segunda-feira, janeiro 15, 2007

TIMOR-LESTE, AS CRISES E OS PROTAGONISTAS (I)

AS CRISES

Desde que, em 20 de Maio de 2002, a Comunidade Internacional reconheceu a independência de Timor-Leste, este país viveu já três grandes crises.


1.1. Dezembro de 2002: A casa do Primeiro-Ministro é reduzida a cinzas

A primeira crise, em Novembro / Dezembro de 2002, foi precedida por incidentes com a polícia timorense recém-criada, cuja falta de profissionalismo gerou muito descontentamento.

Um desses incidentes ocorreu em Wailili, em 18 de Novembro, quando um grupo de populares instalou uma barreira ilegal na estrada, perto de Baucau, para extorquir uma taxa arbitrária a quem quisesse passar. Ao tentar desbloquear a estrada a polícia envolveu-se em confrontos com os populares, ficando ferido um oficial do TLPS (Timor-Leste Police Service) e o popular que o atacou. Uma semana depois, em 25 de Novembro, uma pequena multidão, incluindo ex-membros das FALINTIL, atacou e saqueou o quartel da polícia de Baucau. Da troca de tiros havida resultou a morte de um timorense (Calisto Belo) e vários feridos. Nalgumas outras localidades ocorreram também incidentes, embora não tão graves como o de Baucau.

Enquanto internamente o Governo se encontrava sob pressão devido a estes incidentes, na imprensa Australiana apareciam notícias que lançavam dúvidas sobre a ratificação ou não (ou quando) do Tratado sobre o Mar de Timor que, em 20 de Maio, os Primeiros-Ministros da Austrália e de Timor-Leste tinham assinado. Essas dúvidas deixavam no ar a hipótese de a jovem nação ficar, por tempo indeterminado, sem acesso a quaisquer benefícios provenientes dos seus recursos petrolíferos (apesar da Austrália os continuar a receber), e, portanto, numa situação de pobreza e de dependência extremas.

Em 27 de Novembro de 2002 chegou a Dili uma delegação Australiana para negociações com o Governo Timorense sobre a exploração dos recursos do Mar de Timor. Nessas negociações, o Ministro Australiano dos Negócios Estrangeiros, Alexander Downer, furioso com a firmeza do Primeiro-Ministro Timorense, Mari Alkatiri, ameaçou por várias vezes, pôr termo às negociações. Por fim, depois de ter dado um murro na mesa afirmou:

“Nós somos muito duros. Nós não nos importamos se derem informação à comunicação social. Eu vou-lhe dar uma lição de política e não uma chance.”

Em 28 de Novembro Xanana Gusmão, em cerimónia comemorativa dos 27 anos da declaração (unilateral) da independência (28 de Novembro de 1975), fez um discurso, por muitos considerado explosivo, em que afirmou:

“Infelizmente, nota-se que, criando problemas, pode-se levar algumas pessoas a Ministro, e que essas pessoas, depois de serem Ministros, só sabem aumentar os problemas.”

(Xanana referia-se aos problemas que criou Rogério Lobato, juntamente com alguns ex-guerrilheiros que desertaram com armas, que ameaçaram perturbar as cerimónias da independência, e que levaram o Primeiro-Ministro a convidá-lo para o Governo, para evitar a perturbação das cerimónias, que tiveram lugar em 20 de Maio de 2002, e para ser melhor controlado, como explicaria Mari Alkatiri a diversas pessoas). E Xanana continuou:

“Há poucas semanas atrás, dei posse a mais um Vice-Ministro do Interior, fazendo o apelo para que aquele Ministério comece a resolver com vigor os problemas que afectam a estabilidade e a segurança do país. O facto é que os problemas têm vindo a acumular-se.”

“Se a independência é só da FRETILIN, eu não tenho nada a comentar. Se a independência é para todos nós, todos os timorenses, eu aproveito esta oportunidade para exigir ao Governo a demissão do Ministro da Administração Interna, o Sr. Rogério Lobato, por incompetência e desleixo.”

Dias depois, a polícia foi a uma escola deter um aluno que na véspera tinha esfaqueado outro jovem. A forma como a polícia forçou o aluno a sair da sala, onde estava a fazer uma prova de exame, foi pretexto para nova manifestação, primeiro contra a polícia, mas logo a seguir, dirigida contra Mari Alkatiri, e não envolvendo apenas jovens estudantes, mas também outras pessoas, aparentemente dirigidas para objectivos específicos sem qualquer relação com a detenção do jovem estudante.

As manifestações duraram alguns dias, durante os quais as forças da polícia das Nações Unidas praticamente desapareceram das ruas de Díli, por motivos que nunca foram explicados.

Quando o Primeiro-Ministro foi exigir, ao Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, o Sr. Kamalesh Sharma, que mandasse a polícia pôr ordem nas ruas, em vez de se preocupar com a estabilidade e segurança na cidade, manifestou a sua preocupação com a segurança de Mari Alkatiri, ao qual ofereceu protecção. Mari Alkatiri ripostou que não fora isso o que o levara lá, mas sim a segurança na cidade, que competia às forças das Nações Unidas assegurar. Quanto a ele próprio, Alkatiri afirmou que, se tivesse que morrer, morreria no seu posto.

No decurso das manifestações, um grupo de populares chegou a entrar no Palácio do Governo, sendo travado pela segurança pessoal do Ministro-Adjunto do Primeiro-Ministro Português, José Luís Arnaut, que se encontrava de visita a Timor-Leste e que, nesse momento, se encontrava no Palácio em conversações com Mari Alkatiri.

Se havia a intenção de criar embaraços e pôr em risco a integridade pessoal do Primeiro-Ministro Timorense, apenas, ou deste e do governante português, também, é assunto que continua a aguardar completo esclarecimento, que o representante das Nações Unidas também nunca deu.

Perante a inércia das forças da UNMISET, que demoraram cerca de três horas a reagir, quem acabaria por impor a ordem na cidade foram as forças portuguesas, respondendo a ordens directas do Ministro português, e que se substituíram, assim, às forças das Nações Unidas.

Felizmente bastou a presença das forças portuguesas nas ruas, para restabelecer a ordem na cidade. Se estas tivessem de usar a força e acontecesse haver feridos ou mortos, a posição de Portugal tornar-se-ia muito delicada, pois a ordem do Ministro português tinha sido dada à revelia das Nações Unidas.

Curiosamente, as Nações Unidas não fizeram qualquer protesto público contra a actuação das forças portuguesas, feita à revelia do Representante Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas. Talvez o Sr. Kamalesh Sharma receasse que qualquer protesto seu viesse levantar a questão de saber porque é que não tinha posto em acção as forças sob seu comando, facilitando, assim, a acção dos mentores das manifestações.

Entretanto, em Díli, uma timorense que ajudara Xanana Gusmão a instalar-se uns dias em Darwin, aquando do seu regresso da prisão domiciliária, em Jakarta, antes deste voltar para Díli, divulgava a “notícia” de que Mari Alkatiri teria fugido, e, depois, que teria sido morto. Alguma comunicação social australiana ter-se-á feito eco destes boatos, rapidamente desmentidos por uma aparição pública do Primeiro-Ministro Timorense. Essa aparição pública, pondo fim aos boatos, evitou que a imagem de um Primeiro-Ministro cobarde (em fuga) e odiado pelo seu povo (que o teria morto) continuasse a ser divulgada por alguma comunicação social australiana, interessada em estragar a imagem de Mari Alkatiri.

Neste quadro de desordem pública, em 4 de Dezembro, a casa de Mari Alkatiri foi reduzida a cinzas. Antes do incêndio, provocado por manifestantes, um “jornalista” australiano entrou abusivamente na residência do Primeiro-Ministro onde terá vasculhado gavetas e armários à procura de documentos que o pudessem comprometer, e que não terá encontrado. Esse “jornalista” foi mais tarde expulso de Timor-Leste devido à forma como realizava o seu trabalho como espião.

