sábado, junho 10, 2006

Portugal não vai ceder

por Rui Teixeira Santos
Semanário
2006-06-09 12:23

A questão de Timor não é menor. Tal como na I Guerra Mundial, os portugueses têm que estar presentes. E tal como então os ingleses e, em particular, Winston Churchill, não queriam os portugueses, hoje a Austrália não quer a presença portuguesa em Timor.

As razões por que queríamos ir antes e por que vamos agora são as mesmas: participar no saque que se segue. Mas as razões por que ingleses e australianos não nos querem são diferentes. Os ingleses preferiam a neutralidade portuguesa, pois as nossas forças eram militarmente irrelevantes e acabaríamos por estar a abrir mais um flanco que daria aos alemães novas possibilidades. O Reino Unido nunca poderia aceitar uma fragata alemã no Tejo, a pretexto do envolvimento de Portugal do lado aliado. Mas mesmo contra o interesse aliado e sem armamento ou disciplina, acabámos por mandar o nosso corpo expedicionário para a Flandres, a convite dos franceses. Obviamente, a aventura correu-nos tão mal, como aquela da Guerra da Sucessão em Espanha, quando as tropas de D. João V ficaram encurraladas em Barcelona, depois de abandonadas pelos ingleses.

Agora, a potência regional quer a sua zona de influência e não quer mais equívocos, o que, naturalmente, Portugal não pode admitir. Por outro lado, as nossas forças policiais, que, actualmente, são bem preparadas, terão até ao final do mês o melhor equipamento disponível para a operação de manutenção da ordem pública na cidade de Díli.

Por outro lado, os portugueses, que conhecem bem Timor, sabem que só é possível a paz com uma solução negociada, como aquela que tem existido. Pelo contrário, os australianos preferem transformar Xanana Gusmão num fantoche local pilotado pelos seus serviços secretos.

E daí o ultimato australiano e a humilhação subsequente, que Portugal inteligentemente fez de conta que não percebeu. (As tropas australianas humilharam os soldados da GNR em Díli na quarta-feira, exigindo-lhe a entrega das armas. Para um militar é a maior humilhação que se pode fazer, comparável, aliás, à de Mouzinho de Albuquerque quando sentou Gungunhana no chão.)

Os ministros de Estado António Costa e Freitas do Amaral vieram ontem, em conferência de imprensa, anunciar o acordo provisório entre as quatro forças estrangeiras no território (Portugal, Austrália, Nova Zelândia e Malásia), que garante em primeiro lugar que o corpo de intervenção da GNR fica com uma autonomia de comando operacional e com competência exclusiva no bairro de Díli, onde existem maiores problemas, devendo a sua intervenção ser alargada progressivamente a toda a cidade, à medida que chegarem os equipamentos e outros meios, de acordo com a decisão conjunta de Alkatiri e Xanana.

Ou seja, os próprios timorenses percebem que a posição portuguesa é aquela que mais lhes convém nos equilíbrios da região. Já antes era assim e os timorenses sempre foram os mais portugueses de todos os portugueses. E na medida em que são os interesses deles, podem também ser os nossos. A credibilidade da nossa presença decorre, naturalmente, do profissionalismo das tropas, mas também da capacidade táctica do Governo e do facto dos portugueses não cederem de modo nenhum à Austrália.

Os portugueses sabem o que estão a fazer. Há muito, há anos que este cenário está desenhado. E os australianos sabem exactamente isso, seja por via dos sempre bem informados americanos, seja por via dos ingleses. Portanto, o que Portugal está a fazer corresponde exactamente à defesa dos seus pontos de vista e da solução que pensamos ser a melhor para a paz naquele país de expressão oficial portuguesa.

O próximo passo será nas Nações Unidas. A doutrina pós-Cimeira de Washington dá aos portugueses razões de presença no território. Mas, sobretudo, estamos em Timor a convite do Governo legítimo da República Democrática de Timor. Ou seja, temos a razão histórica, temos a vontade das populações e, finalmente, o direito do nosso lado. Tudo o resto é a invasão australiana.

