terça-feira, agosto 22, 2006

Porque é que a Austrália luta em New York para manter o controlo da força de manutenção da paz em Timor-Leste?

Tradução da Margarida.


Quando a violência começou a rolar em Dili em Abril deste ano, uma das primeiras questões que os jornalistas me perguntaram quando me entrevistaram foi 'Saímos cedo demais?' Respondi-lhes sempre 'Depende do que quer dizer com “nós” , a OUNU ou a Austrália. Acreditei sempre que a ONU partiu cedo demais em 2002; estavam tão desesperados para (terem) uma “história de manutenção da paz com sucesso” e tão receosos de partirem com “sangue nas mãos” que nem foram capazes de esperar pelo 30 de Agosto de 2002, o dia da independência.

Assim apertaram com o governo acabado de eleger para marcar uma data da independência na primeira metade de 2002, e acordaram com o 20 de Maio de 2002, o aniversário da FRETILIN, uma data muito menos unificadora do que o aniversário da votação histórica teria sido. Também partiram antes de darem aos Timorenses tempo para desenvolverem completamente a sua constituição em várias áreas, as mais importantes das quais foram para o governo local e leis para a propriedade das terras.

A Austrália, por outro lado, nunca partiu realmente. A acrescentar à sua Embaixada, a Austrália continua a ter um programa de bilateral substancial (incluindo um projecto de construção de aptidões na polícia) e um importante programa de cooperação de defesa com as forças armadas Timorenses. Em adição muitos Australianos têm estado a trabalhar com departamentos do governo, ONG’s e grupos comunitários desde a independência.

Quando a violência irrompeu em Abril de 2006, uma das primeiras respostas de Kofi Annan foi despachar Ian Martin (que tinha sido o organizador do referendo de 1999 e que é altamente respeitado por todos os Timorenses) a Dili para analisar a natureza do problema, e para trabalhar uma resposta apropriada para o Conselho de Segurança. O seu relatório recomendou uma missão muito mais pequena do que a original United Nations Transitional Administration in East Timor (UNTAET) que saíu depois da independência, mas (como esta) igualmente compreensiva e interdisciplinar 'para apoiar o Governo de Timor-Leste e instituições relevantes com uma opinião para consolidar a estabilidade politica, aumentar a cultura de governança democrática e facilitar o diálogo politico entre participantes (institucionais) Timorenses.' [1] A missão é descrita como multidimensional' e 'integrada', as mesmas palavras usadas por José Ramos Horta na sua carta de 4 de Agosto de 2006 à ONU requerendo a missão no seguimento da violência recente.

Porque é que então a Austrália, com o apoio de alguns amigos poderosos, tenta sabotar a proposta do Secretário-Geral para uma Missão integrada da ONU em Timor-Leste (UNMIT), uma proposta que tem o apoio completo do Governo Timorense e do Presidente?

A data original do fim da corrente Missão da ONU em Timor-Leste, UNOTIL, era 20 de Maio de 2006; foi alargada um mês, e depois mais dois meses até 20 de Agosto de 2006, enquanto a ONU lutava em lidar com a crise corrente e ao mesmo tempo evitava repetir os seus erros do passado. Na Sexta-feira 18 de Agosto de 2006 foi dada rapidamente mais uma semana de prolongamento da vida porque não se conseguia chegar a um acordo sobre como desenvolver a sua sucessora. O facto de o Conselho de Segurança estar tão ocupado com o Líbano também não ajudou.

O debate tem-se feito em dois níveis, um entre os membros do próprio Conselho de Segurança, outro entre os países do chamado 'Core Group' , o grupo de países com interesses directos no resultado. O core group inclui os que fornecem correntemente as tropas: Austrália, Malásia, Portugal e Nova Zelândia bem como o Brasil, a Grã-Bretanha, os USA e o Japão. Estes países têm tentado encontrar um consenso e falharam. Os cinco membros permanentes estão divididos segundo as linhas habituais.

Ao mesmo tempo que há consenso com a recomendação do Secretário-Geral de 1,608 membros da polícia apoiados por 350 tropas, há desacordo com a natureza do comando. A maioria dos membros do Conselho de Segurança, incluindo os membros permanentes China, França e Rússia, mais a ASEAN, os países europeus e de língua Portuguesa são a favor duma operação de “capacetes azuis” da ONU sob o comando e o controlo da ONU. Do outro lado, a Austrália tem outra coisa em mente, mais do tipo duma operação RAMSI como nas Ilhas Salomão, na qual são líderes claros, mesmo apesar de nela tomarem parte outros países regionais para aliviar o peso da carga e dar-lhe alguma legitimidade cultural.

Nalgumas formas o argumento presente é uma continuação e uma re-apresentação de um debate que está em curso no Conselho de Segurança desde a independência de Timor quando a (UNMISET) A Missão de Apoio da ONU em Timor-Leste foi montada e incluía uma capacidade militar e de segurança. Tão cedo quanto desde Abril de 2002, Kofi Annan avisava o Conselho de Segurança contra uma retirada apressada das forças militares e policiais da ONU de Timor-Leste.

Mas também representa uma mudança de posição do governo Australiano das suas opiniões durante a UNTAET. Depois de Fevereiro de 2000, todas as restantes tropas da InterFET, incluindo muitas da Austrália, terem sido postas sob comando da ONU e Peter Cosgrove ter regressado triunfante à Austrália. Porque é que não o fazem outra vez? Num encontro aberto do Conselho de Segurança no fim de Fevereiro de 2005 José Ramos-Horta desafiou os USA e a Austrália "Tenho ... a certeza de que não querem ser recordados pelos Timorenses por terem recusado um último pedido, muito modesto, mas crítico," disse.

