sábado, julho 14, 2007

Esta terra devastada

Blog Hotel Timor
Expresso Multimedia

The Vira Bali Hotel, do meu quarto. Quinta-feira, 12 de Julho. Uma da manhã, hora local

No aeroporto de Bali, à chegada do avião de Díli, uma brasileira dizia isto a um senhor de Baucau: «Quem vai uma vez a Timor, faz tudo para poder voltar». Talvez seja esse o maior potencial turístico do país – gente que regressa sempre – à espera de uma oportunidade quando houver uma certeza de paz.

A última vez que parti de Díli, a 17 de Junho de 2006, tinha estado toda a noite em branco, a transcrever e editar uma entrevista com o ex-ministro do Interior Rogério Lobato sobre a distribuição de armas. Não dormi e quando desci as escadas do Hotel Timor para tomar o pequeno-almoço, estava a dar Cesária Évora. «Quem mostra’bo esse caminho longe? Quem mostra’bo esse caminho longe? Esse caminho pa São Tomé». Eram sete da manhã e não havia ninguém de quem me despedir. Sabia que me ia embora quando ainda estava tudo para acontecer, tal como agora.

O empregado de mesa perguntou-me se eu ia voltar. E eu disse-lhe, tal como penso agora: «Não sei se alguma vez vou voltar».

Dessa vez, o táxi que me levou do hotel passava música indonésia no rádio. Não conseguimos falar, eu e o taxista. Ele só entendia tétum e bahasa. Tinha uma santinha no tabliê e o vidro da frente não estava partido. Hoje, quase todos os táxis têm os vidros partidos, remendados com autocolantes. Alguns têm só uma faixa de dez centímetros livre para que o motorista se possa reclinar para baixo no banco e perceber a geografia dos buracos na estrada. Um vidro novo custa 400 dólares, quase metade do ordenado do primeiro-ministro, e tem de se mandar vir de Singapura.

No caminho para o aeroporto, fixei uma imagem. Uma família viajava numa moto. O pai ia à frente, a mãe atrás e o puto no meio. Cumprimentámo-nos. Tanto tempo passado com as elites, tão pouco tempo passado com o povo. Há sempre um meio de se conseguir viver. Sem vidros nos carros, em motos sobrelotadas, a dormir em tendas na época das chuvas, a comer diariamente o arroz da ajuda humanitária, vendendo cigarros nas ruas escuras às três da manhã. O povo quer aprender com a elite a saber mais e a viver melhor, mas talvez a elite também devesse aprender mais com o povo.

Desta vez, no avião da Merpati para Bali, parei numa passagem de T.S. Eliot (descobri, entretanto, que não dá para levar livros de poesia para Díli). Quando está tudo ainda em aberto sobre a crise social e política no país, vou terminar com ela como a li, numa edição bilingue.

What are the roots that clutch, what branches grow
Out of this story rubbish? Son of man,
You cannot say, or guess, for you know only
A heap of broken images, where the sun beats,
And the dead tree gives no shelter, the cricket no relief,
And the dry stone no sound of water. Only
There is shadow under this red rock,
(Come in under the shadow of this red rock),
And I will show you something different from either
Your shadow at morning striding behind you
Or your shadow at evening rising to meet you;
I will show you fear in a handful of dust.

Que raízes se prendem, que ramos crescem
Neste entulho pedregoso? Filho do homem,
Não consegues dizer, nem adivinhar, pois conheces apenas
Um montão de imagens quebradas, onde bate o sol,
E a árvore morta não dá qualquer ruído de água. Apenas
Há sombra debaixo desta rocha vermelha
(Anda, vem para a sombra desta rocha vermelha),
E vou mostrar-te uma coisa ao mesmo tempo diferente
Da tua sombra quando ao amanhecer te segue
E da tua sombra quando ao entardecer te enfrenta;
Vou mostrar-te o medo num punhado de poeira.

T. S. Eliot, The Waste Land

2 comentários:

Anónimo disse...

Nao volte Sr. Eliot.
Saimos de um conflito doloroso e o caminho para a paz, estabilidade, justica desenvolvimento esta cheio de pederegulhos.
Somos um pais pequeno com poucos recursos humanos mas sabemos que podemos e devemos vencer tudo para nos afirmarmos como um povo com dignidade.
Nao precisamos de pessoas hesitantes ou com espirito negativo.

Anónimo disse...

É bem verdade o que diz: «Quem vai uma vez a Timor, faz tudo para poder voltar»
Com os elementos do Coro Alma de Coimbra (http://almadecoimbra.googlepages.com) acontece rigorosamente o mesmo, e por mim falo. Um dia, em breve (quem sabe?)lá voltaremos. E a Bali onde fomos também muito bem recebidos pelo Sr Governador.
Continue a aescrever neste seu blog e eu seri seu leitor. Obrigado.
VB

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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