Alguns dias depois a Australian Financial Review criticava a governação de Mari Alkatiri e afirmava que Xanana tinha que assumir o controlo da situação em Timor-Leste.

Mais tarde, pessoas próximas do Governo Australiano disseram que, já nessa altura, este desejava e esperava que Mari Alkatiri caísse.

Há quem admita, sem no entanto apresentar provas, que alguns altos funcionários, ou até membros do Governo de Timor-Leste poderiam estar também envolvidos. Alguns timorenses relacionam com esta crise de 2002 a saída do Governo, na primeira remodelação deste, feita em 2005, do então Secretário de Estado das Obras Públicas, César Moreira, e a saída de Director da Academia da Função Pública de Vítor Costa. Vítor Costa manteve-se no Comité Central da FRETILIN até ao Congresso do partido realizado entre 17 e 20 de Maio de 2006. Foi ele que criou o Grupo Renovador da FRETILIN, que pretendia mudar os seus estatutos e a liderança. Ambos apoiaram a pré-candidatura de José Luís Guterres à liderança da FRETILIN, em Maio de 2006.


1.2. Abril / Maio de 2005: A Manifestação da Igreja

A segunda crise teve lugar de 19 de Abril a 8 de Maio de 2005, estendendo-se ao longo de 19 longos e perigosos dias de uma manifestação comandada pela hierarquia e parte do Clero Católico Timorense.

A justificação apresentada para esta manifestação foi o anúncio, feito pelo Governo, em Novembro de 2004, de que iria fazer uma experiência pedagógica de ensino facultativo da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica, em trinta e duas escolas. Nessas escolas haveria ensino religioso apenas para as crianças cujos pais o requeressem, sendo os professores pagos não pelo estado mas pelas respectivas organizações religiosas. O Governo invocava a laicidade do estado para a experiência que tinha decidido fazer.

Poder-se-á perguntar porque é que o Governo se meteu numa guerra desnecessária com a Igreja Católica, quando tinha tantas outras coisas a fazer, nomeadamente realizar obras públicas tão necessárias e criar empregos para uma juventude sem perspectivas. Ainda por cima sabendo que foi sempre, e continua a ser, no campo educativo que a Igreja tem dado o seu melhor contributo, desde há mais de um século, para o desenvolvimento de Timor-Leste e do seu povo.

Mas também se pode perguntar se a manifestação foi por causa do ensino da disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica. De facto, esse tema depressa desapareceu, quase por completo, das reivindicações dos manifestantes, que se concentraram na exigência da demissão do (então) Primeiro-Ministro Mari Alkatiri. Alguns meios de comunicação social de Díli puseram na boca de um importante membro do Clero Timorense a referência à pretensão da Igreja de Timor-Leste de ter garantidos 2% das receitas do petróleo. Estas verbas deveriam servir para financiar as suas múltiplas obras e actividades, incluindo a criação de uma Universidade Católica de qualidade, não só para servir Timor-Leste mas também a região. Curiosamente, este projecto foi muito acarinhado pelo Primeiro-Ministro, desde o início, apesar de ser muçulmano e tão criticado pela Igreja. Mas ficou bloqueado por falta de verbas, inicialmente, por indecisão da hierarquia católica timorense, aparentemente com dúvidas sobre a sua oportunidade, depois, e, por fim, como consequência da própria crise desencadeada pela manifestação da Igreja, que provocou um arrefecimento das relações entre o Primeiro-Ministro e o principal impulsionador do projecto, do lado da Igreja, o Padre Filomeno Jacob, S. J.. Com efeito, este homem de excepcional inteligência, fluente em mais de dez línguas, com estudos feitos em universidades de vários estados europeus e doutorado pela Universidade de Oxford, ter-se-á envolvido na organização da manifestação da Igreja, e Mari Alkatiri não gostou.

No fim-de-semana de 19 e 20 de Março de 2005, um mês antes do começo da manifestação da Igreja, o Núncio Apostólico acreditado na Indonésia e em Timor-Leste, Monsenhor Malcolm Raamjiph, deslocou-se a Díli.

Nas suas homilias, quer na catedral de Díli, onde celebrou pouco depois de ter chegado, quer na que proferiu na Igreja de Atabae, no Domingo de Ramos, afirmou que Timor-Leste não pertencia aos moçambicanos (referia-se naturalmente ao Primeiro-Ministro, Mari Alkatiri, à Ministra de Estado e Administração Estatal, Ana Pessoa, à Ministra do Plano e Finanças, Madalena Boavida, e a outros membros do governo), nem aos europeus. Não disse se pertenceria aos australianos ou não. E encorajou os católicos timorenses “a confrontarem os que tentam destruir a Igreja”.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros timorense, José Ramos Horta, que enquanto a manifestação estava a ter lugar, disse, em entrevista ao jornal Público, que se tivesse que entregar o poder em Timor-Leste a alguém o entregaria à Igreja, sentiu-se na obrigação de criticar duramente as afirmações “belicosas” do Núncio Apostólico, aparentemente destinadas a “aumentar as tensões, em vez de ajudar a alcançar consensos”.

Durante a manifestação da Igreja o Embaixador dos EUA, Grover Joseph Rees, passou "acidentalmente" pela manifestação e cumprimentou o Padre Domingos Soares que a coordenava. Uma fotografia desse cumprimento foi publicada no jornal Diário e usada como sinal do apoio americano à mesma. O Embaixador insistiu, publicamente, que tinha sido um encontro fruto do acaso. Mas teve o cuidado de não ir visitar o Primeiro-Ministro, não dando assim qualquer hipótese de ser publicada uma fotografia dele a cumprimentar o Dr. Mari Alkatiri e a explicar-lhe que tinha sido mera coincidência a sua passagem pela manifestação…

Foi também no decurso desta manifestação que aconteceu um incidente que muitos consideram caricato: dois cidadãos portugueses, depois de uma noitada bem regada, enfiaram-se com o carro na zona da manifestação. A segurança própria desta pegou neles e levou-os ao Paço Episcopal da Diocese de Díli. Aí foram interrogados. Para uns, tratou-se, apenas, de um interrogatório para averiguar se teria sido acidental, ou não, a sua entrada intempestiva no recinto da manifestação; isto é, uma mera medida de precaução para despistar eventuais provocadores que pudessem alterar a natureza pacífica da manifestação. Mas outros viram nisso uma espécie de “julgamento popular”, desta feita num quadro eclesiástico, e criticaram a Igreja por admitir tais práticas no próprio Paço Episcopal.

O Presidente Xanana Gusmão, durante as três semanas que durou o conflito, procurou manter portas abertas para o diálogo com um lado e o outro. Ao fim de muitos dias de manifestação, Xanana foi ao local, onde fez apelos à calma e ao regresso a casa. No entanto, enquanto se retirava, muitos manifestantes gritaram “Xanana está connosco”. O equívoco sobre a posição de Xanana Gusmão ficou, pois, a pairar em muitas cabeças.

Porque é que o Núncio Apostólico foi a Díli naquela altura, e disse o que disse na Catedral de Díli, primeiro, e na homilia de Domingo de Ramos na Igreja de Atabae, depois? Foi enviado por potências ou interesses estrangeiros, terá sido convidado por elementos proeminentes da Igreja Timorense à procura de apoio e de um detonador para a manifestação que já se prepararia, ou foi a Díli movido pela convergência de interesses estrangeiros e timorenses, da Igreja e não só?

E porque é que o Presidente não esclareceu o equívoco, que deixou a pairar no ar, sobre a sua posição relativamente à manifestação da Igreja?

Esta manifestação contou com a participação de um elevado número de párocos e paroquianos de praticamente todo o território, que, de forma organizada e ordeira se deslocaram a Díli, aí passando alguns dias, sendo depois substituídos por outros, até ao final da mesma. Mas também houve párocos, padres e madres dirigentes de colégios, que se recusaram a promover a participação dos seus paroquianos ou alunos na manifestação, mesmo quando foram pressionados nesse sentido pelas autoridades eclesiásticas.

