarde. Seis pessoas foram mortas no fogo, incluindo quatro crianças com menos de 18 anos.

Violência no Mercado Lama

87. Cerca das 03.00 horas da tarde a Polícia Militar mandou montar uma barricada na Avenida Bispo de Medeiros a cerca de 50 metros a sul da rotunda junto ao Mercado Lama. A barricada era controlada por Oan Kiak, um ex-soldado das FALINTIL, acompanhados dos seus homens e destinavase a detectar e proceder à detenção de membros da PNTL que estivessem armados. Mandavam parar as viaturas que transitassem e revistavam-nas. Cerca das 05.00 horas da tarde uma viatura passou à uma certa velocidade. Kiak e os seus homens abriram fogo, ferindo o padre que ia a conduzir a viatura. Pouco depois disso, um camião Polytron, de cor vermelha, aproximou-se da barricada vindo da parte norte e, ao invés de abrandar a marcha ao passar em frente à barricada, acelerou. Kiak e outros abriram fogo sobre a viatura, matando um homem e ferindo um outro.

O Papel das Armas Nos Acontecimentos
Armas Entregues a Civis


88. No dia 8 de Maio realizou-se uma reunião entre o Primeiro-Ministro; o Ministro do Interior; Vicente da Conceicão, também conhecido por Rai Los e ex-soldado das FALINTIL, mais dois dos seus homens, na residência do Primeiro-Ministro. Aparentemente esta reunião foi convocada pelo Ministro do Interior para discutir aspectos de segurança relativamente à realização do Congresso Nacional da FRETILIN que se avizinhava. As explicações dadas sobre esta reunião variam substancialmente. A única questão em torno da qual existe concordância entre os participantes é a de que não se falou de armas. Rai Los disse à Comissão que o Primeiro-Ministro o instruiu no sentido de “eliminar” peticionários e opositores do Governo, e que ele (Rai Los) entendeu a expressão eliminar como significando matar. O ex-Primeiro-Ministro Mari Alkatiri nega ter utilizado a expressão “eliminar” e afirma que Rai Los e os seus dois homens haviam sido levados até ele pelo Ministro do Interior na qualidade de guias que iriam assistir os delegados provenientes dos distritos da parte ocidental do país que iriam participar no Congresso da FRETILIN a iniciar no dia 17 de Maio.

89. O ex-Primeiro-Ministro afirmou que durante a reunião aproveitou a oportunidade para analisar com o Ministro do Interior a necessidade de um grupo de civis para apoiarem a URP da PNTL, mas que não houve discussão sobre o fornecimento de armas ou de uniformes a um tal grupo. A Comissão nota que a forma como esta questão do apoio a ser dado por civis à URP foi discutida entre o Primeiro-Ministro e o Ministro do Interior foi altamente irregular. Quer antes quer depois desta reunião nunca o Comandante da URP ou o Comandante-Geral da PNTL foram alguma vez convidados para darem as suas opiniões sobre a necessidade de um apoio à URP por parte de civis ou para serem informados sobre a decisão neste sentido.

90. Também no dia 8 de Maio de 2006 o Ministro do Interior Rogério Lobato instruiu o Comandante da UPF, António da Cruz, no sentido de levar para a sua residência 15 armas semiautomáticas de assalto HK33. Estas armas contavam-se entre as 180 armas HK33 distribuídas legalmente à UPF. O Comandante António da Cruz havia desarmado membros da UPF oriundos da parte leste do país para que tais armas ficassem disponíveis. O Ministro do Interior fez diligências em separado para o fornecimento de cartuchos de munições da PNTL. Utilizou as armas para armar dois grupos distintos de civis. O primeiro grupo era constituído por 31 civis sob o comando de Rai Los. O segundo grupo ficou conhecido como Lima Lima (significando 55), sob o comando de António Lurdes, também conhecido por António 55. O Ministro do Interior disse à António da Cruz para entregar 10 daquelas armas, 6000 cartuchos de munições e 10 carregadores a Rai Los em Liquiçá. Cerca das 10.00 horas da noite desse dia, Rai Los encontrou-se com António da Cruz num cemitério para receber as armas. Durante a mesma noite, o Chefe de Gabinete do Ministro do Interior viajou para Ermera e entregou as restantes 5 armas HK33 bem como um caixote de cartuchos de munições a António 55. Foi dito ao grupo Lima Lima para aguardar por instruções ulteriores. Cerca das 09.00 horas da noite do dia 21 de Maio o Comandante António da Cruz e Rai Los encontraram-se num local desértico, desta vez perto de Maubara. Sob instruções do Ministro do Interior, Rai Los recebeu mais 8 armas HK33 e 16 carregadores.

