domingo, julho 16, 2006

Entrevista Expresso - Mari Alkatiri

Transcrição (pela Margarida) do Expresso, por não estar on-line:

Ex-primeiro-ministro de Timor-Leste, Mari Alkatiri diz que, apesar do novo Governo, não é possível falar-se de um novo cicço no país

“NA RAIZ DO CONFLITO ESTÁ O PETRÓLEO”

Luísa Meireles, Expresso, 15/07/06

Às perguntas sobre a crise recente, o ex-primeiro-ministro timorense Mari Alkatiri diz que ainda “não chegou o tempo para escrever as memórias”. È cauteloso com a Austrália e acha que o novo Governo tem pouco tempo para mudar políticas.

Luísa Meireles: Vai prestar declarações na próxima semana pelo seu alegado envolvimento na entrega de armas à população e a alguns grupos organizados, entre eles o de Vicente da Conceição o Railós?

Mari Alkatiri: Fui eu próprio que solicitei essa audiência o mais cedo possível para esclarecer todo o assunto. A minha resposta será baseada na lei e na verdade. Não tenho interesse em comentar alegações, que são tudo menos a verdade.

Luísa Meireles: Mas o seu ex-ministro do Interior, Rogério Lobato, confessou que se encontrou com o grupo do Railós e que distribuiu armas…

Mari Alkatiri: Eu também recebi o Railós no dia 8 de Maio, mas noutro contexto completamente diferente. Não tinha nada a ver com armas, mas com a organização do Congresso do Partido e com a actividade deles, antigos combatentes, apoiarem o Governo no sentido de diluir a contradição que já estava a esboçar-se entre os chamados Lorosae e Loromonu.

Luísa Meireles: E como justifica a iniciativa do ex-ministro?

Mari Alkatiri: Ele fez os seus depoimentos junto do tribunal, não os comento.

Luísa Meireles: Mas o que justificava a distribuição de armas na Fretilin e a constituição de grupos armados?

Mari Alkatiri: Desafio quem quer que seja que prove que havia armas na Fretilin por todo o lado. Não havia, nem há. A Fretilin nunca distribuiu armas nem nunca distribuirá.

Luísa Meireles: Poderia ter agido de outra maneira em relação aos “peticionários”?

Mari Alkatiri: Se não tivesse havido outras instituições, órgãos de soberania a envolver-se em primeiro plano nesta questão, se desde o início ela tivesse sido entregue ao Governo para ser resolvida, tenho a certeza que sim.

Luísa Meireles: Está a referir-se a Xanana?

Mari Alkatiri: A história dirá.

Luísa Meireles: Durante a crise, sempre disse que estava em curso um golpe constitucional contra o seu Governo. O golpe consumou-se?

Mari Alkatiri: Está em marcha, porque ainda há a exigência de dissolução do Parlamento e de realizar eleições antecipadas, exigências essas que vêm dos mesmos autores das manifestações.

Luísa Meireles: Como fundamenta a existência deste golpe?

Mari Alkatiri: Ainda não é tempo de escrever as minhas memórias.

Luísa Meireles: Alguma vez se sentiu em risco de vida?

Mari Alkatiri: Sim, mesmo agora sinto que a minha vida está a ser defendida por protecção australiana. Naturalmente que o risco vai diminuindo.

Luísa Meireles: Ao demitir-se, sentiu que perdeu uma “guerra”?

Mari Alkatiri: Perder uma batalha não significa perder a guerra. Mas eu não considero isto uma guerra. O mais importante é conseguir o que se conseguiu, voltar ao clima de esperança, paz e estabilidade.

Luísa Meireles: A tomada de posse do novo primeiro-ministro abre um novo ciclo político em Timor?

Mari Alkatiri: Ainda não é possível falar de um novo ciclo com um Governo que só vai durar nove meses. Espero que seja uma gravidez bem sucedida e que o parto não seja tão doloroso.

Luísa Meireles: Os objectivos estratégicos da política timorense vão mudar?