O Padre Juvito de Araújo, que pertenceu à CAVR (Comissão de Acolhimento, Verdade e Reconciliação), durante a manifestação da Igreja manteve o silêncio, “para salvaguardar valores mais altos como a unidade da Igreja”, mas, em 16 de Julho de 2005 dizia, no Diário de Notícias, de Díli, que “há que admitir que este episódio foi uma falha dos bispos. Não custa reconhecer que falhamos, enquanto Igreja”.

Para o Padre Juvito, a crise entre a Igreja e o Estado foi “um momento de purificação” que acabou por resultar numa “perda de liderança, tanto dos bispos como do Presidente Xanana Gusmão”.

O Bispo Ximenes Belo, ex-Administrador Apostólico de Díli e Prémio Nobel da Paz em 1996, também se demarcou da manifestação, tendo feito sucessivos apelos ao diálogo entre a Igreja e o Governo. Afirmando desconhecer as motivações dos bispos, “sempre defendi que deveriam ter congelado o decreto-lei para dar lugar ao diálogo”. (…) “o sonho que tenho é que a Igreja invista na cultura, no estudo das línguas e dos costumes. Só assim poderá reconstruir a identidade timorense”, disse o Bispo Belo, que também acrescentou que a Igreja deveria “respeitar as leis e a ordem constitucional” e tinha que abrir as suas portas a outras religiões e culturas para “conviver em harmonia com a diversidade do país”.

O Vaticano acompanhou a manifestação com preocupação, e terá criticado algumas tomadas de posição de importantes figuras da Igreja. O próprio Núncio Apostólico, Monsenhor Malcolm Raamjiph, foi removido do lugar pouco tempo depois.

Mais tarde, o Bispo de Díli, D. Alberto Ricardo da Silva declarou que a Igreja tinha organizado a manifestação porque queria dar voz ao povo.

“A princípio, havia muitas expectativas. Estávamos livres, íamos começar uma nova vida, e o Governo prometia ao povo que ia melhorar o nível de vida e ia reduzir a pobreza. Temos muito petróleo e por isso o povo poderia ter o suficiente para as suas vidas (…), mas isso não aconteceu.”

Além disso, o bispo afirmou que a corrupção aumentou muito, sobretudo no último ano. Rejeitou a acusação de que a Igreja se tivesse comportado como um partido político, mas afirmou que a Igreja não voltaria a actuar da mesma maneira no futuro.


1.3. 2006: A Crise das Forças Armadas e Polícia, e do próprio Estado


1.3.1. A segregação no seio das Forças Armadas e a divisão entre “lorosaes” e “loromonos”


Os problemas no seio das forças de segurança de Timor-Leste são tão antigos como a própria constituição destas. Trata-se de forças ainda sem tradição como instituição no quadro democrático do Estado de Direito, num país saído das cinzas e de um passado recente extremamente traumático, e, ainda por cima, rico em recursos naturais e, por isso, objecto da cobiça de poderosos interesses.

Já atrás referimos, a propósito da crise de Novembro / Dezembro de 2002, os problemas resultantes da falta de profissionalismo da Polícia e do Ministro que então a tutelava.

Em 2004 verificaram-se graves incidentes em Lospalos, envolvendo militares e polícias. Uma das conclusões de uma Comissão de Investigação então criada foi a de que alguns oficiais veteranos (ex-FALINTIL) utilizavam uma linguagem depreciativa para com os novos soldados, sobretudo os da região oeste de Timor-Leste.

Em 2005 foram expulsos 44 elementos das Forças Armadas, todos eles das regiões ocidentais, que estavam colocados em Lospalos, na ponta Leste. O motivo das expulsões foi o excesso de faltas, que terão resultado, em grande parte, das dificuldades de transporte para irem, nos fins-de-semana, às suas terras distantes, na região ocidental do país.

Em 11 de Janeiro de 2006, Xanana Gusmão recebeu uma petição assinada por militares do 1º Batalhão (Lospalos) que se queixavam da discriminação nas promoções entre “lorosaes” e “loromonos” (os timorenses da região leste e os da região ocidental de Timor-Leste, respectivamente). Imediatamente reenviou essa petição ao Ministro da Defesa, Dr. Roque Rodrigues, e ao Comandante das “FALINTIL - Forças de Defesa de Timor-Leste” (F-FDTL ou FDTL), Brigadeiro General Taur Matan Ruak, sem, no entanto, ter reunido com qualquer deles para tratar do assunto.

Em 17 de Janeiro O Brigadeiro-General Taur Matan Ruak respondeu que, estando ocupado com a mudança do Primeiro Batalhão, comandado pelo Tenente-Coronel Falur, de Lospalos para novas instalações, em Baucau, trataria do assunto logo que os problemas resultantes da mudança estivessem resolvidos.

Feita a mudança, o Comandante das F-FDTL, no entanto, embora tenha reunido com os soldados, não resolveu o assunto. Mais tarde justificaria essa irresolução com o facto de os seus homens lhe terem dito que só Xanana Gusmão poderia resolver o problema. Aparentemente, faltou-lhe a sensibilidade necessária para perceber a gravidade da questão e, sobretudo, o aproveitamento que terceiros poderiam tirar das divisões no seio do Exército para fragilizar as Forças Armadas, o Governo e o Estado, ou até mesmo para transformar Timor-Leste num estado falhado. Faltou-lhe, também, a autoridade para ultrapassar os obstáculos colocados pelos soldados para tratar o assunto.

Em 6 de Fevereiro de 2006 um grande número de militares abandonou os quartéis. Um grupo desses militares, liderado pelo Tenente Gastão Salsinha, apresentou-se, logo a seguir, ao Presidente Xanana Gusmão, ao qual terá exigido a demissão do Chefe do Estado-Maior, Coronel Lere, e do Comandante do 1º Batalhão, Tenente-Coronel Falur. No dia seguinte, em número superior a 400, formaram para o Presidente, diante do Ministro da Defesa, do Chefe do Estado-Maior e de dois Deputados, membros do Conselho de Defesa do Parlamento Nacional. O Comandante das F-FDTL, Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, embora tivesse sido convidado, não assistiu a essa formatura.

Em 16 de Março os 591 militares que abandonaram os quartéis, a maior parte dos quais eram recrutas que tinham terminado a sua formação, ficaram a saber, por uma declaração feita na televisão pelo Brigadeiro-General Ruak, que já não faziam parte das fileiras do Exército.

No dia seguinte ao seu regresso a Timor, depois de assistir à tomada de posse do Presidente da República Portuguesa, o Presidente timorense dirigiu uma Mensagem à Nação. Nessa mensagem, datada de 23 de Março de 2006, Xanana fez o historial da crise, deixando o cuidado de a resolver àqueles que tinham a competência formal para o fazerem, apesar do Ministro da Defesa ter expressado a sua falta de à-vontade para lidar com os veteranos, por nunca ter combatido nas montanhas como eles.

Nessa mensagem o Presidente afirmava que considerava incorrecta e injusta a decisão de demitir os militares (tecnicamente poderiam considerar-se desertores), mas que se curvava perante a decisão, já que tinha sido tomada por quem tinha os poderes para tal (já que o Presidente não tinha competência para reverter a decisão).

Aliás o problema dos poderes (ou melhor, da falta de poderes) do Presidente é a primeira questão que Xanana Gusmão levanta, ao lembrar que os seus poderes, em tempos de paz e enquanto não houver uma grave situação de desordem pública que ameace o Estado de Direito, se limitam à possibilidade de passar revista às forças de defesa e aos bombeiros formados em parada, nos dias das festas nacionais.

Ao dizê-lo, com um certo cinismo, Xanana Gusmão põe a nu uma questão fulcral da estruturação do Estado, tal como a configurou a Constituição aprovada pela Assembleia Constituinte, maioritariamente composta por deputados da FRETILIN.