91. O Ministro Lobato não deu ordens a Rai Los no sentido de apoiar a URP. Ao invés disso, o grupo de Rai Los foi enviado a vários locais, incluindo Tibar, no dia 23 de Maio. No dia 22 de Maio, o Ministro pagou 33.000 dólares americanos em dinheiro por duas viaturas e nessa mesma noite mandou escurecer os vidros das janelas dessas viaturas. As viaturas foram entregues a Rai Los juntamente com 31 uniformes da URP da PNTL no dia 23 de Maio. No dia 24 de Maio Rai Los e os seus homens, envergando esses uniformes da URP, participaram no ataque contra os soldados da FFDTL que efectuavam patrulha. Não existem provas de que o grupo Lima Lima tivesse alguma vez sido activado pelo Ministro do Interior.

92. O Comandante-Geral da PNTL tomou conhecimento da distribuição, por parte do Ministro do Interior, de armas HK33 da PNTL a civis no dia 19 de Maio. A conselho do Ministro dos Negócios Estrangeiros José Ramos-Horta, o Comandante-Geral da PNTL endereçou uma carta ao Primeiro-Ministro descrevendo a informação. O Comandante-Geral Paulo Martins afirma que tal carta foi entregue ao Secretário do Primeiro-Ministro no dia 19 de Maio. Não há provas com base nas quais a Comissão pudesse concluir que o Primeiro-Ministro alguma vez recebeu essa carta.

93. Cerca das 8 horas da noite do dia 21 de Maio realizou-se uma reunião na residência do Primeiro-Ministro. Estiveram presentes o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri, o Ministro dos Negócios Estrangeiros José Ramos-Horta, o Ministro da Defesa Rodrigues, o Ministro do Interior Lobato, o Chefe da Força de Defesa Brigadeiro-General Ruak, e o Comandante-Geral da PNTL Martins. Está claro que a questão geral da distribuição de armas foi levantada pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros Ramos-Horta. O grosso das provas perante a Comissão sugere que o Ministro do Interior Rogério Lobato afirmou que as armas da UPF haviam sido trazidas para Dili como uma medida de segurança e que depois de ele ter dito isso ninguém mais insistiu nesta questão. O Primeiro-Ministro Mari Alkatiri pediu uma inspecção aos depósitos de armas tanto da F-FDTL como da PNTL.

94. A Comissão estudou cuidadosamente as declarações que lhe foram feitas relativamente à distribuição de armas da PNTL à civis. Embora a Comissão não aceite que na reunião do dia 8 de Maio o ex-Primeiro-Ministro tivesse dado instruções a Rai Los para “eliminar” os seus opositores políticos, com base nas informações que possui, a Comissão está convencida de que existem bases razoáveis para suspeitar que o ex-Primeiro-Ministro tinha pelo menos conhecimento da distribuição de armas da PNTL a civis. A Comissão não aceita as explicações dadas quer pelo ex-Primeiro-Ministro quer pelo ex-Ministro do Interior segundo as quais o apoio por parte de civis à PNTL era legal nos termos da Lei de Segurança Interna.

Armas da F-FDTL

95. No dia 17 de Maio o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak escreveu ao Primeiro-Ministro solicitando uma auditoria ao depósito de armas da F-FDTL em resposta a alegações segundo as quais pessoas civis teriam sido vistas a andarem com armas da F-FDTL. As provas perante a Comissão estabelecem que a F-FDTL começou a armar civis no dia 24 de Maio de 2006. Isto foi feito sob ordens do Brigadeiro-General Matan Ruak e com o conhecimento do Ministro da Defesa. A F-FDTL guardou alguns registos das armas entregues aos 206 civis que foram armados nestas circunstâncias. Foram feitas listas contendo nomes e os correspondentes números de série das armas entregues, mas as pessoas não assinaram em como receberam as armas. Os tais civis incluem ex-combatentes das FALINTIL e 64 membros da PNTL. Com vista a facilitar o processo foram feitos contactos com dirigentes de antigas organizações clandestinas. Oan Kiak chegou ao quartel de Metinaro após ter recebido um telefonema do Brigadeiro-General Taur Matan Ruak no sentido de se apresentar para serviço. Foi-lhe entregue uma arma Minimi, 400 cartuchos de munições, e um uniforme. No dia 25 de Maio, Kiak usou a arma durante o tiroteio perto do Mercado Lima.

