domingo, outubro 15, 2006

Emanuel ainda não sabe que entrou para lista dos pobres de Timor-Leste

Eduardo Lobão, da Agência Lusa Díli, 15 Out (Lusa) - A chegada de Emanuel foi uma alegria para Carlit os e Diana, mas além de ser o primeiro filho do casal passou também a ser o 15º elemento de uma família que sobrevive mensalmente em Timor-Leste com cerca de 120 euros.

Prematuro com mais de dois quilos, Emanuel é desde quinta-feira mais um nas estatísticas que situam Timor-Leste como o país mais pobre da Ásia, em que o rendimento anual 'per capita' tem vindo a decrescer - passando de 410 dólares em 2001 para 370 dólares em 2004 -, o que leva o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) a considerar o país como estando cada vez mais empobrecido, de acordo com um relatório divulgado em Março passado, intitulado "O Caminho para sair da pobreza".

As dificuldades de Carlitos, 27 anos, e Diana, 25 anos, são à escala familiar o retrato do país, a braços desde Abril com uma crise político-militar e que precisa de voltar a ganhar a confiança dos investidores externos.

Com os pais desempregados, apesar de se terem formado em Economia e Gestão na Universidade Nacional de Timor LoroSae, o Emanuel é um dos rostos da pobreza crónica timorense, conceito que, segundo o PNUD, traduz o facto de metade da população de Timor-Leste, cerca de um milhão de pessoas, não ter acesso a água potável, 60 em cada mil recém-nascidos morrerem antes de completarem um ano e a esperança de vida, de 55,5 anos em 2004, continuar sem dar sinais de melhoria.

Nascido no distrito de Baucau, Leste do país, Carlitos veio em 2000 par a Díli para frequentar a Faculdade de Economia e Gestão. Aí conheceu Diana, nascida em Díli, e do namoro ao casamento foi um passo curto.

Em Fevereiro passado compraram uma casa por 600 dólares, amealhados e alimentados com a venda de búfalos - uma riqueza em Timor-Leste e imprescindível nos dotes pagos pela família do noivo à da noiva.

A crise de Abril teve, mais uma vez à escala familiar, efeitos devastadores: a casa foi queimada, ao mesmo tempo que Díli era pasto fácil para actos de violência, com propriedades privadas e bens públicos destruídos, dezenas de milhar de deslocados internos e cerca de 100 mortos registados, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros timorense, José Luís Guterres, no discurso que leu a 2 7 de Setembro perante a Assembleia Geral da ONU.

Forçados a viver em casa dos pais de Diana, em Díli, Carlitos e Diana, e agora o Emanuel, juntam-se aos 12 elementos que constituem o agregado familiar, em que o único dinheiro que entra em casa é o salário do patriarca da família, José Alves, que embora vença 300 dólares mensalmente, tem de reservar cerca de 60 por cento daquele valor para pagar um crédito bancário.

As ajudas que pontualmente recebem, que passam pelo pagamento da inscrição dos filhos na escola até à assistência alimentar das Irmãs Carmelitas, ajudam a minorar as dificuldades, mas não contribuem para criar riqueza e o endividamento mantém-se.

Terminado com aproveitamento o curso de Economia e Gestão, Carlitos e Diana juntaram-se aos cerca de 16 mil jovens adultos timorense que anualmente disputam o mercado de trabalho.

Diana já passou por duas empresas. A última fechou a portas em Março e desde então deixou de receber os 85 dólares mensais que vencia.

Carlitos teve pior sorte. Não arranjou emprego e inscreveu-se no Centro Nacional de Emprego e Formação Profissional (CNEFP), em Tibar, a cerca de dez quilómetros de Díli.

O CNEFP é um projecto apoiado desde o início, em 2003, por Portugal e que depende do Ministério do Trabalho e Reinserção Comunitária.