Em Maio de 2005, Kofi Annan avisou outra vez o Conselho de Segurança que uma retirada apressada podia pôr em risco outra vez o investimento feito pela comunidade internacional para ajudar os Timorenses a reconstruir o seu país. Os USA e a Austrália urgiram pelo fim da componente de manutenção da paz e, apesar do aviso de Annan, e de um (aviso) de Portugal, em Maio de 2005 o Conselho de Segurança votou o fim da operação de manutenção da paz.

Um ano mais tarde, confrontado com uma séria perturbação da ordem e da segurança envolvendo polícias e militares locais, o Conselho de Segurança teve de enfrentar a realidade e admitir que deviam recuar e completar o processo. Todos os membros do Conselho de Segurança estão preparados para apoiar a UNMIT e acreditam que a ONU é a organização mais capaz para ajudar Timor a completar as suas tarefas de construção de nação, em particular na preparação para as próximas eleições, na reconstrução do sistema judicial, na polícia e na re-estruturação da força de defesa.

A Austrália está portanto de certo modo isolada, particularmente na sua região, com a Malásia e a Nova Zelândia a privilegiarem um comando da ONU sobre um comando nacional ou de 'capacetes verdes'. Enquanto a maioria dos países vizinhos têm sido demasiado polidos para atribuírem à Austrália razões escondidas, o Brasil usou a palavra 'neo-protectorismo', uma palavra polida para 'neo-colonialismo'. Portugal também apoia capacetes azuis, incluindo para o seu próprio pessoal em Timor-Leste.

Quando quer justificar a decisão para consumo doméstico Alexander Downer tem tentado mostrar-se despreocupado, como se não ligasse a um modo ou outro mas unicamente por ser mais simples para o modo Australiano de actuar.

Disse a Fran Kelly na Radio National no programa de pequeno-almoço em 17 de Agosto de 2006 - 'Pensamos que seria simplesmente mais fácil de fazer e mais simples para administrar se fosse uma operação de capacetes verdes, tal como é neste momento. Quero dizer, o modo como funcionou sob (o comando do) Brigadeiro Slater tem sido excepcional – eles fizeram simplesmente um grande trabalho. E, é um modo mais simples para administrar a componente militar do que se operar através de New York a todo o tempo e entrarmos em debates sobre regras de engajamento com a ONU e etc.' Mencionou o custo possível para os pagadores de impostos, se for uma operação de capacetes verdes, quase como se fosse uma ideia que lhe surgiu tardiamente.

Porque é que uma política de tal importância com ramificações regionais não está a ser debatida a fundo no Parlamento e nos media? Caso a Austrália venha a ter sucesso em obter uma operação dos seus “capacetes verdes”, a atitude dos países da ASEAN pode transformar-se numa de hostilidade.

Perguntarão porque começa a Austrália a comportar-se como os USA que nunca autorizam os seus soldados a servir sob o comando de um nacional doutro país, numa região onde eles não pertencem realmente. Uma coisa é ter o comando num órgão como o RAMSI, numa região de micro-Estados, mas fazer a mesma coisa na Ásia do Sudeste é bastante diferente.

Os desenvolvimentos no Líbano, Iraque e Afeganistão influenciarão obviamente o seu pensar. E argumentar no terreno da operação ter sido até agora um sucesso pode também ter os seus perigos.

Já há muitos Timorenses a exprimirem descontentamento com as tropas Australianas, particularmente no fim de semana de 19 -20 Agosto de 2006 quando a violência parece ter escalado e há muita confusão sobre o papel desempenhado pelos Australianos nas mentes das pessoas.

Segundo a proposta do Secretário-Geral, a missão seria liderada por um Representante especial do Secretário-Geral (SRSG), com um papel similar ao do falecido Sérgio Vieira de Mello do Brasil, um excelente comunicador que ajudou a ONU a ultrapassar muitos dos problemas associados a pôr a trabalhar juntos um grupo tão variado de pessoas.

O Vice do SRSG será uma pessoa militar e liderará a componente de segurança. É difícil ver como isto funcionaria se a Austrália levasse a sua avante e dirigisse a componente militar fora do chapéu da ONU e contudo com um mandato da ONU!

Porque é que o governo Australiano quer manter uma posição tão forte neste caso e arriscar-se a alienar a maioria dos países seus vizinhos, particularmente os membros da ASEAN?

Por isso se discute na ONU que foi posta pressão sob os Timorenses para modificarem a sua posição de apoio total à proposta de Kofi Annan e darem luz verde à da Austrália/USA.

Isto será extremamente difícil para José Ramos Horta que sabe que há um certo corpo de gente em Timor que responsabiliza os Australianos pela remoção do seu Primeiro-Ministro eleito e isso pode invadir a sua credibilidade.

Informação sobre o autora

Helen Hill é uma conferencista senior em Sociologia do Sul Global na Victoria University, Australia, e tem estado envolvida activamente na investigação sobre Timor-Leste desde 1975. É a autora de Stirrings of Nationalism in East Timor: Fretilin 1974-1978, (Otford Press, 2002).

E-mail: helen.hill@vu.edu.au


Notas finais

[1] Nações Unidas, Conselho de Segurança, Relatório do Secretário-Geral sobre Timor-Leste na continuação da Resolução do Conselho de Segurança 1690 (2006), S/2006/628, 8 Agosto de 2006.

http://www.reliefweb.int/library/documents/2006/unsc-tls-08aug.pdf

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Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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