96. O Brigadeiro-General Taur Matan Ruak disse à Comissão que tinha conhecimento de que não existia nenhuma lei específica que autorizava armar “reservistas”. Afirmou que foi autorizado a proceder desta forma pelo Ministro da Defesa depois de ele próprio ter feito a proposta. Tratava-se de uma decisão política pela qual o Ministro era o responsável . O Brigadeiro-General disse que a decisão foi tomada como resultado de uma falta de capacidade no seio da F-FDTL na sequência do ataque ocorrido em Fatu Ahi no dia 23 de Maio, do ataque à sua própria residência no dia 24 de Maio, e do ataque a soldados da F-FDTL em Taci Tolu e em Tibar no dia 24 de Maio. O último incidente foi caracterizado pelo Brigadeiro-General como sendo um ataque contra o quartel-general da F-FDTL. Com base nas provas à sua frente, a Comissão não está convencida de que este incidente tenha consistido efectivamente num ataque contra o quartel-general da F-FDTL e não simplesmente num ataque contra soldados da F-FDTL, mas nota que o Brigadeiro-General não estava presente quando o incidente se produziu.

Movimentação Irregular de Armas no seio das Forças de Segurança

97. PNTL. A Comissão nota com preocupação a ausência de um controlo sistemático sobre as armas e munições da PNTL. O Comandante-Geral da PNTL retirou armas do Depósito Nacional da PNTL sem o conhecimento do responsável pelo depósito de armas. No dia 23 de Março 60 armas Steyr e 50 caixas de munições foram enviadas para o complexo da URP em Aileu. No dia 15 de Abril 10 armas Steyr e munições foram enviadas para a esquadra de polícia de Liquiçá. Na sequência do incidente de 25 de Maio em Gleno o Comandante-Geral da PNTL ordenou que se armazenassem 10 armas Steyr e munições na esquadra de polícia de Gleno. A Comissão também nota com preocupação o armamento selectivo de membros da PNTL oriundos da parte ocidental do país sob o comando do Comandante-Adjunto da PNTL no distrito de Dili, Abílio Mesquita, que no dia 11 de Maio deu treinamento sobre manuseamento de armas a 10 membros da PNTL oriundos da parte ocidental e pertencentes ao Grupo de Trabalho (Task Force) do distrito de Dili. Depois disso esses membros da PNTL permaneceram sob o seu comando e foram munidos com armas Steyr. Um outro grupo de 20 membros da PNTL provenientes da parte ocidental do país foram munidos com armas Steyr pelo Comandante-Adjunto Abílio Mesquita no dia 17 de Maio, tendo em seguida ficado sob o seu comando. Este treinamento e armamento de membros da PNTL oriundos da parte ocidental do país teve lugar com autorização do Comandante-Geral da PNTL Paulo Martins.

98. Uma recente auditoria às armas realizada por uma equipa internacional constatou que 219 armas da PNTL continuavam fora da custódia e do controlo da PNTL. Essas armas compreendem 190 pistolas Glock de 9mm, 13 armas semi-automáticas de assalto Steyr, 10 armas semi-automáticas de assalto HK33, duas armas semi-automáticas de assalto FN-FNC, e 4 espingardas de calibre 12 (12gauge shotguns). Embora os registos da PNTL identifiquem a última pessoa conhecida que assinou pela maioria dessas armas, o hábito de entregar armas sem qualquer ordem escrita, ou documentação sobre a cadeia de custódia, torna impossível determinar o actual paradeiro dessas armas.