Mari Alkatiri: O Governo vai implementar e executar o plano anual de acção e o orçamento que já tinham sido aprovados pelo meu Governo.

Luísa Meireles: No seu discurso de tomada de posse, Ramos-Horta apela a que a Igreja reassuma o seu papel na educação. É um sinal de mudança em relação à sua política.

Mari Alkatiri: Se tivesse havido alguma vez alguma tendência para retirar à Igreja o seu papel, poder-se-ia pensar que existe uma mudança. Agora, quando se tenta atribuir ao meu Governo alguma intenção de reduzir o papel da Igreja, isso eu recuso-me a aceitar.

Luísa Meireles: Acha que é um “mal-amado” da Igreja?

Mari Alkatiri: Eu sou mal-amado por muitos, ou porque não sou entendido, ou porque, realmente, não sou um técnico de relações públicas. Sou uma pessoa fria, alguns chamam-me sisudo. São os meus defeitos. Mas recebi a governação de um país com déficeorçamental e deixo-o com um “superavit” Bastante grande.

Luísa Meireles: Mas mergulhado em grandes problemas internos.

Mari Alkatiri: Talvez por causa disso mesmo. Se continuasse com défice, se calhar, ninguém ambicionava vir para o poder.

Luísa Meireles: A raiz do conflito tem a ver com com a riqueza que se supõe haver, o petróleo?

Mari Alkatiri: Não tenho dúvidas.

Luísa Meireles: Há quem faça a ligação destes acontecimentos ao interesse australiano de o afastar a si. Será diferente com Ramos-Horta?

Mari Alkatiri: Não sei. Como primeiro-ministro procurei defender até às últimas consequências os interesses do meu povo. Liderei as negociações sobre as riquezas e os recursos do mar de Timor-Leste, que ninguém pode negar que foram bem sucedidas e estou orgulhoso disso. Consegui fazer de Timor um país absolutamente viável, um Estado sustentável, em apenas quatro anos de governação.

Luísa Meireles: A Austrália pretende fazer de Timor um protectorado?

Mari Alkatiri: Nunca acusei o Governo australiano de nada, nem pretendo fazê-lo. Agora, ninguém pode negar, que nos últimos dois ou três meses, toda a comunicação social australiana se esforçou por me demonizar. Tudo parecia concertado.

Luísa Meireles: Pensa que há algum tipo de influência da Austrália sobre Xanana?

Mari Alkatiri: A exigência da minha demissão por parte do Presidente teve como base um programa da televisão australiana.

Luísa Meireles: Poderá haver mudanças de política nas relações com Portugal?

Mari Alkatiri: Este Governo terá nove meses de vida e não é em nove meses que se fazem mudanças estruturais. E não creio que as pessoas que estão no Governo, incluindo o Presidente da República, sejam antiportugueses.

Luísa Meireles: Está a preparar o seu regresso?

Mari Alkatiri: A minha função agora é reforçar o partido, reorganizá-lo e prepará-lo para 2007. Não tenho que me recandidatar e, “tirem o cavalo da chuva”, que nunca me candidatarei à Presidência da República.

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3 comentários:

Anónimo disse...

Background to blocked East Timor leadership challenge
12-Jul-2006
By Paul Cleary
As the Prime Minister of East Timor, Mari Alkatiri, prepared a strategy that successfully blocked Friday's leadership vote, hanging on the wall of a conference room in his office is a satellite photo of Dili on fire. Smoke billows from scores of incandescent spots all over the city. The image was taken from the fires of September 1999, when Indonesian backed militias torched the country. Sadly, it is an image that is starting to become synonymous with the recent history of this newly independent country. Just six months after independence, there were the fires of December 4, 2002, when the killing of a student by police triggered riots and the burning of shops and the home of Alkatiri.