É possível que, como Roque Rodrigues afirmou, conselheiros estrangeiros (cuja nacionalidade na altura não mencionou) tenham tido influência no despoletar do problema. Os novos recrutas tinham recebido formação de quadros portugueses, primeiro, e australianos, depois. Mas o certo é que os responsáveis formais, Coronel Lere, Brigadeiro-General Taur Matan Ruak e o próprio Ministro da Defesa, não o atalharam a tempo, não o tratando com a celeridade e o cuidado que merecia.

Xanana Gusmão também não se mostrou capaz, ou não quis usar toda a sua autoridade, informal mas real, para o fazer. Talvez por considerar que era mais importante corrigir o que considerava ser uma Constituição feita para a FRETILIN e não para um estado democrático para todos os timorenses, do que atalhar um problema que resultaria, em larga medida, desse.

Nestas circunstâncias o problema foi aumentando de proporções, com manifesto aproveitamento por parte da Austrália, que desde 2002 desejava que o Primeiro-Ministro de Timor-Leste fosse substituído.

1.3.2. Historial da crise nas Forças Armadas, feito pelo Presidente Xanana Gusmão em 23 de Março de 2006

Pela sua importância, transcrevemos, de seguida, grande parte do discurso feito em 23 de Março de 2006 pelo Presidente Xanana Gusmão, no Palácio das Cinzas. O discurso foi feito em Tétum, pelo que fizemos uma tradução livre da tradução em Inglês do mesmo.

“Caros compatriotas:”

“Eu sei que toda a gente espera que eu diga alguma coisa sobre a crise das F-FDTL (…). Algumas pessoas dizem que o Supremo Comandante só tem poder em tempo de ameaça ou de guerra. Essas pessoas estão correctas, e um pouco incorrectas também, porque em tempos de paz e de ordem, o Supremo Comandante ainda tem o poder de passar revista às forças armadas nos dias das festas nacionais tais como o 20 de Maio e 28 de Novembro, nas cerimónias realizadas no Estádio Municipal de Díli, onde os Bombeiros também alinham com as forças de segurança.”

“Por isso eu não vou usar o poder de que não sou titular, como Supremo Comandante. Por isso vou falar, apenas, como Presidente da República de Timor-Leste. De acordo com o Artigo 74º da nossa Constituição, ‘O Presidente é o símbolo e garante da unidade do Estado e do regular funcionamento das instituições democráticas.’”

“É tendo em conta este papel do Presidente da República que vou fazer algumas observações sobre o problema existente no seio das F-FDTL (…).”

“Antes de mais, eu gostaria de explicar que a decisão tomada pelo Brigadeiro-General Taur Matan Ruak ao considerar 591 soldados como civis é uma competência real sua, e não é o Presidente da República que a vai mudar. Isto é efectivamente verdade, e apelo a todos para não ficarem aborrecidos por o Presidente não ser alguém que tenta remover a competência de terceiros e que, como Supremo Comandante, se curva até ao chão perante esta decisão.”

“No entanto, como Presidente da República, eu considero que a decisão tomada pelo Brigadeiro-General foi incorrecta e, de facto, não foi justa! Como Presidente da República eu devo dizer que a minha opinião poderá ser mais objectiva do que a opinião de um Conselheiro estrangeiro para as questões legais, a trabalhar para o Conselho de Ministros, um estrangeiro a quem o Brigadeiro-General deu mais ouvidos ao tomar as suas decisões.”

“Mesmo assim, desejo informar os quinhentos e noventa e um soldados que agora se tornaram civis, de que essa foi uma decisão que foi tomada, e que significa que já não são militares, porque eu tenho que respeitar as decisões tomadas pelos vossos Chefes.”

“Caros compatriotas:”

“A todo o Povo eu quero informar que a decisão foi incorrecta, uma vez que focou mais na disciplina militar, em vez de considerar o pano de fundo e as raízes do problema existente no seio das F-FDTL.”

“Em 11 de Janeiro recebi uma petição assinada por alguns militares do 1º Batalhão, de Lospalos, apresentando a questão da discriminação ’loromonu-lorosae’ (pessoas da parte ocidental e da parte oriental de Timor-Leste) no seio das F-FDTL. Na petição afirmavam que alguns Veteranos geralmente diziam que ‘Só as pessoas da parte oriental de Timor-Leste é que foram combatentes da independência e não os da parte ocidental’ e ’se eles, os veteranos da parte oriental de Timor-Leste não tivessem lutado pela independência, os da parte ocidental nunca teriam sido recrutados para as F-FDTL’. Devido a esta descriminação, as promoções eram só para os soldados da parte oriental, e a disciplina era apenas para os soldados da parte ocidental (de Timor-Leste).”

“Eu imediatamente enviei uma cópia ao Ministro da Defesa e ao Comandante das FALINTIL-FDTL solicitando que resolvessem o assunto. Em 17 de Janeiro recebi uma resposta do Comandante das F-FDTL, Brigadeiro Taur Matan Ruak a dizer que, uma vez que o 1º Batalhão estava, nessa altura, a mudar-se de Lospalos para Baucau, estava ocupado, mas uma vez terminada a mudança, iria olhar para a questão.”

“No dia 6 de Fevereiro seguinte ouvi dizer que um elevado número de soldados tinham abandonado o quartel e se espalhavam por Díli. Em 7 de Fevereiro recebi alguns deles e pedi que no dia oito de Fevereiro todos eles se apresentassem ao Comando a fim de evitar que fossem utilizados por grupos indesejáveis na criação de problemas pelos quais pudessem ser depois responsabilizados. Todos eles vieram formar em linha, em Caicoli, e eram mais de quatrocentos. Requeri ao Ministro da Defesa para estar presente, e ele veio, mas o Brigadeiro-General recusou-se a vir e, por isso pedi ao Coronel Lere para vir na sua vez. Também requeri a dois membros do Parlamento, Paulo Assis e Gregório Saldanha, como membros do Conselho Superior de Defesa e Segurança, para estarem presentes.”

“Eu pedi ao Ministro da Defesa para olhar com atenção para o problema, mencionando que a questão de ‘Loromonu-Lorosae’ era uma questão política, e era um problema que existia, há muito, no seio das F-FDTL, e que, por isso, era preciso resolver com cuidado. Eu também lhe disse que a Comissão de Investigação criada em 2004, também se tinha apercebido dessa questão, e tinha tomado conhecimento, nomeadamente, das palavras que geralmente eram usadas pelos Oficiais Veteranos, quando se dirigiam aos novos soldados, em particular aos que eram da parte ocidental de Timor-Leste. O Ministro da Defesa [Dr. Roque Rodrigues] disse-me que não tinha coragem para chamar a atenção para os Veteranos porque tinha um complexo relacionado com o facto de nunca ter tomado parte na guerra, e por isso respeitava muito aqueles Veteranos. No entanto o Ministro até disse que, por vezes, os Conselheiros estrangeiros a trabalhar com as F-FDTL eram eles próprios quem provocava a questão.

“O Coronel [Lere] disse não acreditar que os Veteranos dissessem tais palavras, e suspeitava que os partidos políticos estariam por trás disso, em particular o Partido Democrático (PD) porque Deker, (antigo Veterano das F-FDTL da parte ocidental de TL) se tinha junto ao PD. Eu disse-lhe para não responsabilizar ninguém sem razões fundamentadas, e também lhe disse que se mais de quatrocentos soldados tinham abandonado os quartéis, isso poderia significar que alguma coisa estava errada no seio da própria instituição.”

(…)

“Pedi aos dois para considerarem com cuidado a possibilidade de readmitir os mais de quatrocentos soldados, de modo a resolver o assunto em conformidade (…) e evitar que o problema extravasasse.”