99. F-FDTL. A Comissão nota com preocupação as irregularidades no controlo das armas da FFDTL que se estendem por vários anos. O número de base de 1200 armas M16 confiadas pelo Governo à F-FDTL está estabelecido em registos que datam de 2002. A auditoria às armas recentemente realizada pela equipa internacional estabeleceu que em Fevereiro de 2004 a F-FDTL possuía 1230 armas M16. As 30 armas adicionais não foram fornecidas pelo Governo. Em Novembro de 2005 a F-FDTL só podia responder por 1073 armas M16. Embora a F-FDTL tenha dito que em 2006 possuíssem 1200 armas M16, os registos revelam que 45 armas M16 estavam em falta. Além disso, 3 armas semi-automáticas FN-FNC, 3 armas semi-automáticas SKS, e 2 armas Uzi, que anteriormente estavam sob a custódia e o controlo da F-FDTL, estão em falta. A F-FDTL está também em posse de 1 Minini, 1 .38 Special, 1 Browning de 9mm, 2 armas semi-automáticas G3, uma arma M16A1, e 1 arma de fogo M2 de calibre .50, cuja proveniência não é explicada. Igualmente não explicado é o histórico das 342 “antigas armas das FALINTIL” em posse da F-FDTL.

O Impacto dos Acontecimentos

100. Significativas perdas de vidas humanas, ferimentos e destruição generalizada de propriedades resultaram dos acontecimentos de Abril e Maio de 2006 conforme examinado como parte do mandato da Comissão. Na altura da conclusão do seu inquérito, a Comissão obteve informação de que um número de até 38 pessoas foram mortas, sendo 23 civis, 12 membros da PNTL, e 3 soldados da FFDTL. A Comissão reitera que não existem provas da ocorrência de um massacre de 60 pessoas em Taci Tolu no dia 28/29 de Abril de 2006. A Comissão tem igualmente informação de que 69 pessoas sofreram ferimentos, sendo 37 civis, 23 membros da PNTL, 7 soldados da F-FDTL e 2 membros da UNPOL. A Comissão nota que tais números são difíceis de se confirmar e admite que possam existir discrepâncias nos números exactos.

101. Além disso, os acontecimentos e incidentes considerados no presente relatório tiveram um impacto devastador sobre a comunidade em geral. Para além das pessoas que foram mortas ou que ficaram feridas, aproximadamente 150.000 pessoas foram deslocadas (cerca de 73.000 pessoas em campos de deslocados no interior e à volta de Dili, e outras 78.000 pessoas que se movimentaram para distritos fora de Dili). Embora as deslocações dessas pessoas tivessem aumentado progressivamente depois do dia 28 de Abril, o maior aumento em termos de deslocamento ocorreu depois dos acontecimentos de 25 de Maio. A população dos campos de deslocados internos aumentou em 300% em 24 horas. Um número estimado de 1650 casas foram destruídas no rescaldo dos acontecimentos aqui narrados, tendo a maioria dos casos ocorrido em finais de Maio e princípios de Junho. O impacto não se verificou unicamente a nível das casas, mas impediu que homens, mulheres e crianças usufruíssem ou gozassem de uma série dos seus direitos económicos e sociais, incluindo o direito à alimentação, à educação, ao emprego, e ao mais alto padrão de serviços de saúde possível. De acordo com inquéritos realizados pelo UNICEF, 15% das crianças nos campos de deslocados necessitavam de tratamento imediato para a malnutrição. 57% das pessoas inquiridas num inquérito realizado pelo Programa Alimentar Mundial deram a conhecer que haviam cessado a sua principal actividade de geração de rendimento ou de garantia de sobrevivência. Situações de insuficiência de alimentos ocorreram tanto nos campos de deslocados internos como em resultado da pressão exercida sobre os membros da família alargada que vivem fora de Dili e que albergaram familiares em situação de deslocados. No caso do Hospital Nacional de Dili, o seu acesso foi impedido pela existência de uma percepção segundo a qual o mesmo Hospital constituía um local inseguro para as pessoas oriundas da parte ocidental do país. A liberdade de circulação foi igualmente restringida. Embora tenha havido uma resposta humanitária bem coordenada, que envolveu trabalho de colaboração entre o Governo e a comunidade de ONGs, tendo muitas pessoas regressado aos seus empregos, os efeitos dos incidentes permanecem evidentes na contínua existência de pessoas deslocadas e nos problemas conexos.

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7 comentários:

Anónimo disse...

Pelos vistos, a CII descobriu o que todos ja sabiam. Para isso nao era preciso terem vindo de tao longe. Iamos ao "matandoc" e ele acabaria por descobrir o que ja estava descoberto. Se calhar, parolos como somos, nao mereciamos melhor que isso. Agora percebe-se porque todos esses adiamentos. Tanto cuidado com o texto para nao ferir susceptibilidades, afinal ainda ficaram muitos rabos de fora. Pobre Timor-Leste! Pobres timorenses. E comer e calar. Nao pias senao ainda vais levar nas lonas.

