quinta-feira, março 15, 2007

Timor-Leste: É mais difícil ser Presidente do que guerrilheiro (ACTUALIZADA)

Versão disponível também áudio em www.lusa.pt

Díli, 14 Mar (Lusa) - O presidente timorense, Xanana Gusmão, admitiu hoje em entrevista à Lusa e RTP que termina o seu mandato "triste" e que foi mais difícil exercer as funções de chefe de estado do que comandante da guerrilha.

"Presidente da República será, talvez, a função mais fácil daqui a 15, 20 anos, mas neste período inicial da construção do Estado, para mim... foi um bocado difícil. É mais difícil", admitiu Xanana Gusmão.

Na sua primeira entrevista de fundo à imprensa portuguesa desde a crise de Abril e Maio de 2006, o Presidente da República disse que "não estaria a falar verdade" se dissesse que não está "triste" com a situação do país e com o seu próprio desempenho na chefia do Estado.

As eleições presidenciais em Timor-Leste estão marcadas para 09 de Abril e o novo chefe de Estado tomará posse a 20 de Maio.

"Eu mentiria se dissesse que estou satisfeito no final do mandato", declarou Xanana Gusmão.

"Desde o início, tentava acorrer a todas as situações que produzissem um bocado de nódoa ou erosão na vida social, desde os eventos de 04 de Dezembro de 2002: eu fui lá, recebi o gás lacrimogéneo".

"Fui a todos os outros acontecimentos que tiveram ou podiam ter impacto na divisão dos timorenses", recordou Xanana Gusmão: "Ofereci a pele".

"Mesmo não se resolvendo os problemas, podíamos estar sossegados porque podíamos pensar que os timorenses não se desmembraram", explicou.

Xanana Gusmão exemplificou com "o último dos 19 dias da manifestação da igreja" em 2005: "Tivemos dores de cabeça mas no fim conseguiu-se" resolver a situação.

"Todo o esforço foi estar naquelas ocasiões para continuar a lembrar aos timorenses que estamos num processo democrático, que temos que consolidar, e que as diferenças não deviam dividir-nos tanto".

"No ano passado, não consegui que isso acontecesse", admitiu o Presidente da República:
"Não consegui influenciar num contínuo de estabilidade política e social".

Xanana Gusmão confessou também que, ao longo das várias crises políticas, usou tanto os seus poderes de Presidente como o seu carisma de antigo líder da Resistência.

"Não me despi da consciência de que podia usar pessoalmente de uma influência", afirmou Xanana Gusmão.

"Mas desta vez, em 2006, fracassei tanto num aspecto como noutro", reconheceu.

Xanana Gusmão acha "claro" que a crise política e militar de 2006 "foi o momento mais difícil" do seu mandato.

"Isto continua a ser uma pressão psicológica e política em termos não só pessoais mas de perda de desempenho como Presidente da República", referiu.

"Não esperava que as diferenças nos dividissem tanto", acrescentou Xanana Gusmão, que considera que "a crise ainda não acabou" e que "haverá outras crises no futuro, embora nunca tão graves como esta".

"É preciso que o povo rejeite de uma vez por todas a violência", adiantou o Presidente da
República, constantando que "as pessoas já não ouvem" nem mesmo um líder histórico, porque "já não têm receio da lei e da ordem".

"Alguns jovens decidiram que se podia brincar à violência", afirmou Xanana Gusmão.

"Se não há lei e ordem aqui em cima", nas lideranças, "não se consegue impor a lei e a ordem lá em baixo", nas gerações mais jovens, alertou.

"A lei e ordem tem que ser produto dos governantes, um exemplo que vem dos governantes", insistiu o Presidente da República.

"Parte da nossa sociedade perdeu a moral, repentinamente", disse ainda o chefe de Estado: "É uma anarquia de mentalidade. Não é uma questão de gerações".

"Quero vislumbrar um fim para a crise", afirmou Xanana Gusmão, "e estas eleições serão o fim, mas não um fim imediato".

Identificando os factores "económicos, políticos e sociais" da crise, Xanana Gusmão enumerou "o regionalismo, o descontentamento, o descontrolo moral, a criminalidade juvenil e o ressentimento".