Then there were the fires of April 28 this year when a demonstration by sacked soldiers was hijacked by political opportunists and some of the mass of unemployed youth. This led to 5 deaths and the burning of several cars outside the Prime Minister's office, and the burning of many homes. In between, there was in April 2005 a tense, three-week demonstration by the Catholic Church again the Government. This ended peacefully but like April 28, it came close to being hijacked and turning violent. These demonstrations reflect the frustration and disappointment of people who expected that independence would bring rapid change to their lives. But are also an indication of a government that is unpopular and increasingly perceived as autocratic. The task of building a new nation from scratch, especially after the devastation of 1999, was a massive undertaking from the beginning. But the significant achievements since independence in May 2002 have been overshadowed, and the nation set back many years.

Until April 28, East Timor was gaining a reputation as one of the success stories of post-conflict reconstruction. After recovering from the December 2002 riots, the UN peacekeeping mission and local security forces had brought stability and development to East Timor. Last year new laws were passed for investment and petroleum development, and the country began to attract tourists. East Timor was touted as a model for other post-conflict endeavours - including Iraq. For a country in which only a handful of the working-age population is formally employed, East Timor was remarkably safe, until recently. There was no need for razor wire and elaborate high-security technology that is mandatory in PNG and other similarly poor countries in Africa. It was safe to wander the streets by day and night.

The president of the World Bank, Paul Wolfowitz, remarked on the high degree of stability that prevailed when he visited East Timor just two weeks before the riots. On April 10, he lauded "the considerable progress the Timorese people have achieved in the past 6 1/2 years". "The bustling markets, the rebuilt schools, the functioning Government - and above all, the peace and stability - attest to sensible leadership and sound decisions." That East Timor's steady development from early 2003 to April 2006 could be brought undone by a trivial dispute over discrimination and conditions in the armed forces underscores the fragility of this emerging nation on Australia's doorstep. And it highlights the need for Australia to make a substantial and long-term commitment to the development of East Timor, a country of great human and natural resource potential. The World Bank and the UN had warned there were fault lines that could easily lead to unrest.

The Government, dominated by former exiles from Mozambique and Australia, had been told that the population perceived it as remote, insensitive and centralised. The Government has made mistakes in its handling of the dispute with the soldiers. The decision to sack them provided the spark for the riots. One telling fact is that after sacking the soldiers, the head of East Timor's armed forces, Brigadier General Taur Matan Ruak, embarked on an extended international tour to Malaysia and the US to look at military equipment. Last week he was in Lisbon. It is unfortunate that government members routinely accept invitations from foreign governments and organisations. More time could be spent at home rather than travelling abroad. East Timor needs to make the switch from running an international independence lobby to nation-building.

The Government, led by Alkatiri and Foreign Minister Jose Ramos Horta, is, on the whole, worthy of ongoing international support. Elisabeth Huybens, who recently finished a marathon five-year term as World Bank country manager, says she liked working in East Timor because the Government was genuinely trying to do the right thing, as opposed to her experience in flagrantly corrupt countries in Africa where governments couldn't care less. Nonetheless, this week Alkatiri faces a crucial vote on his leadership at the ruling Fretilin party congress. East Timor's ambassador to the UN, Jose Luis Guterres, has emerged as a key contender. He said in an interview last week that East Timor needed a more "sensitive" prime minister.

Canberra on Friday ordered three Australian navy ships to waters off Timor as a contingency measure but despite the recent upheaval, East Timor is not destined to become a failed state - another Haiti on Australia's doorstep. But the Government and people of East Timor require a long-term partnership with Australia and other countries in the region in order to succeed. As The Australian said in a prescient editorial in January 2004, Australia's aid commitment since independence of about $40million a year is inadequate when compared with the needs and the $2 billion spent during the emergency phase. No doubt Australia's attitude to East Timor has been influenced by the strong stand taken by Alkatiri during the Timor Sea negotiations. East Timor does not need money per se, but it needs technical support and programs that can directly address poverty and move the country on to the first rung of the development ladder. Without this support, East Timor may remain stuck in its current state of under-development and fragility. It is not the case that Australians are no longer welcome in East Timor. While the Government has aligned itself with the Portuguese-speaking world, the people of East Timor generally feel more comfortable with the thousands of Australians who have worked in East Timor and the hundreds who have taken the trouble to learn their language. And the support shown by the Australian people during the Indonesian years, during Interfet and since independence, is something that the Timorese will never forget.
Paul Cleary worked for Prime Minister Alkatiri as a consultant on a World Bank-funded project from 2003 to 2005. He is now writing a book on East Timor for Allen & Unwin (Eureka Street)

Anónimo disse...

