terça-feira, junho 27, 2006

Timor-Leste: Austrália pacificadora ou predadora de petróleo?

Expresso
23.06.2006
Kalinga Seneviratne

UMA rebelião de dois meses levada a cabo por oficiais do exército demitidos e desertores da polícia em Timor-leste, um dos mais recentes e mais pobres países do mundo, teve como consequência o desembarque na sua capital Dili de uma «força de manutenção da paz» liderada pelos australianos, e uma pressão para uma «mudança de regime» com a ajuda dos meios de informação.

O primeiro-ministro Mari Alkatiri, um muçulmano que lidera um país predominantemente católico, é o líder do Partido Fretilin, que lutou pela independência do jugo indonésio durante duas décadas, e que ganhou com uma vitória esmagadora as primeiras eleições legislativas, em 2001.

Nas notícias dos meios de informação australianos, que por sua vez influenciam toda a informação regional e internacional sobre o assunto, a crise em Timor é descrita como uma luta interna pelo poder, onde um primeiro-ministro «impopular» depara com a oposição de um movimento popular. As palavras «petróleo» e «gás» raramente são mencionadas nestas notícias, apesar de isso estar na origem da intervenção australiana.

A história da independência de Timor-leste é também a história das piruetas dos australianos e das suas tentativas de deitar mão aos vastos depósitos petrolíferos nos mares envolventes, actualmente avaliados em mais de 30 mil milhões de dólares. Contudo, a Austrália sempre pintou o seu apoio à independência timorense como uma missão «humanitária» e de defesa dos «direitos humanos». Ainda hoje os meios de informação reflectem isso.

Falando recentemente na ABC Rádio, James Dunn, conselheiro da Missão das Nações Unidas em Timor-leste (UNMET) em 1999, referiu-se a Alkatiri como um «político que tinha laços estreitos com o povo» e acrescentou que é também um trabalhador eficiente e um bom governante, mas não uma «pessoa com quem seja fácil lidar».

Foi a sua posição dura ao negociar com a Austrália os direitos de Timor às suas reservas de petróleo e de gás, nos últimos cinco anos, que lhe mereceram a cólera do governo australiano - que tentou intimidar o seu vizinho pobre para o submeter às ambições de Camberra para controlar a exploração destes recursos naturais.

Rob Wesley-Smith, porta-voz de Free East Timor, considera que Alkatiri tem tendências ditatoriais e que a Fretilin se tornou corrupta, mas lança as culpas ao governo australiano do primeiro-ministro John Howard por ter precipitado a crise ao derrogar desde 1999 todas as receitas do petróleo em disputa, no valor de cerca de 1,5 mil milhões de dólares, à Austrália».

«Apesar desta área estar a ser disputada, é quase certo segundo os regulamentos da UNCLOS (Comissão da ONU para a Lei Marítima) que ela pertence a Timor-leste», disse ele à IPS, acrescentando que as imagens televisivas das tropas australianas que chegaram a Dili a observar pilhagens e incêndios sem nada fazer o levavam a perguntar se isto não faria parte de uma conspiração sinistra de Camberra para declarar Timor-leste um Estado inviável «para que assim pudessem controlar o roubo (do petróleo) do Mar de Timor».

Wesley-Smith salientou que embora a Austrália levasse quase 1,5 mil milhões de dólares em royalties das reservas de petróleo em disputa nos mares de Timor desde 1999, retribuíram com aproximadamente 300 milhões de dólares em assistência durante o mesmo período, contribuindo assim para criar uma dependência.

Helen Hill, uma académica australiana, autora de «Stirring of Nationalism in East Timor» (Incentivar o nacionalismo em Timor Leste), defendeu recentemente num artigo de jornal que a razão por que Alkatiri é odiado pelas autoridades de Camberra é porque, apesar de ser o único líder timorense a fazer frente às tácticas intimidatórias do governo australiano, também tem estado a criar ligações com países asiáticos como a China e a Malásia, e com Cuba, Brasil e Portugal, a antiga potência colonial, para ajudar a diversificar os laços económicos de Timor-leste.

«Ele é um nacionalista económico», nota Hill. «Espera que uma empresa petrolífera estatal, assistida pela China, Malásia e Brasil permita que Timor beneficie do seu próprio petróleo e gás, a juntar às receitas que receberá das áreas partilhadas com a Austrália».