"O factor político é o essencial", considerou o Presidente da República, "O Estado não esteve à altura dos problemas que foram surgindo".

Sobre o major Alfredo Reinado, Xanana Gusmão reiterou a posição de que "ele pisou o risco" e que "o Estado não muda de posição" em insistir que o militar fugitivo se entregue à justiça.

"Há segmentos dentro da sociedade que deixaram de acreditar na capacidade do Estado", explicou Xanana Gusmão.

"Esses segmentos estão confusos e usam a noção de direito democrático mais para sacudir a interpretação real da situação", disse.

Xanana Gusmão considerou, no entanto, que "a crise teve lados menos negativos que revelaram as lacunas" que não estavam visíveis.

"Foi uma experiência gratificante", acrescentou Xanana Gusmão, "em que todos adquiriram sentido de Estado.

O Presidente da República não quis, por enquanto, falar do seu futuro político.

Sobre o que fará no seu primeiro dia fora do Palácio das Cinzas, Xanana Gusmão foi conciso: "Até que enfim".

PRM-Lusa/Fim

4 comentários:

Anónimo disse...

Mais uma vez a tentar fazer-se de pobre coitado. Deveria era por a mao na consciencia e reconhecer os seus erros.

Anónimo disse...

Mais uma vez a tentar fazer-se de pobre coitado. Deveria era por a mao na consciencia e reconhecer os seus erros.

Anónimo disse...

Imagina Xanana como PM!

Anónimo disse...

Xanana finalmente reconhece a justiça de tantas críticas que lhe foram feitas e motivaram até insultos (de terceiros) a quem ousasse criticá-lo.

Ele reconheceu finalmente que errou ao tentar resolver o caso Reinado (e outros) com paninhos quentes, reconciliações ou diálogos. Viu-se o resultado: Reinado "agradeceu" a benevolência do Presidente com arrogância insolente.

Se o Estado está fraco ao ponto de o povo ter deixado de o respeitar, qual é a responsabilidade de Xanana para que as coisas tenham chegado a este ponto? É isto que falta admitir no seu acto de contrição e não apenas deixar no ar a sensação de que o vento não esteve de feição ou que foi qualquer outro fenómeno natural e imprevisível que provocou o fracasso da sua estratégia.

Espero que finalmente os defensores de soluções "administrativas" para problemas militares percebam que para cada doença há um remédio específico e que este tem que ser tomado logo no período de incubação, sob pena de se sofrer uma infecção incontrolável. A inacção, a indolência e a fé excessiva na cura espontânea e nos falsos curandeiros só agravam a situação, como veio a acontecer.

Um dos maiores erros de Xanana - que transparece da sua entrevista - foi agir na primeira pessoa, sem se dar conta que o Presidente é um dos VÁRIOS órgãos do Estado e representa a CONSTITUIÇÃO e TODO o povo. Infelizmente, Xanana sobrestimou as suas qualidades pessoais, que foram úteis em outro contexto histórico timorense, mas completamente ineficazes para resolver esta crise. Paradigma deste excesso de confiança foi o erro crasso de obrigar Alkatiri a demitir-se por algo que não fez e o consequente e precipitado grito, mais tarde engolido em seco: "Ganhámos esta guerra!"

A sua frustação é evidente, quando confrontado com a humana realidade de que ninguém tem uma varinha de condão nem poderes mágicos para resolver os problemas sozinho.

Xanana é um homem ambicioso e nunca se conformou com os poderes limitados que a Constituição lhe confere. Resta saber se a sua ânsia de mandar será temperada pelas lições que eventualmente aprenderá com os seus erros mais recentes. Aguardemos para ver se o futuro político Xanana vai ser um novo homem, mais humilde e equilibrado ou se vai persistir teimosamente em apostar no cavalo errado.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
This is my blogchalk: Timor, Timor-Leste, East Timor, Dili, Portuguese, English, Malai Azul, politica, situação, Xanana, Ramos-Horta, Alkatiri, Conflito, Crise, ISF, GNR, UNPOL, UNMIT, ONU, UN.