Ex-primeiro-ministro de Timor-Leste, Mari Alkatiri diz que, apesar do novo Governo, não é possível falar-se de um novo ciclo no país

«Na raiz do conflito está o petróleo»

(VERSÃO INTEGRAL)

Luísa Meireles

ÀS PERGUNTAS sobre a crise recente, o ex-primeiro-ministro timorense Mari Alkatiri diz que ainda «não chegou o momento para escrever as memórias». É cauteloso com a Austrália e acha que o novo Governo tem pouco tempo para mudar políticas.

sábado , 15 JUL 06

Vai prestar declarações como arguido na próxima semana, pelo seu alegado envolvimento na entrega de armas à população e a alguns grupos organizados, entre eles o de Vicente da Conceição, o Railos?
Fui eu próprio que solicitei essa audiência o mais cedo possível para esclarecer todo o assunto, devido ao grande número de alegações existentes. Tão logo pude constituir a minha defesa, ela foi marcada. Toda a minha resposta vai ser baseada na lei e na verdade. Não tenho interesse em estar a comentar as alegações que têm sido feitas, que são tudo menos a verdade.
Mas o seu ex-ministro do Interior, Rogério Lobato, confessou que se encontrou com o grupo do Railós e que distribuiu armas...
Eu também recebi o Railós no dia 8 de Maio, mas noutro contexto completamente diferente.
Qual contexto?
Não tinha nada a ver com armas, mas com a organização do Congresso do Partido e com a actividade deles, antigos combatentes, apoiarem o Governo no sentido de diluir a contradição que estava já a esboçar-se entre os chamados Lorosae e Loromonu.
E como justifica a iniciativa do ex-ministro, para mais alto quadro da Fretilin?
Ele só foi eleito vice-presidente da Fretilin depois disso. Mas ele já fez os seus depoimentos junto do tribunal e eu não os vou comentar.
Mas o que estava a acontecer em Timor que justificava a distribuição de armas na Fretilin e a constituição de grupos armados?
Desafio quem quer que seja que prove que havia armas na Fretilin por todo o lado. Não havia, nem há. Isso é uma alegação que tem a conotação de difamação. A Fretilin nunca distribuiu armas nem nunca distribuirá. É uma tentativa de manchar a imagem do partido maioritário para fins eleitorais.
E como surgem esses grupos, nomeadamente o de Railós?
Esses grupos existem. As armas que lhes foram dadas são da Polícia. O ex-ministro já reconheceu que participou nessa distribuição com o fim, como ele próprio disse, de apoiar unidades de reserva da Polícia. Eu estou a fazer estas declarações com base nos depoimentos do ex-ministro Rogério Lobato.
A esta distância, acha que poderia ter agido de outra maneira em relação aos peticionários?
Se não tivesse havido outras instituições, outros órgãos de soberania a envolver-se em primeiro plano nesta questão, se desde o início ela tivesse sido entregue ao Governo para ser resolvida, eu tenho a certeza que sim.
Está a referir-se ao Presidente da República?
A história dirá.
Acha que desde o princípio houve algum aproveitamento?
Este é um país jovem onde as instituições de Estado às vezes extravasam as suas competências, muitas vezes com a melhor das intenções de resolver problemas. Eu não estou a dizer que as pessoas o fazem com a intenção de complicar, mas sim de resolver. E até às vezes com a intenção de se solidarizar com outros órgãos, mas a verdade é que as boas intenções nem sempre dão bons resultados.
Durante toda a crise, o senhor sempre disse que estava em curso um golpe constitucional contra o seu governo. Pensa que hoje está consumado esse golpe?
Está em marcha.
Ainda está em marcha?
Digo que está em marcha porque ainda há a exigência da dissolução do Parlamento e de realizar eleições antecipadas, exigências essas que vêm dos mesmos autores das manifestações.
Como é que fundamenta a existência deste golpe?
Ainda não é tempo para eu escrever as minhas memórias.
Considera que o Presidente Xanana foi subjectiva ou objectivamente mentor desse golpe?