“Pedi ao Ministro da Defesa para ver que não houvesse Veteranos ou Combatentes dentro das F-FDTL, porque, como instituição do Estado, não podem ter Veteranos ou não Veteranos. Os combatentes têm que ter em mente que foram Combatentes da Liberdade ou heróis apenas até Agosto de 1999, e agora são apenas militares como quaisquer outros.”

Depois Xanana chama a atenção para a necessidade de mudar a mentalidade de modo a que as F-FDTL se tornem um corpo profissional sem ter que esperar que os Veteranos se reformem. E continuou:

“Eu também disse aos dois líderes para olharem para o problema da discriminação, primeiro, como problema político, para o qual o Estado deveria prestar atenção, e depois para o outro problema, relacionado com as promoções e a disciplina aplicada dentro da instituição, embora este também tenha que ver com a discriminação.”

“Eu também requeri aos dois MP [Membros do Parlamento] Paulo Assis e Gregório Saldanha, que fizessem parte da Comissão [de Investigação], mas o Ministro da Defesa disse que era melhor não porque podia minar a competência do Chefe do Estado-Maior. Por isso eu concordei que os dois MPs acompanhassem, como observadores, a investigação que o Chefe do Estado-Maior iria levar a cabo. Por isso não fui eu quem formou a Comissão; apenas pedi a autorização para que dois MPs acompanhassem, como observadores, a investigação que estava a ser feita.”

“Falei, durante todo o dia com as mais de 400 pessoas, pedindo-lhes para voltarem para o quartel. E, por fim, todos voltaram a fim de tomarem parte na investigação. Uma semana depois, eu ouvi dizer que tinham saído outra vez. Em 22 de Janeiro recebi outra petição, com a queixa de que, em vez de olhar para a substância da sua petição, a Comissão formada pelo Chefe do Estado-Maior das F-FDTL, perguntou quem os organizou para fazerem a petição e abandonarem os quartéis. Também mencionava que se sentiam ameaçados.”

“Recebi informação dos peticionários que dizia que queriam, novamente, ser militares, uma vez que ainda respeitavam os seus comandantes, mas que os Comandantes Veteranos tinham que se corrigir a si próprios, deixando de fazer discriminação entre ‘Loromonu-Lorosae’, entre combatentes e não-combatentes.”

“Caros compatriotas:”

“Pedi ao meu Conselheiro Militar para levar a petição ao Ministro da Defesa e ao Brigadeiro-General, que estavam de partida para a China. O Brigadeiro-General disse, zangado, ‘se eles quiserem guerra, vamos à guerra’. Também ouvi expressões tais como, ‘se mil pessoas se forem embora, outras mil virão substitui-las’. O problema é considerado muito simples, na cabeça dos líderes.”

“Caros compatriotas:”

“Por causa dos problemas de Lospalos, em 2004 formei uma Comissão e as F-FDTL também estabeleceram uma. As duas Comissões trabalharam separadamente, mas a maior parte das suas conclusões eram semelhantes:”

“Faltam muitas leis e regulamentos; a Secretaria de Estado da Defesa foi promovida a Ministério da Defesa, mas sem que se verificassem grandes melhorias, já que continua a não existir qualquer Código de Disciplina Militar, nem Lei do Serviço Militar, nem outras.”

“De facto a indisciplina começou pelos Comandantes.”

“A outra questão tem que ver com as promoções e o tratamento dos comandantes para com os novos recrutas da parte ocidental de Timor.”

“Ao fim e ao cabo, estes problemas não foram resolvidos com boa vontade, e, por isso, continuaram a existir até 2006. Portanto, o pano de fundo e as raízes do problema não teve que ver com a indisciplina mas com o mau tratamento, por parte de alguns Comandantes Veteranos, para com novos soldados e timorenses da parte ocidental.”

“Eu também disse aos dois líderes que demitir aqueles 400 soldados era uma coisa fácil de fazer. Mas a minha preocupação é: se não resolvermos correctamente o problema, sem ser pela simples demissão destas pessoas, então os jovens de ‘Loromonu’ não se candidatarão a integrar as F-FDTL, num novo processo de recrutamento. (…) E assim se criará o ambiente para as forças das F-FDTL serem só de ‘lorosaes’ (…), já que em novos recrutamentos só serão recrutadas pessoas das suas relações, ou, pior ainda, membros dos grupos de artes marciais que se juntaram a alguns partidos políticos.”

(…)

“Em muitos países, no passado, os Militares apenas sabiam como se treinarem e organizarem para lutar, na guerra. Hoje, os militares não se devem imiscuir na política, mas devem saber de política e têm que ter sensibilidade política.”

(…)

“Por fim, eu apelo aos peticionários para compreenderem que, como Comandante Supremo das F-FDTL, o meu mandato é, apenas, para passar revista aos soldados em 20 de Maio e 28 de Novembro. Por isso, se o Brigadeiro-General, seguindo a opinião do conselheiro legal do Conselho de Ministros, declarou que agora são civis, de facto vocês já são civis. O Primeiro-Ministro já disse que haveria um novo recrutamento, por isso fiquem descansados e procurem outros empregos. Para que as F-FDTL se tornem profissionais, ainda vai demorar muito tempo, porque o nosso estado só agora começou, com várias doenças e atitudes.”

O discurso é suficientemente claro para carecer de explicações.

Basta acrescentar que o Conselheiro do Governo a que o Presidente se refere é, provavelmente, o Dr. Domingos Tristão, um cidadão português a quem o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak terá perguntado o que fariam em Portugal a militares que abandonassem os quartéis. Sem medir as diferenças de contexto e sem ponderar as consequências políticas da sua resposta, o Dr. Domingos Tristão terá dito que em Portugal seriam considerados desertores.

E, quando fala de grupos marciais que aderiram a partidos, provavelmente Xanana Gusmão estará a pensar nos milhares de elementos (cerca de cinco mil) do grupo Kork, espalhados por quase todo o país, que em 2005 passaram a integrar a FRETILIN.

Segundo os jornalistas australianos David O’Shea e John Martinkus, poucas horas depois deste discurso do Presidents Xanana Gusmão jovens timorenses começaram a atear fogo a várias casas em Dili.


1.3.3. A manifestação dos militares peticionários e o início dos conflitos entre elementos das F-FDTL e da Polícia

Em 24 de Abril de 2006 começou, em Dili, uma manifestação dos peticionários, a que se juntaram cerca de cinco mil pessoas, muitas provenientes dos distritos ocidentais de Timor-Leste, solidárias com os peticionários. Nos dias seguintes a manifestação continuou, com menor número de participantes.

Em 27 de Abril, finalmente, o Presidente e o Primeiro-Ministro reúnem e falam na possibilidade de criar uma Comissão de Inquérito, ou melhor, de uma Comissão de Notáveis, de âmbito muito lato, envolvendo elementos das Forças Armadas, do Governo, da sociedade civil (um membro indicado pela hierarquia católica e outro de uma ONG timorense), para analisar o problema e sugerir soluções. Os peticionários começaram por declarar que aceitariam as recomendações da Comissão de Notáveis, tendo aceitado a liderança da mesma pela Ministra Ana Pessoa. Mas a decisão só foi comunicada ao Tenente Salsinha a 28 de Abril, a partir das 11 horas.

Mas a 28 de Abril, quando o Tenente Salsinha chegou ao local da manifestação, depois do Presidente o ter informado da criação da Comissão de Notáveis, já esta tinha saído do controlo dos peticionários. A polícia tinha desaparecido, quase completamente, da cidade. Com um telemóvel em punho, um manifestante, não peticionário, estudante de Relações Internacionais da Universidade da Paz de Dili, tinha assumido a liderança da manifestação. Ia contando os minutos que faltavam, para expirar o prazo limite fixado pelos peticionários (?) para a resolução do problema, e, pouco antes do Tenente Salsinha ter chegado ao local com notícias sobre a criação da referida Comissão, esse estudante começou a incentivar, em inglês, outros jovens, para incendiarem carros, atirarem pedras para partirem as janelas do Palácio do Governo e provocarem outros incidentes. Alguns peticionários tentaram conter os jovens manifestantes e garantir que a manifestação continuasse a ser pacífica, mas não o conseguiram. Esta tinha saído, completamente, do seu controlo. Desconhecemos se a língua inglesa usada pelo novo líder da manifestação seria, também, a língua utilizada nas chamadas telefónicas que o mesmo, aparentemente, ia recebendo.

