terça-feira, fevereiro 12, 2008

Timor-Leste: Sobreviver e morrer por falta de lógica

** Pedro Rosa Mendes, da Agência Lusa **

A análise dos factos e da cronologia dos ataques de ontem de manhã, em Díli, revela um dado implacável e perturbante: José Ramos-Horta e Xanana Gusmão estão vivos e Alfredo Reinado está morto porque quase nenhum dos envolvidos actuou dentro do que seria lógico.

O primeiro dado bizarro é a sequência do ataque à residência de José Ramos-Horta: o major fugitivo Alfredo Reinado morreu quase uma hora antes de o próprio Presidente da República ter sido alvejado na mão, no abdómen e nas costas.

O filme dos acontecimentos, cruzando testemunhos de fontes oficiais com o relatório de operações a que a Agência Lusa teve acesso, mostra que houve dois tiroteios diferentes, separados por cerca de 45 minutos.

Entre um e outro tiroteio, nenhum sinal de alarme foi dado de dentro da residência do chefe de Estado, contrariando o que seria normal acontecer.

Alfredo Reinado morreu logo no início do primeiro tiroteio, ironicamente baleado por um elemento da Polícia Militar das Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste, a unidade que ele comandou até desertar de Díli com alguns dos seus homens, em Abril de 2006.

O primeiro ataque de ontem contra a residência de José Ramos-Horta foi feito, também, a uma hora - 06h15 - a que, como é do conhecimento geral em Díli, o Presidente faz o seu "jogging" matinal na marginal que conduz à Praia da Areia Branca.

A aparente ignorância deste facto básico por parte de Alfredo Reinado, num eventual plano concertado, deu azo a que nos "mentideros" de Díli surgisse ontem a versão de que o major fugitivo teria planeado um sequestro e não um atentado.

A surpresa do grupo de Reinado pela ausência de José Ramos-Horta ficou patente na busca que os atacantes fizeram pela residência do Presidente, composta por várias construções de arquitectura tradicional, de tipo "bungalow", num terreno isolado na saída leste de Díli.

Os atacantes "arrombaram várias portas a pontapé, à procura do Presidente", segundo uma fonte oficial.

Não o encontraram, mas também não está explicado onde e como durante mais de meia hora se esconderam os homens de Reinado quando já estava morto, até o Presidente da República se aproximar da residência, cerca das 07h00.

José Ramos-Horta soube por um telefonema da irmã, às 06h50, que havia tiroteio na sua residência. Em vez de se afastar do local, caminhou para lá, como explicou, horas mais tarde, o primeiro-ministro Xanana Gusmão.

O Presidente foi alvejado junto ao muro que marca o início da sua propriedade no Boulevard John Kennedy, em Meti-hau.

Foi ainda o próprio Presidente quem fez a primeira chamada de socorro devido a estar ferido - uma vez que a primeira chamada para o Centro Nacional de Operações, às 06h59, foi ainda para assistir ao tiroteio em Meti-hau e não ao chefe de Estado.

Não houve nenhum anúncio oficial sobre medidas especiais de segurança decretadas após o ataque em Meti-hau. Hora e meia depois dos primeiros tiros de Reinado no Boulevard John Kennedy, a caravana do primeiro-ministro, sem reforço aparente de escolta, foi atacada pelo lugar-tenente do major rebelde, Gastão Salsinha.

O ataque foi desferido à saída da residência de Xanana Gusmão, na estrada que serpenteia entre a aldeia de Balíbar, um local fresco com cheiro a frangipani, a quase mil metros de altitude, e a capital timorense.

O primeiro-ministro descreveu mais tarde, no Palácio de Governo, ter sobrevido a "fogo cerrado" contra a sua viatura, que chegou a Díli "de pneus rebentados". A viatura da escolta, que ia à frente, despistou-se pela montanha, sem causar vítimas.

Minutos depois, Gastão Salsinha protagonizava outro dos momentos estranhos do dia: voltou atrás e abordou o chefe da segurança da residência de Xanana Gusmão, pedindo-lhe a espingarda Stayer.

O segurança recusou, segundo contou à Lusa, e o grupo de Salsinha desapareceu na estrada da montanha. Mas outra tragédia poderia ter acontecido: a esposa de Xanana Gusmão, Kirsty Sword-Gusmão, e os filhos ainda se encontravam em casa - com apenas 3 guardas.

A família de Xanana Gusmão foi, minutos depois, evacuada por um blindado da GNR.

As leituras do duplo ataque são unânimes entre oposição e Governo: "tentativa de golpe de Estado".

Mari Alkatiri, secretário-geral da Fretilin e ex-primeiro-ministro, condenou os ataques mas lançou a sua dúvida metódica: "Que alguém explique por que razão queriam matar José Ramos-Horta, que foi quem mais 'protegeu', entre aspas, Alfredo Reinado".

Lusa/fim

1 comentário:

Anónimo disse...

Desculpa Pedro,

Mas pelo tempo que aí estás e implicitamente pela experiência que vens adquirindo, tens obrigação de ser mais crítico sobre a situação, Não podemos sempre achar que 1+1=2, há que contextualizar, penso que será obrigação ou dever de um jornalista, não vale a pena apresentar os factos por si só (repara, os jornais australianos, constroem a história toda num instante, independentemente de ser verdade ou não) a opinião, para além da notícia (que qualquer um pode ter e criar), é a parte importante do jornalismo, é o que identifica qualquer bom ou mau (não interessa).
Não pretendo ensinar a missa a ninguém, penso que é só uma questão de coragem. Ter os dados para elaborar a "tese" e não a apresentar é no mínimo ridículo.
Isso é, o que nós "público" temos vindo a assistir sobre o vosso trabalho.
Cumprimentos

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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