Escolhido o curso de canalizador, Carlitos foi o melhor, mas o diploma obtido e a arte aprendida não o ajudaram a encontrar trabalho regular, pelo que continua a depender de biscates, cada vez mais irregulares.

O retrato desta família reproduz Timor-Leste à escala.

Sociedade complexa, em que as relações sociais se estabelecem com base em solidariedades de base regional e de proximidade, Carlitos já passou pela intolerância dos moradores de outros bairros onde é chamado para fazer uso do que aprendeu em Tibar, por não lhe ser permitido exercer o ofício fora do espaço em que vive, neste caso em Audian.

Estas situações são recorrentes e aplicam-se a todo o tipo de actividades.

País fortemente dependente das importações, que totalizam 203 milhões d e dólares (162 milhões de euros), e com a exportações a representarem apenas sete milhões de dólares (5,6 milhões de euros) - sobretudo café -, Timor-Leste espera que as receitas geradas pelo petróleo e gás natural do Mar de Timor possam contribuir decisivamente para cumprir as metas fixadas pelas Nações Unidas nos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio: a redução da pobreza em um terço até 2015 .

No seu relatório, o PNUD salientou que cerca de quatro anos depois de ver reconhecida a independência pela comunidade internacional, Timor-Leste conta com a progressiva redução da ajuda externa, o que leva aquela agência das Nações Unidas a observar que, se os timorenses vivem hoje, reconhecidamente, num país "politicamente livre, continuam escravizados pela pobreza".

Emanuel ainda não sabe que acabou de entrar para a estatística dos que são considerados pobres em Timor-Leste.

Quando o começar a entender, esse será também o tempo de começar a fintar o destino e desmentir o futuro que hoje lhe está reservado.

Lusa/Fim

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4 comentários:

Hugo disse...

Arrepiante este texto.

Anónimo disse...

de facto, arrepiante....
mas é pena que o eduardo lobao saiba apenas dar a tónica negativa.
sem querer, nem poder obviamente, desmentir o facto de que timor é ainda o mais pobre pais da ásia, e que 40% da populaçao vive na pobreza e em permanente insegurança alimentar, o que tb é certo é que timor subiu 18 pontos no seu IDH (indice de desenvolvimento humano) desde 2001. isto quer dizer que, apesar do rendimento baixar, subiu a esperança média de vida, subiu a escolaridade, aumentou o acesso a serviços basicos.
é de notar igualmente, que em 2001, o rendimento era alimentado e apenas sustentado por uma gigantesca maquina da missao da ONU, e que, assim que esta saiu em massa, se verificou que pouco contribuiu para o desenvolvimento e sustentabilidade dos timorenses. daí p pib per capita ter descido.
sem duvida que a situação é desesperante para qualquer jovem timorense (eu que o diga, que tenho familia por la a tentar sobreviver) mas sem duvida, que pouco ajudará citar números parcialmente.

para mais informaçoes, aconselho vivamente visitar:
http://pascal.iseg.utl.pt/~cesa/infotimor.html

Anónimo disse...

Obrigadopela referência ao meu site sobre Timor Leste, o "InfoTimor". Ele está também registado em Timor Leste com o endereço, bem mais fácil de fixar, www.infotimor.tl

Anónimo disse...

Ora aí está, no texto de Lobão sobre o que Emanuel não sabe, um belo exemplo de como a lógica jornalística é apenas uma representação da realidade e não a própria realidade. Isto é: o texto é factualmente verdade, mas a sua objectividade é quase nula, como muito bem demonstram, por exemplo (outros poderiam ser aduzidos) os argumentos do leitor Cobramalai.
E não adianta, meu caro Lobão, responder que as coisas poderiam estar melhores. As coisas podiam sempre estar melhores. Às vezes, porém, seriam outras coisas, e não as que desejam os seus protagonistas.
Ainda assim, teríamos aqui o fio de uma bela discussão. Se fossemos capazes disso. Se, verdadeiramente, amássemos Timor e os timores.
José António Cabrita

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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