Alkatiri também se manifestou contra a privatização da electricidade e conseguiu criar um depósito farmacêutico de «balcão único», apesar da oposição do Banco Mundial. Também se recusou a receber ajuda condicional da parte do Banco Mundial e do FMI, convidou médicos cubanos para prestarem serviço nos centros de saúde rurais e ajudarem a criar uma nova faculdade de Medicina, aboliu as propinas nas escolas primárias e introduziu um serviço de almoços gratuitos para crianças. Tudo isto e o facto de ter sido educado e passado 24 anos no exílio num Moçambique marxista tem sido citado pelos seus opositores na Austrália como sendo características identificadoras de líder comunista.

Pelo contrário, julga-se que o líder rebelde, Major Alfredo Reinado, antigo exilado na Austrália, foi treinado na academia de defesa nacional em Camberra, tendo sido o candidato preferido da Austrália para o cargo de primeiro-ministro, o ministro dos Negócios Estrangeiros Ramos Horta, quem criou o programa de treino diplomático em Sydney durante os seus anos de exílio na Austrália.

Falando esta semana na ABC-TV, Horta defendeu que Timor-leste «não pode dar-se ao luxo do seu governo continuar a perder credibilidade nem do país manter uma má imagem», assim Alkatiri deve afastar-se no interesse do seu próprio partido.

Rebatendo acusações feitas no mesmo programa de que tinha armado elementos da Fretilin para eliminar os seus opositores, Alkatiri disse que não está a sofrer qualquer pressão para se demitir e que não tenciona fazê-lo.

A campanha em curso contra Alkatiri reflecte as sucessivas reviravoltas políticas dos governos australianos relativamente a Timor-leste desde 1975, atribuídas ao seu desejo de controlar os recursos naturais de petróleo e gás de Timor.

Depois de apoiar a anexação indonésia em 1975, a Austrália e a Indonésia assinaram em 1989 um tratado, o «Timor Gap Treaty» (TGT), para partilharem os recursos nesta área. A Autoridade Transitória da ONU em Timor-leste declarou o TGT ilegal em 2001, a Austrália assinou um Memorando de Entendimento com as autoridades da ONU que lhe permite uma exploração petrolífera continuada na região.

Mas pouco antes de Timor-leste se tornar um estado independente em 2002, o governo de Howard anunciou que nunca mais se submetia às decisões do Tribunal Mundial sobre fronteiras marítimas, uma atitude que Alkatiri descreveu nessa altura como hostil.

Desde então, Alkatiri tem tido uma série de azedas discussões com o ministro dos Negócios Estrangeiros da Austrália Alexander Downer sobre este problema. Após duras negociações, em Janeiro Alkatiri conseguiu levar Camberra a aceitar uma quota de 90-10 dos rendimentos do campo Greater Sunrise a favor de Timor-leste. Isso ocorreu depois de concordar em não levar por diante, pelo menos durante 40 anos, a reivindicação de Timor-leste ao mar em disputa segundo as disposições da convenção da UNCLOS, um período de tempo suficiente para que a maioria das reservas de petróleo e gás estejam esgotadas.

Em 2005, constou que o governo Alkatiri iniciou negociações com a Petro China para construir uma refinaria em Timor-leste, o que deitaria por terra os planos australianos de construção de uma refinaria em Darwin, uma cidade do norte da Austrália, para processar todo o petróleo do Mar de Timor de ambos os lados da fronteira. O Presidente Xanana Gusmão devia visitar a China este mês para cimentar o acordo, mas isso foi impedido pelos militares australianos.

Tim Anderson, um especialista em política da Universidade de Sydney, considera que o governo de Howard planeia impor uma «junta» em Timor-leste, liderada por Horta e por Gusmão, que está doente, e que também incluiria nomeações feitas pelo bispado católico. «A presença das tropas ocupantes (australianas) até às eleições do próximo ano pode minar seriamente a posição dominante da Fretilin», salienta.


Kalinga Seneviratne

23 Junho 2006

1 comentário:

Anónimo disse...

"Legalista até à exaustão, o primeiro-ministro demissionário conseguiu, para já, separar as águas entre si e o Presidente da República. Encostando, por exemplo, Ramos-Horta a Xanana. Com tudo o que isso significa." DN

E assim nasceu o País dos Zézinhos...

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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