quinta-feira, junho 15, 2006

Obrigado, Margarida.

Tradução:

Timor-Leste: Uma Nova Guerra Fria
por: Maryann Keady
4ª feira 14 Junho 2006

‘Novo Vizinho, Novo Desafio,’ um documento emitido pelo Austrálian Strategic Policy Institute em 2002, sublinha a importância da Austrália para a segurança de Timor-Leste. Também reflecte a importância de Timor-Leste para a segurança da Austrália, e fornece um prisma para ver os últimos desenvolvimentos:

A Austrália tem muito em jogo no futuro do nosso novo vizinho. Altruisticamente desejamos que o povo de Timor-Leste possa ter um futuro próspero e pacífico. Considerando mais os interesses próprios, o seu sucesso ou falhanço afectará directamente as próprias prospectivas da Austrália sobre a segurança. Sérios problemas em Timor-Leste minarão os interesses estratégicos actuais da Austrália na estabilidade da nossa vizinhança próxima.

No momento, o que preocupa a Austrália são as rotas marítimas e as reserves marítimas de petróleo e de gás à volta de Timor-Leste, bem como a entrada visível de um jogador regional: a China.

Quando o aliado da Austrália, os USA, colocaram a Asia Pacific no topo da sua prioridade estratégica no seu Quadrennial Defence Review de 2001, ficou claro para todos os analistas de defesa que o ‘competidor principal’ era a China.

O recentemente emitido relatório annual do Pentagono sobre o poder militar da China diz que o reforço militar da China ‘já alterou o equilíbrio militar na Asia-Pacifico e pode ser uma ameaça para as forças armadas regionais.’ O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros Chinês, Liu Jianchao, acusou os USA de exagerar a força militar da China dizendo que é baseada numa ‘mentalidade de Guerra Fria’

E uma ‘Nova Guerra Fria’ é exactamente o que emergiu.

Timor-Leste é apenas um dos países da região apanhados no fogo-cruzado entre dois competidores estratégicos poderosos: China e os USA. Infelizmente para Timor-Leste, está na vizinhança de algumas das rotas marítimas mais cruciais do Pacifico – a mais notável das quais o Estreito de Ombei Wetar Straits, uma passagem de águas-profundas entre os Oceanos Índico e Pacífico, importante para a passagem submarina, que será um vital ‘ponto de estrangulamento’ marítimo em qualquer conflito futuro.

Politicos e comentadores de todos os cambiantes têm sido cândidos acerca do que vêem como dilemas de Timor-Leste em tentar equilibrar-se entre dois gigantes. Da mudança rápida de aliança da China para Taiwan em Kiribati, ao alvo dos habitantes de etnia Chinesa nos distúrbios de Abril em Honiara, o ‘factor China’ está a causar o caos na região. Os locais receiam que as potências hegemónicas regionais - China, USA e Austrália – jogam um papel maior nesta instabilidade do que qualquer desassossego civil orgânico.

Os media Australianos escolheram ignorar a maior, questão estratégica até muito recentemente, permitindo que o Governo Australiano ‘interferisse’ no Pacifico com muito pouco criticismo ou análise independente.

A Austrália continuará a afirmar-se no Pacifico — e dum ponto de vista de defesa racional, isto parece perfeitamente aceitável. O que pode ser contestado é a sabedoria de não interferir antes do conflito, mas somente depois de os chamados “Estados falhados” caírem no caos. Ambas as missões, RAMSI nas Ilhas Solomão e a Operação Astute em Timor-Leste reflectem isso.

Muitas dessas comunidades do Pacifico são pequenas, e é fácil encontrar mãos cheias de testemunhas (ou no meu caso, ser uma testemunha) de distúrbios que podiam ter sido facilmente contidos e tratados. É impossível no caso de Timor-Leste compreender como um gang de jovens desempregados desordeiros protestando contra o seu despedimento das forças armadas puderam emergir como dois gangs rebeldes (com conselheiros da ONU e Australianos presentes durante a confusão) exigindo a remoção do Primeiro Ministro.