Alguns dizem que os peticionários e os seus apoiantes estavam desarmados, enquanto se manifestaram em frente ao Palácio do Governo. Mas quando chegaram a Taci Tolu já teriam armas, incluindo metralhadoras. Há quem diga que um grupo terá sido armado por Rogério Lobato, Ministro do Interior, e outros alegam que terá sido o Chefe da Polícia que distribuiu armas. Alguns sugerem que foi o Presidente, e outros, que foi a Austrália quem manobrou por trás, factos não provados, até à data, e à espera de esclarecimento.

Nesse mesmo dia o Presidente da República, o Primeiro-Ministro e mais alguns membros do Governo encontravam-se num hotel perto do Palácio do Governo, para um almoço com que encerrava uma reunião com homens de negócios. Ouviram-se tiros. Um carro da polícia passou pelo local e anunciou que os manifestantes tinham atacado o Palácio do Governo, e rapidamente Xanana Gusmão e Mari Alkatiri foram removidos do local.

Segundo o Inspector Lino Saldanha, número três na hierarquia da Polícia, natural da zona Leste, que depois se juntará às F-FDTL, havia já um mês que se encontravam em Dili cerca de oitenta homens da Polícia da Fronteira. Eram eles que controlavam as entradas e saídas da zona de Taci Tolu onde se situa um Quartel do Exército e onde acabaria por haver violentos recontros entre militares das FDTL, de um lado, e polícias, militares peticionários e outros, e ainda apoiantes civis, do outro, com intenso tiroteio.

A razão pela qual a polícia timorense deixou de vigiar a manifestação também não é clara.

Para alguns terá sido o próprio Ministro do Interior a dar ordens para não actuar. Rogério Lobato, no entanto, acusará, em entrevista posterior ao “Expresso”, o Presidente Xanana Gusmão que, segundo ele, teria, desde longa data, uma relação directa com o Comandante da Polícia Nacional, Paulo Martins, interferindo, assim, com as ordens que o Ministro lhe transmitia. Rogério disse também, a órgãos de comunicação social timorenses, que os serviços de informações tiraram fotografias de alguns estrangeiros que suportavam as manifestações dos peticionários.

Era sabido que a relação entre Paulo Martins e Rogério Lobato nunca tinha sido boa. Mas ter-se-á tornado ainda pior, segundo diz o Chefe da Polícia, desde o momento em que o Ministro do Interior lhe terá, alegadamente, dado ordens para disparar sobre a manifestação da Igreja, em Abril de 2005, coisa que o Chefe da Polícia se recusou a fazer sem primeiro receber uma ordem escrita nesse sentido.

Mas, em 28 de Abril, quem estava a coordenar as operações da Polícia em Dili era o número dois da hierarquia, o Subcomissário Ismael Babo. Tendo 500 polícias disponíveis, apenas destacou 85 para a manifestação. Babo, que é de Ermera, na região ocidental, diz ter recebido ordens directas de Rogério Lobato não para reforçar a segurança do Palácio do Governo, mas sim para levar todos os membros do Governo e do Parlamento para o Quartel-General da Polícia (Expresso de 17 de Junho de 2006), “por razões de segurança”.

No entanto, há quem ponha em dúvida que essa ordem tenha vindo do Ministro do Interior, sugerindo que poderia ter vindo do Presidente. Para aqueles que consideram esta última hipótese, a retenção (para não dizer, a detenção) dos governantes e parlamentares na sede da Polícia deixaria ao Presidente as mãos livres para qualquer actuação, quer ao nível das forças de segurança, quer ao nível do próprio Governo.

Perante a inoperância da polícia, o Primeiro-Ministro ordenou às F-FDTL que interviessem. Estas cercaram e revistaram toda a área de Taci Tolu, zona oeste de Dili, e não deixaram aí entrar, sequer, o Presidente da República, quando ele o pretendeu fazer, no dia seguinte, e os seus seguranças se viram ameaçados de ser recebidos a tiro.

Dos confrontos entretanto havidos, e que se prolongaram até ao dia seguinte, resultaram cinco mortos confirmados. A tensão em Dili tornou-se enorme. E a suspeição e conflituosidade entre polícias (aparentemente do lado dos peticionários, das regiões ocidentais) e os militares que se mantiveram nas fileiras do Exército (a maior parte, mas não todos, da Ponta Leste) também se tornaram extremamente perigosas.

A hierarquia do Exército consideraria, depois, que ao ser chamada para intervir, teria caído numa armadilha montada para diabolizar as Forças Armadas perante a população. Sabendo do desejo de Rogério Lobato, desde sempre, de ser o Comandante das Forças de Defesa de Timor-Leste, e toda a política por ele seguida, no sentido de formar sucessivas polícias, com melhores salários, fardamentos e, sobretudo, armamentos, do que o Exército, não era difícil supor que pudesse ser ele o principal arquitecto de tal armadilha.

No entanto, quem põe a hipótese de ter sido o Presidente quem deu instruções para os governantes e parlamentares serem levados para a sede da Polícia, também admite que, se as FDTL não tivessem actuado nesse dia, o Governo teria cessado funções nessa mesma ocasião.

Qual terá sido, de facto, o papel da Chefia da Polícia, do Ministro do Interior, do Primeiro-Ministro, do Presidente ou da Austrália, no desenrolar dos acontecimentos, neste dia crucial, e na perigosíssima deriva que estes tiveram, é coisa que, neste momento, não sabemos clarificar.


1.3.4. A formação de grupos armados fora do enquadramento do Estado e a agudização dos conflitos

A partir daí, a tensão entre “lorosaes” e “loromonos” toma enormes proporções, quer na cidade quer nos quartéis, e em 3 de Maio o Comandante da Polícia Militar, Major Alfredo Reinado, um homem formado pela Academia de Defesa da Austrália, em Camberra, em 2005, e que tinha vivido na Austrália durante nove anos, sai do quartel com cerca de vinte dos seus 33 homens e também 7 polícias da UIR (Unidade de Intervenção Rápida), com as respectivas armas e veículos, em direcção a Aileu. Três destes polícias voltam para o seu quartel, três dias depois, com as respectivas armas, sendo, por isso, muito elogiados por Rogério Lobato, que diz que não os castigará sem inquérito prévio (ao contrário do que aconteceu nas F-FDTL). Ao afirmá-lo está a fazer uma crítica velada à chefia do Exército.

Movidos pelo clima de insegurança e intimidação entretanto criado no Quartel-General das F-FDTL de Metinaro, junto de Dili, os majores Marcos Tilman (de Ermera) e Alves Tara (de Ainaro), ambos “loromonos”, abandonam o quartel, com homens e armamento, também em 3 de Maio, e juntam-se ao Tenente Salsinha, em 5 de Maio, em Gleno, junto de Ermera, onde está instalada uma unidade militar australiana. Nesse mesmo dia o Tenente Salsinha apela ao Presidente para demitir o Primeiro-Ministro.

Com a situação de insegurança e medo generalizada, Rogério Lobato terá, alegadamente, tomada uma medida extrema: criar grupos secretos armados para a defesa da FRETILIN e dos seus membros, nomeadamente tendo em vista a realização do Congresso da FRETILIN. Este estava previsto para os dias de 17 a 19 de Maio, e parecia que havia alguém interessado em impedir que se realizasse...