Não comento sobre isso.
Nem terá sido aproveitado?
Não comento.
Então interpreta o facto de, desde a primeira hora, aqueles que reclamavam a sua substituição de armas na mão, nomeadamente o major Reinado, se terem colocado à disposição do Presidente Xanana?
Melhor do que eu deverá ser eles a justificar isso. E talvez o próprio Presidente Xanana.
Mas, a si, não lhe merece uma reflexão?
Estou a reflectir, mas volto a dizer que ainda não é o momento para escrever sobre as minhas memórias.
Durante a crise, alguma vez se sentiu em risco de vida?
Sim. Mesmo agora sinto que a minha vida está a ser defendida por protecção australiana. Naturalmente que o risco vai diminuindo mas não me sinto ainda completamente livre num país que eu gostaria que fosse democrático e um Estado de direito.
Quem faz a sua escolta?
Eu tenho uma parte da escolta que é timorense e que restou da escolta inicial (eram 14, agora são 6), que continuam comigo, e tenho a escolta australiana.
Sabemos as razões oficiais pelas quais se demitiu, nomeadamente para evitar uma eventual resignação do presidente da República, contribuir para a paz e tranquilidade, assumir a sua parte de responsabilidade na crise. Mas sentiu-se forçado a demitir-se porque as manobras políticas dos seus adversários tiveram êxito? Sentiu-se derrotado?
Eu estou convencido de que, com a posse do novo Governo amanhã, poderá chegar à conclusão de que os próprios adversários se sentem frustrados, o que significa que não tiveram sucesso.
Liga esses adversários ao golpe que está em marcha, que ainda não foi totalmente consumado?
Uns adversários são os autores reais e activos deste golpe que está em marcha, e outros assistiam ao andamento do processo sempre na esperança de que fosse 100% bem sucedido.
Mas sentiu que perdeu essa «guerra»?
Perder uma batalha não significa perder a guerra. Mas eu não considero isto uma guerra. O mais importante é conseguir aquilo que se conseguiu: voltar ao clima de esperança, paz e estabilidade. Isto foi o mais importante para abrir uma nova página na nossa história.
E foram essas mesmas razões também que o levaram a desmobilizar os militantes da Fretilin que queriam entrar em Díli para o apoiar?
Foi uma contribuição que achei que devia dar para não piorar ainda mais a situação. Todos os dias passo ao lado de alguns campos de deslocados e vejo crianças, velhos e mulheres, cidadãos inocentes sofrendo, e acho que já é tempo de nós, como responsáveis, contribuirmos para fazer com que essas pessoas também ganhem esperança e confiança e voltem a suas casas.
A tomada de posse do novo primeiro-ministro Ramos-Horta abre um novo ciclo político em Timor?
Ainda não é possível falar de um novo ciclo com um Governo que só vai durar nove meses. Espero que seja uma gravidez bem sucedida e que o parto não seja tão doloroso.
Pensa que vai mudar alguma coisa nos objectivos estratégicos da política timorense?
O Governo vai implementar e executar o plano anual de acção e o orçamento que já tinham sido aprovados pelo Governo por mim chefiado.
No seu discurso de tomada de posse, Ramos-Horta apela a que a Igreja reassuma o seu papel na educação, considerando que a sociedade timorense rejeita a interpretação de modelos seculares. Não é um sinal de mudança em relação à sua política relativamente à Igreja?
Se tivesse havido alguma vez alguma tendência para retirar à Igreja o seu papel, poder-se-ia pensar que existe uma mudança. Agora, quando se tenta atribuir ao Governo por mim chefiado alguma intenção de reduzir o papel da Igreja, isso eu recuso-me a aceitar. A Igreja nunca deixou de trabalhar na área da educação, na saúde, na área social e também religiosa, atravessou as mesmas dificuldades que o povo, em termos económicos, financeiros e institucionais. A Igreja é parte da sociedade. Agora, estamos em melhores condições de podermos, todos nós, encontrar plataformas de acção mais sólidas, e isso está no plano de acção do Governo por mim chefiado para o ano de 2006/2007, onde eu defini claramente a necessidade de novas parcerias. Portanto, não é nada de novo.
