sábado, junho 23, 2007

«Peticionários esqueceram-se que eram militares»

Notícias Lusófonas
23 Junho 2007

Os peticionários das forças armadas timorenses que protagonizaram a crise política e militar de 2006 "esqueceram-se que eram militares e que como militares não podem embarcar em manifestações públicas", concluiu o Relatório da Comissão de Notáveis.


Os quase 600 peticionários das Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) "esqueceram-se que como militares devem obedecer a uma cadeia de comando e não podem ter medo de a seguir, não podem ter medo de colocar os seus problemas directa e frontalmente", refere o relatório.

"Esqueceram-se que os militares não podem, nem devem fazer reuniões clandestinas", notou ainda a Comissão sobre o grupo que, alegando ser alvo de discriminação no seio das F-FDTL, apresentou uma petição ao Presidente da República e ao chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas a 9 de Janeiro de 2006.

A 17 de Fevereiro, os peticionários abandonaram os quartéis e a 16 de Março foi anunciada a exoneração de 594 militares, com data efectiva a 1 de Março.

A 28 de Abril, no quinto e último dia da manifestação dos peticionários em frente ao Palácio de Governo, eclodiu a violência que provocou as primeiras vítimas da crise política e militar.

"Julgando fazer bem, os chamados peticionários estavam afinal a ser aproveitados por outros, com influências políticas que depois distorceram o rumo inicial que os peticionários pretendiam levar", considerou o relatório dos Notáveis.

"Aquilo que era uma revindicação séria de melhoria de condições de vida dos militares", considerou a Comissão, "descambou numa crise política violenta, com mortos, feridos e a certa altura mais de cento e cinquenta mil deslocados no interior do país".

O relatório, com data de 31 de Janeiro, tem, em epígrafe, uma citação do ex-Presidente Xanana Gusmão: "Quem acredita em mim volta aos quartéis. Quem não acredita, não volta. Mas os que não voltarem sujeitam-se à lei", afirmou o chefe de Estado a 8 de Fevereiro de 2006.

A Comissão foi criada a 03 de Maio de 2006 por despacho do primeiro-ministro Mari Alkatiri, que viria a ser demitido no mês seguinte como consequência da crise.

"A Comissão foi capaz de chegar a algumas conclusões genéricas, não tendo sido possível, no entanto, investigar cada uma das alegações apresentadas, pelo tempo já transcorrido, por inexistirem testemunhas que pessoalmente se apresentassem a confirmar as alegações, não podendo assim ser dadas como provadas", lê-se no documento.

"Ficou a dúvida em alguns casos invocados por haver informações contraditórias", acrescenta o relatório.

Para os Notáveis que conduziram os inquéritos em Díli e nos distritos, "não se deram como provadas muitas das alegações, o que não significa necessariamente que as situações não pudessem ter ocorrido".

"Simplesmente, em alguns pontos, não foi possível à Comissão tirar conclusões com base na prova que não foram capazes de produzir de forma objectiva e inequívoca".

"A Comissão de Notáveis está no entanto convicta que só foi possível que tantos jovens se agrupassem como peticionários porque se julgaram e se sentiram profundamente injustiçados".

"Fizeram-no por solidariedade para com colegas, que nem sabiam ao certo de quem se tratavam, fizeram-no porque pensavam estarem a salvaguardar a imagem de alguns veteranos, naquilo que eles representam como ideal", lê-se nas conclusões do documento de quase 70 páginas.

"Este sentimento de serem vítimas de discriminação, de serem perseguidos, como se fosse uma fatalidade da sua condição de jovens timorenses, de se sentirem alvos possíveis de eliminação física, não tem porém um substrato real, eventualmente resultam do extrapolar de situações isoladas", concluiu a Comissão de Notáveis.

Os Notáveis analisam, entre outras variantes que influenciaram o comportamento dos peticionários, a relação entre "veteranos e novatos".