Muito tem sido dito na imprensa Australiana acerca de divisões étnicas entre o Leste e o Oeste de Timor-Leste que inflamaram a violência — uma divisão conveniente se se quer usar o caos civil como um pretexto para mandar forças militares e deixar o país debaixo da sua esfera de influência Mas pouco se ouviu acerca desta ter sido a terceira vez que forças internacionais falharam em evitar o povo de Timor-Leste de ser aterrorizado por uma terceira parte. Primeiro, houve o ataque Indonesio em 1999. O Segundo, os distúrbios de 4 de December de 2002 (que levaram aos primeiros apelos da imprensa Australiana para a demissão de Alkatiri, imediatamente antes das negociações do petróleo e do gás). E agora, o caos civil em 2006.

Imediatamente depois do desassossego de 2002, entrevistei testemunhas locais bem como o líder da ONU e das forças Australianas acerca de queixas de que nada tinham feito para parar o caos. Depois de muita investigação, foi-me dito que um representante da ONU foi ‘não-oficialmente’ ao gabinete do Primeiro Ministro Alkatiri pedir-lhe para se demitir, uma resposta interessante a distúrbios civis – e uma que faz uma anedota dos pretensos e apolíticos esforços humanitários da ONU.

Desta vez, a ONU disse que enviará Ian Martin (que foi o Representante Especial da ONU em 1999 quando o pessoal internacional foi evacuado, deixando os Timorenses nas mãos dos militares Indonésios). A questão que não tem sido respondida é como é que a situação pôde ter escalado até aqui? Irão os Timorenses outra vez ouvir palavras vazias dos burocratas acerca de ‘limitações’ para ‘assegurar a sua segurança’?

A grande questão é se a Austrália escolhe permitir que Timor-Leste caia na anarquia ao estilo das ilhas Salomão, possibilitando assim que as suas tropas sejam depois destacadas para este local estratégico.

Richard Woolcott, que foi o Embaixador Australiano em Jakarta na altura da invasão de Timor-Leste em 1975, disse recentemente na ABC Radio que um membro sénior da Administração Bush Administration lhe contou em 2000, que ‘Timor será o vosso Haiti.’

Graças a Sean Leahy.

Muito tem sido escrito acerca de Haiti e da demonização pela imprensa Americana do Presidente Jean-Bertrand Aristide em 2004. A Austrália embarcou numa campanha similar contra Alkatiri. A imprensa Americana chamou a Aristide e ao seu Partido esquerdistas não-reconstruídos cujo modelo era a Revolução Cultural Chinesa. Alkatiri é acusado de ser um ‘Marxist Moçambicano’ – e o seu partido Fretilin ‘comunista’ – apesar do seu modelo ser mais o do Primeiro Ministro da Malásia, Mahathir bin Mohamad do que de mais alguém.

No Haiti, a Oposição teve o apoio do International Republican Institute (IRI) apoiado pelo governo dos USA. O papel dos USA em Timor-Leste não é menos interessante. O IRI, o National Endowment of Democracy e o National Democratic Institute, criaram todos eles programas de ‘democracy’ que financiam a oposição local em Timor-Leste — a mesma oposição que tem boas relações com a Austrália.

A Igreja Católica uma corpo influente em Timor-Leste, também tem estado por detrás da campanha anti-Alkatiri. Os seus protestos em 2005 contra as tentativas de Alkatiri para tornar não-obrigatória a instrução religiosa foram uma indicação perigosa de quanto poderosas essas forças se tinham tornado.

O comentário de Richard Woolcott sobre o Haiti chegou ao mesmo tempo de relatos de testemunhas de tropas Australianas falharem em assegurar a segurança dos locais e inflamou acusações que a Austrália é um actor importante no caos. Fontes locais relatam que antes do pedido de ajuda à Austrália, chegaram dois aviões com pessoal Australiano em roupas não-civis. Conselheiros Australianos foram vistos em encontros com rebeldes e os seus conselheiros locais. Estas acusações requerem mais investigação se se quiser dissipar a suspeita do envolvimento Australiano.