Acha que é um «mal-amado» da Igreja Católica?
Eu sou mal-amado por muitos, ou porque não sou entendido, ou porque, realmente, não sou um técnico de relações públicas, reconheço-o. Sou uma pessoa fria, alguns chamam-me sisudo. São os meus defeitos, mas eu desafio quem quer que seja que me diga que, durante estes quatro anos, não dei contribuições positivas para este Governo. Recebi a governação de um país com défice orçamental. Deixo-o com um «superavit» bastante grande.
Mas, todavia, mergulhado ainda em grandes problemas internos...
Talvez por causa disso mesmo. Se continuasse um país com défice orçamental, se calhar, ninguém ambicionaria vir para o poder.
A raiz deste conflito tem a ver com a riqueza que se supõe haver, nomeadamente com o petróleo?
Não tenho dúvidas. Eu vejo até grandes analistas, que trabalham com dados que não são correctos quando dizem que eu me aproximei da China, que havia um acordo com a China sobre a área do petróleo. A China não tem uma única concessão neste país na área do petróleo. Primeiro, porque nunca participou nos concursos públicos, segundo, porque não há nenhum acordo com a China nessa área. O único acordo que se fez foi de pesquisa geológica, não de exploração.
Mas porque fala da China?
Porque todos dizem que a Austrália não veria com bons olhos o facto de eu estar a aproximar-me da China na área do desenvolvimento no sector do petróleo. Há realmente um país que nos apoiou e continua a fazê-lo, mas desinteressadamente, no sector do petróleo. Mas é a Noruega, não a China.
Há muita gente que faz a ligação destes acontecimentos a um interesse australiano de o afastar a si para melhor controlar ou conformar Timor às suas pretensões. Com Xanana ou com Ramos-Horta, será diferente?
Não sei. Eu como primeiro-ministro, procurei defender até às últimas consequências os interesses do meu povo. Liderei as negociações sobre as riquezas e os recursos do mar de Timor-Leste, que ninguém pode negar que foram negociações bem sucedidas para o meu país, e estou orgulhoso disso. Consegui fazer de Timor-Leste, tido como inviável, um país que todos sabem que é absolutamente viável, um Estado sustentável, e isto em apenas quatro anos de governação. Tenho a certeza que Timor-Leste iria arrancar, a partir do último ano do meu mandato, 2006/2007, para a fase real de desenvolvimento humano e económico, porque já há condições para o fazer. E mais ainda: no caso de vitória da Fretilin em 2007, o próximo mandato será para pôr este país num patamar ainda mais elevado. O plano era esse.
Então como encara então as declarações do primeiro-ministro australiano, John Howard, de que Timor não é um Estado viável?
Prefiro não comentar, até porque John Howard também está a enfrentar problemas no seu país. Eu não quero repetir aquilo que ele fez, dizer que eu deveria realmente demitir-me.
Pensa que a Austrália pretende fazer de Timor um protectorado?
Nunca acusei o Governo australiano de nada, nem pretendo fazê-lo. Agora, ninguém pode negar que, nos últimos dois ou três meses, toda a comunicação social australiana se esforçou por me demonizar. Parecia tudo concertado, parecia haver uma política bem definida e planificada com o objectivo único de me demonizar. É só fazer a leitura daquilo que saiu até hoje.
Fazendo essa leitura, acha que existe algum tipo de influência da Austrália sobre o Presidente Xanana ou sobre o agora primeiro-ministro Ramos-Horta?
A exigência da minha demissão por parte do Presidente Xanana teve como base um programa da televisão australiana.
Portanto, acha que a Austrália tem, na verdade, uma grande influência sobre o Presidente Xanana...
Eu só estou a apresentar os factos.