Anónimo disse...

Ja sabiam pois claro, aqueles que nao sabem so aqueles que os seus olhos tapados com dinheiro e armas. Agora a culpa é de adiamento pois mais...., Pobre mas tem a sua dignidade, se sem esses pobres talves queria mas era govenar ate 50 anos. Mais vale comer e calar pela sua pobreza do que calar com as armas.

Anónimo disse...

Também me parece que o adiamento teve muito mais a ver com o cozinhanço do relatório do que outra explicação qualquer.

Não acredito que existam mentiras no relatório. Creio que é factual e que as conclusões resultam dos factos apurados. No entanto, parece-me que foram deixados de fora muitos intervenientes.

Por outro lado, muitos dos intervenientes que "faltam" neste relkatório, só começaram a ter papel activo e visível, num período posterior ao período objecto de investigação. Assim sendo foi mais fácil contornar a necessidade de os mencionar.

Não posso deixar de salientar a crítica que é feita a Xanana pelo efeito das suas declarações no extremar de posições.
Que ele não tinha ordenado o cometimento de crimes, parece-me simples de aceitar. Que as manobras de bastidores que executou, levaram a situações de grande instabilidade, nem o relatório as refuta.

Preocupa-me a insistência na abertura dos critérios de selecção de juízes. Claramente, intenta-se que os critérios se alterem para que não haja preponderância de juízes e procuradores da lusofonia.
Cabe ao Governo e ao Parlamento, perceber a jogada.

Anónimo disse...

Espera-se que a Margarida e acólitos tenham ficado a perceber o percurso das armas.

Lembram-se de um episódio relatado neste mesmo blog sobre o assassinato dos PNTL?
Houve um fantasista que até aventou a hipótese de alguém numa motocicleta ter efectuado os disparos percursores. Do que se lembram....

Afinal foi tudo tão mais prosaico, mais simples e real.

Reconheçam as culpas no despoletar da crise para podermos seguir em frente e tentar manter a soberania nacional e a independência tão arduamente conquistada.

Anónimo disse...

PARA FRENTE A TODO O VAPOR

A MONTANHA PARIU UM RATO
JA FOI PUBLICADO O RELATORIO
E HORA DE FAZER PENITENCIA
PARA QUEM TEM CULPAS NO CARTORIO

NOVIDADES NAO VISLUMBREI
SEMPRE FUI DE OPINIAO
QUE EM CASA ONDE NAO HA PAO
TODOS RALHAM, NINGUEM TEM RAZAO

DUAS DUZIAS DE AVE MARIAS
TRES ACTOS DE CONTRICAO
CHICOTADAS NO LARGO DA LIBERDADE
A TODOS CULPADOS SEM EXCEPCAO

AGORA NAO ME VENHAM COM CANTIGAS
QUE A ONU ESCONDEU A VERDADE
A MONTANHA PARIU UM RATO
VIVA A DEMOCRACIA E LIBERDADE

JA A LENGA LENGA VAI ADIANTADA
VAMOS VOLTAR A NORMALIDADE
AINDA PERCO A ESPERANCA
A MOTIVACAO E A SINILIDADE

ERGA-SE A CABECA RESPIRE-SE FUNDO
MAOS AO VOLANTE A CAMINHO DA META
ISTO FOI SO UM PRECALCOZINHO
VIVA TIMOR E O RESTO SAO TRETAS

UM ABRACO

MAU DICK

Anónimo disse...

Este relatorio só faltou declarar que o Alkatiri era Santo...

Coitado de nos timorenses!!!!

Anónimo disse...

A divisão das forças armadas em "políticos" e "não políticos", se não resolvida deverá, lamentavelmente, sacudir TL com crises militares. No meu país já tivemos casos semelhantes. A primeira crise deu-se na proclamação da República (1889), a segunda em 1930, e a mais grave em 1964, que resultou em 25 anos de uma ditadura militar vendida para capitalistas daqui e de fora. O grande derrotado: o povo brasileiro
Vão precisar mais do que uma declaração de "Boa Sorte".
Alf
Br.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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