"Os veteranos, com o peso moral adquirido ao longo da resistência, tendem a actuar abertamente, enquanto que o novato, pela experiência de vida na resistência clandestina, actua com subterfúgios procurando apoio dos comandantes ou de outras pessoas, reunindo às escondidas, fora da instituição, ainda que para discutir e lamentar os problemas da instituição", escrevem os autores do documento.

"Os novatos têm tendência a pensar que os problemas se resolvem através de manifestações como acontecia no tempo da ocupação militar indonésia em que as FALINTIL, o Conselho Nacional da Resistência Maubere e depois o Conselho Nacional da Resistência Timorense os mobilizava para fazerem manifestações nas ruas", analisa o relatório, nas páginas dedicadas ao contexto cultural do problema.

"A petição foi redigida por indivíduos com um grau de capacidade intelectual diferente do nível intelectual encontrado nos peticionários", concluiu também o grupo que investigou o caso.

Questionados sobre quem seriam os autores da petição, notou a Comissão, "os próprios subscritores não conseguiram formular uma resposta credível" e também os oficiais das F-FDTL tinham dúvidas que fossem os próprios peticionários.


"Muitos peticionários mostraram solidariedade mas mostraram desconhecer os problemas expostos nos documentos", sublinha ainda o relatório.

A Comissão de Notáveis constatou um "descontentamento e mal-estar difuso, criando a percepção que estavam a ser alvo de tratamento discriminatório" entre os peticionários.

Chama também a atenção para a gravidade das dívidas de muitos soldados das F-FDTL ao BNU e a diferença de gastos em deslocações dos militares oriundos dos distritos ocidentais do país, mais longe dos quartéis.

2 comentários:

Anónimo disse...

Pelo contrário. O relatório é muito esclarecedor e faz cair por terra várias teses que têm sido repetidas até à exaustão por certos jornalistas, políticos e frequentadores de blogs. Talvez por isso tenha estado retido desde 31 de Janeiro e só tenha sido divulgado depois das eleições, não fosse alguém mudar o seu voto...

"O relatório, com data de 31 de Janeiro, tem, em epígrafe, uma citação do ex-Presidente Xanana Gusmão: "Quem acredita em mim volta aos quartéis. Quem não acredita, não volta. Mas os que não voltarem sujeitam-se à lei"

Pelo número de peticionários que voltaram para os quartéis se vê a (falta de) credibilidade de Xanana, por um lado, e a sua hipocrisia por outro, pois na altura em que proferiu esta frase (8 de Fevereiro de 2006) ainda dizia que quem não obedecesse devia sujeitar-se à Lei.

""Este sentimento de serem vítimas de discriminação, de serem perseguidos, como se fosse uma fatalidade da sua condição de jovens timorenses, de se sentirem alvos possíveis de eliminação física, não tem porém um substrato real"

Este parágrafo é muito importante, pois durante meses fomos bombardeados pela imprensa que falava de "discriminação" de "lorosa'e" contra "loromonu", etc., etc. Alguns até foram ao ponto de afirmar que essa "divisão" já vinha do tempo português. Assim se vê a objectividade e credibilidade de certa imprensa.

"A petição foi redigida por indivíduos com um grau de capacidade intelectual diferente do nível intelectual encontrado nos peticionários [...] os próprios subscritores não conseguiram formular uma resposta credível [sobre quem seriam os autores da petição]. Muitos peticionários mostraram solidariedade mas mostraram desconhecer os problemas expostos nos documentos"

Portanto, os "peticionários" não redigiram petição nenhuma nem faziam a mínima ideia do que estava lá escrito, tendo recebido "ajuda" muito secreta de fora (quem será?). Tão secreta, que nem os próprios peticionários sabem quem foi. Aposto que há um ou dois que sabem, mas não querem (ou não podem) dizer...

Anónimo disse...

Xanana ja fez a sua parte mas o assunto foi mais visto pelos Maputos como sendo uma valiosa comodidade para fins politicos que falharam.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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