E é também um mero facto ter sido a esposa (australiana) do Presidente Xanana a tomar posição pública sobre o que devia fazer o Presidente?
Isso é uma inovação nossa, as esposas dos titulares de órgãos de soberania terem opinião (sobre aquilo que eles deveriam fazer.
Quando a crise começou, quem autorizou os australianos a entrar no país? Quer dizer, eles já estavam embarcados ao largo de Timor antes de haver essa autorização...
Quando a crise interna começou a agudizar-se, havendo já combates entre elementos da Polícia Nacional e das Forças Armadas, a única hipótese era, realmente, ter uma força ou forças estrangeiras a ajudar a estabilizar o país. E isso foi iniciativa minha, como primeiro-ministro, de propor ao Presidente da República, com a participação do Presidente do Parlamento Nacional, que solicitássemos a intervenção de quatro países, que são os mesmos países que ainda cá estão.
Mas tinha conhecimento de que havia tropas australianas que já estavam embarcadas?
Naturalmente, um mês ou dois meses antes.
Não é estranho?
A Austrália estava a acompanhar o desenvolvimento da situação em Timor-Leste, achava que era o país mais próximo, que poderia, a todo o momento, intervir no sentido de apaziguar. E sempre disse, naquela altura, que só interviria a pedido do governo de Timor-Leste. De facto, a intervenção mesmo foi feita depois do pedido, mas claro que é sempre muito estranho quando, antes do pedido do Governo, estejam forças preparadas para intervir à volta de outro país. Mas talvez isso seja também parte da experiência da Austrália. Aconteceu em 1999 também, quando a Austrália estava preparada três meses antes para poder intervir em tempo oportuno para parar as matanças e a violência em Timor.
Este novo Governo pode ter uma política com repercussões nas relações com Portugal e na participação timorense na CPLP? A posição do português como língua oficial em Timor pode estar em risco?
Este Governo terá nove meses de vida. Não é em nove meses que se fazem mudanças estruturais em qualquer país, portanto não creio que isso seja possível em termos práticos. Também não creio que as pessoas que estão no Governo, incluindo o Presidente da República, sejam antiportuguesas. Naturalmente que, quando se quer avançar com um projecto de reintrodução da língua portuguesa, de generalização do seu uso, de afirmação de uma língua oficial, não chega dizermos que somos favoráveis; é preciso ter a coragem de enfrentar todos os obstáculos e de, a cada momento, afirmarmos isso mesmo.
Está a preparar o seu regresso ou a preparar-se para as próximas eleições?
Já o disse, a minha função agora é reforçar o partido, reorganizá-lo e prepará-lo para 2007.
Vai candidatar-se de novo?
Nunca me candidatei, portanto não tenho de me recandidatar. O mais importante é o partido voltar a ganhar, e o partido depois decidirá como governar. Alguém já levantou a hipótese de eu vir a candidatar-me à Presidência da República. Posso dizer: «tirem o cavalo da chuva», porque eu não serei nunca candidato a Presidente

Anónimo disse...

A "versão" que transcrevi é a da edição impressa do Expresso que como podem verificar é reduzida em relação à que afinal está on-line. Agradeço a quem aqui publicou a on-line. É que há coisa talvez de duas semanas, o Expresso "remodelou" a edição on-line e eu ainda não tinha descoberto como navegar na nova versão. Mas lá a descobri "escondidinha" de facto a entrevista integral. Bem melhor afinal, apesar de tudo, do que o que o Expresso fez há um mês quando entrevistou o Alkatiri, deu-lhe bastante destaque na on-line, mas nem uma única referência na edição empressa! Enfim, critérios editoriais.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
This is my blogchalk: Timor, Timor-Leste, East Timor, Dili, Portuguese, English, Malai Azul, politica, situação, Xanana, Ramos-Horta, Alkatiri, Conflito, Crise, ISF, GNR, UNPOL, UNMIT, ONU, UN.