Enquanto que muitos Timorenses compreendem as preocupações de defesa da Austrália na Asia-Pacifico, preocupa-os também que a ‘defesa da Defesa’ permitirá à Austrália dominar esses pequenos países — no caso de Timor-Leste, um país com substanciais reservas de petróleo e de gás que foram o foco de difíceis negociações bilaterais.

Em 7 de Maio, Marí Alkatiri chamou ao recente desassossego um ‘golpe’ — dizendo que ‘os estrangeiros estavam a vir para controlar e dividirTimor-Leste outra vez’ com ‘conselheiros estrangeiros a reunir-se com políticos e a irem às montanhas’ para encontros com os rebeldes. Ele acusou os media Australianos de espalharem rumores de que ele já não era Primeiro Ministro. Numa entrevista comigo na semana passada, ele reiterou-me outra vez que não havia dúvidas que forças ‘no interior e no exterior’ de Timor-Leste estavam por detrás da agitação, e que ninguém o ia forçar a demitir-se com métodos violentos. Ele afirmou que 200,000 o apoiariam nas ruas.

Desde 2002, que a retórica de Alkatiri tem sido ‘eles que tentem’ e ‘não sem o acordo da Fretilin’ Em entrevistas, ministros do seu Gabinete têm declarado abertamente que outros países ‘querem levantar uma outra bandeira sobre esta nação.’ A implicação tem sido sempre dirigida à Austrália.

Mas quando funcionários dos USA começaram a encontrar-se com funcionários judiciários de Timor-Leste em 2003, ficou claro que maiores esforços internacionais vinham a caminho. O Primeiro Ministro disse na altura que os funcionários judiciários estavam a interferir ‘politicamente’ no país. Privadamente, oficiais de Alkatiri declararam no mês passado: ‘eles tentaram com os protestos da Igreja, agora estão a tentar desalojá-lo via Fretilin. Isso não vai resultar. Eles não conhecem este país.’

Os media Australianos não fizeram segredo do que acreditavam devia acontecer em Timor-Leste — em editoriais e em comentários tanto na imprensa como na rádio e televisão pediram a resignação de Alkatiri. Contudo pouco se ouviu da imprensa ou dos apoiantes dos “direitos humanos” de Timor-Leste sobre as consequências de desalojarem Alkatiri inconstitucionalmente.

No interior de Timor-Leste, as pessoas estão cientes dos jogos políticas que estão a ser jogados e o Presidente Xanana Gusmão é visto como um ‘homem da Austrália.’ Se Alkatiri é desalojado através de meios violentos, Gusmão ficará com a indesejável herança de ter expulsado inconstitucionalmente o primeiro líder de Timor-Leste, com o apoio tácito da Austrália.

Isso seria um desastre para Timor-Leste, porque se podia seguir uma guerra política do tipo da do Haiti. Timor-Leste então tornar-se-ia na verdade parte do ‘arco da instabilidade,’um rótulo conveniente para líderes políticos internacionais que esconde a devastação do sofrimento dos locais.

Se a luta actual de Timor-Leste faz parte das políticas da Nova Guerra Fria, então os povos da Asia-Pacifico têm muito a recear — e Canberra tem muito para responder.
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4 comentários:

Anónimo disse...

Contratem o gaijo para a Lusa!
Finalmente uma notícia séria e que prende a atenção até final!
Na Lusa raramente consigo passar dos dois primeiros parágrafos!

Anónimo disse...

Afinal ainda existe jornalismo de qualidade.
Me perdoem os jornalistas portugueses mas tenho pena que um artigo de um nível semelhante não tenha sido assinado por um português.
Timor merecia mais da comunicação social portuguesa.

Anónimo disse...

obrigado pelo esforço Margarida. Timor agradece e a comunidade lusófona em particular.

Timor tem de caminhar o caminho...

Bem haja.

O Caminhante

Anónimo disse...