Segundo Rogério Lobato, em 8 de Maio o Primeiro-Ministro, Mari Alkatiri, recebeu-o, conjuntamente com o Comandante Rai Lós e dois dos seus homens. O comandante Rai Lós, por sua vez, afirmará mais tarde que foi recebido por Mari Alkatiri em 7 de Maio, juntamente com os seus adjuntos, Mateus dos Santos Pereira, empresário, e Leandro “Grey Arana” Lobato, Chefe de Aldeia.

Segundo Rogério Lobato tratar-se-ia de constituir uma equipa de “pisteiros”, isto é, de antigos combatentes, que, conhecendo bem o terreno, pudessem ajudar a Unidade de Reserva da Polícia, a descobrir eventuais milícias infiltradas e a combater eventuais situações de guerrilha. Mais tarde virá a falar-se da existência de mais dois grupos também alegadamente armados pelo então Ministro do Interior, Rogério Lobato, um em Ermera, e outro em Maliana.

Segundo o que o próprio comandante Rai Lós diria mais tarde ao canal da televisão australiano ABC, o seu grupo teria sido formado e armado para eliminar opositores ao Governo e peticionários.

Mari Alkatiri, que nunca negou ter-se encontrado com Rai Lós em princípios de Maio, sempre negou que se tratasse de criar grupos armados para eliminar opositores, mas sim de criar grupos que garantissem a segurança do Congresso da FRETILIN, alguns dias depois.

Quando, alegadamente, se terá apercebido de que o seu Ministro do Interior teria entregue armas de fogo a grupos de civis, terá ordenado a Rogério Lobato que os desarmasse. Mas terá constatado, nessa altura, que o seu ministro já não controlaria a situação.

De notar que a criação de grupos civis de segurança para proteger a realização de congressos e manifestações políticas, mesmo de manifestações da Igreja, é habitual, na região. Na Indonésia, e por influência indonésia em Timor-Leste também, é frequente os bairros terem seguranças civis dos próprios bairros. O normal, no entanto, é que essas estruturas civis de segurança não utilizem armas de fogo.

O Ministro Ramos Horta, entretanto, foi estabelecendo contactos com as várias partes envolvidas na crise, procurando manter portas abertas ao diálogo e diminuir tensões.

Em 12 de Maio o Primeiro-Ministro australiano, John Howard, anuncia que, embora não tenha havido qualquer pedido nesse sentido, tem já forças preparadas para intervir em Timor-Leste, caso venham a ser solicitadas. Apesar de Ramos Horta continuar a dizer que não são necessárias forças estrangeiras, a Austrália envia dois navios de guerra para junto das águas territoriais de Timor-Leste, com pessoal pronto a desembarcar.

Em 13 de Maio Ramos Horta leva o Major Reinado a casa de Xanana Gusmão. Reinado afirmara publicamente, pouco antes, que não abandonara a cadeia de comando, apenas se afastara para evitar problemas, dado que não havia condições de segurança, nem para ele nem para o povo, já que as FDTL estavam a matar o povo. O Presidente elogia a sua atitude e pede-lhe para se dirigir a Bobonaro para ajudar a acalmar a população. Para alguns analistas, a partir deste momento as forças armadas passam a ter, claramente, duas cadeias de comando, uma com sede no Governo, e outra com sede na Presidência da República.

Entretanto a casa de uma cunhada do Ministro do Interior, Rogério Lobato, é queimada, morrendo carbonizados, ela e os filhos, num total de seis pessoas.


1.3.5. O Congresso da FRETILIN e a mudança de regras de candidatura e de eleição da liderança

Apesar das dificuldades postas à sua preparação e da insegurança reinante em Dili e noutras localidades, a FRETILIN decidiu não adiar o seu Congresso.

Em 16 de Maio José Luís Guterres, Embaixador de Timor-Leste nos EUA e na ONU, e Egídio de Jesus, ex-Secretário de Estado para a Região III, declararam a sua intenção de se candidatarem aos cargos de Secretário-Geral e Presidente da FRETILIN, respectivamente. O ex-Ministro para o Desenvolvimento, Abel Ximenes, e o ex-Embaixador na Austrália, Jorge Teme, manifestaram o seu apoio à mudança na liderança da FRETILIN.

De 17 a 19 de Maio realiza-se o Congresso da FRETILIN. Nele, os delegados presentes decidem mudar as regras para a aceitação de candidaturas à liderança. Em vez da assinatura de 10% dos delegados ao Congresso, passa a ser exigida a assinatura de 20%. Além disso a eleição dos dirigentes, antes feita por voto secreto, foi mudada para eleição por braço-no-ar.

Esta última mudança foi feita por proposta de delegados com a justificação de que era a única maneira de os militantes de cada região ficarem a saber se as pessoas que elegeram como delegados votaram ou não conforme as indicações que receberam dos seus representados.

Ela é contrária à prática anterior da FRETILIN e teve como consequência imediata a desistência da candidatura alternativa de José Luís Guterres, por considerar que esta forma de votação inibia uma expressão, livre de pressões, dos eleitores.

A candidatura única de Lu Olo (como Presidente) e Mari Alkatiri (como Secretário-Geral) recebeu o voto quase unânime dos delegados presentes (97%). No entanto, para muitos, veio mostrar uma imagem pouco democrática da FRETILIN, numa altura em que era importante dar um sinal exactamente de sinal contrário a esse.

Xanana Gusmão afirmaria, depois, que essa forma de votação contrariava a lei aprovada em 2004, que exigiria, segundo a sua interpretação, que esse voto fosse secreto.

Com efeito a alínea c) do Artigo 18º da Lei nº 3/2004, aprovada pelo Parlamento Nacional em 14 de Abril de 2004, no seu artigo 18º, sobre “Regras Democráticas”, na única alínea relativa ao modo de eleição, diz claramente:

“- c) Os titulares dos órgãos de direcção só podem ser eleitos, por voto directo e secreto de todos os filiados ou de assembleia deles representativa;”

Analisada esta expressão em Português, parece ser claro que o voto directo e secreto é exigido quer para o voto directo de todos os filiados, quer para o voto de assembleia deles (filiados) representativa.

Aliás, o normal em qualquer democracia, é que as eleições dentro dos partidos, tal como as eleições para os parlamentos, sejam sempre feitas por voto secreto.

Nessa linha, a Lei dos Partidos Políticos portuguesa (Lei Orgânica nº 2/2003 de 22 de Agosto) especifica, no seu artigo 34º, sobre o Sufrágio, que “As eleições e os referendos partidários realizam-se por sufrágio pessoal e secreto”.

Isto não quer dizer que, nas assembleias dos partidos, não possam ser aprovadas resoluções ou moções por votação de braço no ar. Mas estas não dizem respeito à eleição de pessoas.

Com base nessa interpretação Xanana Gusmão chegou, mesmo, a exigir que a FRETILIN organizasse um novo Congresso para repor a legalidade.

Não foi, no entanto esta a interpretação feita pelo Tribunal de Recurso que, segundo a mesma lei, e na falta de um Supremo Tribunal de Justiça, é a entidade competente “para os efeitos da presente lei”.

Com efeito, em 11 de Agosto foi tornada pública a decisão unânime dos três juízes do Tribunal de Recurso de Timor-Leste, de considerar a votação de braço no ar como legítima.

A argumentação apresentada parece resultar de uma leitura muito pouco consistente, e mesmo distorcida, do texto acima citado.

No entanto, se a lei timorense é interpretada como o foi pelo Tribunal de Recurso, o Parlamento Nacional e, neste, o partido maioritário, deveriam tornar mais explícita a exigência de votação secreta, sempre que se trate de eleições, fora ou dentro dos partidos, sob pena de se considerar que, também nisso, o Estado de Timor-Leste não é democrático.