É insustentável a situação que está. Não é possível manter, para lá do fim do mês, quatro forças militares ou policiais, de quatro países diferentes, com comandos operacionais autónomos, sob pena de dividir Timor por áreas de influência, como a Alemanha no pós-guerra. Portanto, estamos no início de um processo e o acordo de ontem é precário e provisório. Mas o Governo tem que ter a inteligência de saber defender os nossos interesses sem se deixar cair noutra armadilha do tipo do "Mapa Cor de Rosa".

Em Timor, existe um Estado organizado e existem autoridades, cuja credibilidade importa manter e reforçar. É nisso que a presença dos portugueses pode ser decisiva, ao contrário da presença da Austrália ou da Malásia.

E, neste contexto - de guerra ou de conflito de interesses -, recuar seria uma humilhação que, certamente, colocaria em causa o Governo, mas também o Estado e a República.

Amanhã comemoramos o 10 de Junho. E, nessa ocasião - uma óptima ocasião - o Chefe Supremo das Forças Armadas e Presidente da República tem a obrigação política de afirmar os princípios estratégicos que orientam a nossa presença em Timor, criando o quadro para o relançamento da Lusofonia, já para a próxima Cimeira de Bissau.

Em segundo lugar, por razões práticas, podemos desvalorizar, hoje, a gravíssima humilhação que as tropas australianas fizerem, esta semana, aos portugueses. Mas não devemos esquecer. Um País como Portugal não deve esquecer e deve, na primeira oportunidade, exigir explicações e cobrar interesses. A Austrália está a comportar-se, publicamente, como potência inimiga, de facto, a partir deste momento. Sempre o foi, desde 1975, só que agora foi longe de mais. E isto tem que estar presente no espírito dos portugueses e da Lusofonia.

Talvez, sem querer (!), Portugal tenha encontrado a "alma" ou o inimigo externo que faltava para esta nova fase da Lusofonia no Mundo.


.

3 comentários:

Anónimo disse...

Um comentário ao comentário do Basílio Horta. Não ouvi ou vi o comentário (imagem, som), mas demos o benefício da dúvida, e não fiquemos cegos pela nossa vontade em defender os símbolos da soberania Timorense, nomeadamente o seu Governo e o seu Primeiro-Ministro. O que o Ramos Horta terá até pode fazer todo o sentido. As acusações são muito graves (apesar de achar natural que alguém com espírito guerrilheiro tenha achado ser necessário criar uma rectaguarda estratégica face a uma previsível «invasão»), mas a «limpeza» do todos os líderes da oposição parece-me ser de uma estupidez e «primarice» tal...! Se se trata de uma difamação é igualmente muito grave e carece de ser devidamente punida, e ir-se até às últimas consequências. A verdade (por mais frágil e evanescente que seja) não pode ser ignorada, não há alternativa. Será que é isso que o Ramos Horta quis dizer?

Anónimo disse...

Finalmente análises jornalisticas sérias.
Deveria ter sido mais cedo... Mas não aconteceu talvez porque o representante da Lusa em Timor não passou de um retransmissor ao serviço da propaganda que lidera a crise em Timor.
Felizmente a Lusa enviou jornalistas para Timor.
Talvez fosse a hora de a Lusa fazer um "balanço" sobre a presença do "EL" em Timor....

Anónimo disse...

Correcção: os Ingleses não queriam a participação Portuguesa na Grande Guerra, não porque receassem que um aliado fraco abrisse mais flancos aos Alemães, mas porque tinham um acordo com os Espanhóis para a partição de Portugal (para os Espanhóis) e suas colónias (para os Ingleses).

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
This is my blogchalk: Timor, Timor-Leste, East Timor, Dili, Portuguese, English, Malai Azul, politica, situação, Xanana, Ramos-Horta, Alkatiri, Conflito, Crise, ISF, GNR, UNPOL, UNMIT, ONU, UN.