A NOVA GUERRA FRIA e a ARTE DO FAZER
SUGESTÃO
Sugiro que se faça uma análise profunda deste importante artigo de opinião, que coloca várias questões geoestratégicas, como pontos chaves deste desassossego.
Pela minha observação directa e presencial dos ultimos anos em Timor, pelos elementos que recolhi, investiguei e li - suspeito que o triângulo que tem como vértices: a China, a USA e a Austrália é o centro da luta que se trava em Timor Leste.
Não acredito que os serviços secretos destes países e de outros incluíndo Portugal, não estejam activos em Timor Leste ... aliás a precisão da actuação atenta do nosso Ministro dos Negócios Estrangeiros evidência estar bem informado.
Por isso a NOVA GUERRA FRIA emerge desta realidade que abraça Timor Leste.
Por esta razão e conhecendo a força e o desejo de mundança cultural, comportamental e disciplinar que o governo quer ver implementado no terreno em Timor Leste, o pragmatismo das decisões e a preocupação de possuir um modelo sustentado a longo prazo para os fundos do petróleo, mostram que estamos em presença de uma governação que não quer vender Timor, nem hipotecar o seu futuro...existem defeitos quem não os tiver que atire a primeira pedra.
Mas é esta postura governativa de rigor que incomoda a Austrália e os Estados Unidos, que estão em pânico face ao plano estratégico bem evidênciado pela governação de Timor e a sua aproximação ao factor China, ao factor Cuba, ao factor Portugal (modelo da justiça e educacional) que conta como o factor Brasil e que põe em perigo a hegemonia anglo-saxónica na area.
Por isso a tese da anarquia das ilhas Salomão, a transformação de Timor no Haiti australiano, poderão fazer luz sobre o minar das instituições do Estado e do desassossego que se vive neste momento em Timor Leste ... claro se não existir desassossego, como é poderemos controlar e justificar uma intervenção militar (de ajuda?!...).
Sinto que a aproximação de contra balanço à Indónesia e a força e estímulo que o Presidente Xanana nos próximos passos e de forma muito pensada (como é seu timbre) der ao Dr. Mari Alkatiri, será uma atitude de um grande líder que defacto a situação militar, política e social reclama e que os estrategas do golpe não estavam à espera ... mas Xanana na sua bondade e amor ao povo é inteligente e sabem muito bem quando deve emergir.
Depois, virão as eleições de 2007 e aí ordeiramente o Povo decidirá com o seu voto secreto.
Para terminar, façamos votos que não hajam interferências, a ONU acabe com o caos (encomendado e estimulado)...e apoie de forma inequívoca e deixe ver afinal onde está o tal estado falhado.
Haja esperança...conciliação, entendimento e inteligência para suportar a ofensiva externa e investimento interno, a todo o vapor, para dar alento, motivação e alimentar a esperança do Povo.
É preciso não esquecer que quando se falava de esperança em 1999, o Povo olhava os seus dirigentes nos olhos e hoje quando se fala de esperança olham para o chão e isto nós vimos no dia a dia...
São necessários e urgentes resultados visíveis e no terreno ... que justifique e dê corpo aos elogios do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional.
Neste particular do fazer obra, penso também pela minha observação, que Timor Leste, precisa que as empresas estrangeiras agregadas preferencialmente aos débeis empresários locais se fixem em Timor Leste ... pois há dinheiro...mas o dinheiro é um burro para a gente montar ... o dinheiro é um meio, ajuda mas não faz obras, as obras são feitas pela capacitação dos técnicos e dos empresários... o governo ao fazer aprovar o orçamento para 2006-2007, foi nesta optica, isto é criar as condições para o muitos casamentos entre os empresários locais e os empresários internacionais ...
agora meus amigos esperam-se bons casamentos (sem manipulações e sem vigarices) que Portugal e a Europa consiga responder a este desafio ... pois é não é só de professores, militares e GNRs que salva Timor Leste.
Olhemos o futuro...
Ficamos assim.
Malai X

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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