1.3.6. O Major Reinado recusa a via do diálogo e, em fins de Maio, os combates entre polícias, peticionários e outros militares e grupos de civis armados, por um lado, e forças das F-FDTL, por outro, provocam mortes e grande insegurança e instabilidade

Em 21 de Maio, e a pedido do Ministro dos Negócios Estrangeiros Ramos Horta, pessoal da Embaixada dos Estados Unidos vai a Aileu para conversar com o Major Reinado, que entretanto, e na sequência do Congresso da FRETILIN, tinha endurecido posições, tentando convencê-lo a aceitar a via do diálogo. Mas o Major Reinado continua decidido a enveredar pela via da confrontação, e afirma que vai apelar à população de loromono para abandonar Dili, já que não haverá condições de segurança para aí permanecer. Comunicada esta posição ao MNE Ramos Horta, este mostra-se surpreendido e preocupado. Em telefonema posterior, Horta não consegue convencer Reinado a moderar-se. Aparentemente o Major Reinado estaria a actuar muito mais em função das instruções dos seus conselheiros australianos, do que das do Presidente ou do Ministro dos Negócios Estrangeiros timorense.

Em 22 de Maio o Major Reinado dá uma longa conferência de imprensa à televisão de Timor. Estão presentes, também, os jornais locais, a Lusa e a Agência Europeia de Informação (AEI). Nesta conferência de imprensa Reinado diz que não dialoga com criminosos, e aconselha, como na véspera tinha dito, todos os ‘loromonos’ a saírem de Dili, já que não teriam condições de segurança para permanecerem na cidade, sugerindo, assim, que estaria a planear ataques em Dili. A imprensa escrita de Dili, no dia seguinte transcreve as palavras de Reinado. Mas, a televisão não passa a maior parte da entrevista a fim de evitar o pânico e o aumento da conflituosidade que a sua divulgação poderia provocar. Além disso, uma ‘providencial’ falha da energia eléctrica em Dili torna quase impossível a sua visualização na capital.

Entretanto, em 23 de Maio é tornado público o resultado do concurso internacional para a exploração de seis blocos no Mar de Timor. A empresa italiana ENI SPA é a vencedora em cinco deles, e a India’s Reliance Industries Ltd. ganha o sexto bloco. Nenhuma empresa australiana tinha concorrido a qualquer destes blocos. A Galp, portuguesa, tinha concorrido, associada com a empresa brasileira Petrobrás, mas não foi seleccionada. Poucas semanas depois o Governo de Timor divulga publicamente o relatório completo da comissão que fez a selecção dos concorrentes, ficando assim claras, com uma transparência muito pouco habitual em todo o mundo, as razões da selecção efectuada.

Também em 23 de Maio, um grupo dirigido pelo Major Alfredo Reinado atacou uma patrulha das F-FDTL, em Fatu Ahi, Becora, junto de Dili que se aproximou dele quando estava a dar uma entrevista para o jornalista australiano David O’Shea. Do combate havido, iniciado pelo Major Reinado e testemunhado pelo referido jornalista, resultou a morte de um polícia que acompanhava a força das FDTL e de um dos homens sob o comando do Major Reinado, abatido quando as FDTL reagiram ao ataque.

Nesse mesmo dia, de manhã, funcionários da Embaixada dos EUA vão a Gleno falar com o Tenente Salsinha e com os Majores Tara e Tilman que concordam em seguir a via do diálogo. Surpreendentemente estavam também presentes dois polícias do grupo do Major Reinado, eventualmente para comunicarem com ele e lhe darem notícias do encontro com elementos da Embaixada dos EUA. No fim desse encontro o telefone toca e recebem a notícia de que o Major Reinado tinha sido atacado (ou melhor, tinha desencadeado um ataque) em Fatu Ahi. Parecia tudo bem organizado para falhar…

Em 23 de Maio o Primeiro-Ministro Australiano termina, apressadamente, na Irlanda, um périplo que o levou, também, aos Estados Unidos e Canadá. É possível que a já previsível intervenção da Austrália em Timor-Leste tenha sido abordada nas conversações com governantes desses países.

Na madrugada de 24 de Maio, o Quartel das F-FDTL, em Taci Tolu, foi atacado. Algumas fontes timorenses dizem que este ataque terá sido feito por alguns peticionários e apoiantes, incluindo ex-comandantes das FALINTIL: Cmdte. Samba Sembilan (de Liquiçá) e Cmdte Chaves (de Ermera). O Tenente Gastão Salsinha também terá participado no ataque a este quartel do Exército, juntamente com alguns civis armados. Em consequência da reacção vinda do interior do Quartel-General, o Comandante Chaves foi morto. (Nos tempos da Resistência Chaves foi o Comandante da Região III, e terá comandado o Major Gastão Salsinha).

Pouco depois, um grupo até então desconhecido, liderado pelo Comandante Rai Lós, alegadamente mandado por Rogério Lobato para Tibar (não muito longe de Taci Tolu), aparentemente com instruções para interceptar peticionários que tentassem aproximar-se de Dili, vê-se envolvido, segundo uma fonte timorense, num duro combate com uma força do Exército que tinha saído do quartel em perseguição de atacantes. Esta, ao ver o grupo fardado e armado como se fosse da Unidade Rápida da Polícia, dado o clima de desconfiança mútua entre a polícia e as F-FDTL entretanto gerado, atacou a matar, tendo abatido quatro homens de Rai Lós. Da intensa troca de tiros havida nessa altura terão resultado mais algumas vítimas, que ficaram caídas na estrada.

Segundo as mesmas fontes, uma das consequências deste grave confronto teria sido convencer Rai Lós de que teria caído numa armadilha montada pelo próprio Ministro do Interior. A partir daí teria deixado de obedecer às ordens de Rogério Lobato e, pelo contrário, terá estabelecido contactos com o Presidente Xanana Gusmão, a quem terá denunciado a criação do seu grupo armado, acusando não apenas Rogério Lobato mas também Mari Alkatiri de terem armado o grupo para eliminar peticionários e opositores.

Em entrevista a um repórter da agência australiana Dateline, o Procurador Longuinhos Monteiro confirma, no entanto, uma versão diferente, segundo a qual teria sido o próprio grupo de Rai Lós quem teria comandado o ataque às F-FDTL em Taci Tolu e iniciado o tiroteio. (David O’Shea, John Martinkus; East Timor, Downfall of a Prime Minister, 2006).

A seguir a este ataque seguem-se diversas escaramuças em vários pontos da cidade e arredores. Aliás, como que a forçar uma intervenção australiana, entre 22 e 25 de Maio tiveram lugar uma série de ataques, aparentemente coordenados, a alvos do Exército. Até a casa do General Taur Matan Ruak, Comandante das FDTL, também foi atacada a tiro, no dia 24 de Maio, quando a sua filha, de três anos e o filho, de 8 meses, se encontravam em casa com a ama. Tratou-se de mais uma clara tentativa, bem sucedida, de criar o pânico e um conflito generalizado e fora de controlo. O ambiente torna-se de tal modo tenso, e os incidentes sucedem-se a um ritmo tal que a presença de forças internacionais se torna, de facto, uma necessidade imperiosa e premente.

Em 24 de Maio o Ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste, na sequência de um acordo estabelecido entre o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro, pede ao Secretário-Geral da ONU a aprovação de uma força internacional de emergência, e pede, depois, aos governos da Austrália, da Nova Zelândia, da Malásia e de Portugal, o envio de forças para pôr cobro aos conflitos e restabelecer a paz e a segurança no país.

Em 25 de Maio o capitão Kaikeri foi morto a tiro. Era um dos homens de maior confiança do Comandante das forças timorenses. Quando Taur Matam Ruak era o Chefe das Falintil e lutava contra a ocupação indonésia, Kaikeri construiu-lhe um abrigo, por baixo da sua casa. Taur refugiou-se nesse abrigo muitas vezes, sem nunca ser denunciado, mesmo quando Kaikeri foi horrivelmente torturado para revelar o paradeiro do Comandante da Resistência Armada.

Nesse mesmo dia 25 de Maio, depois de o Comandante da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), Paulo Martins, ter abandonado o seu posto, devido ao clima generalizado de insegurança e de conflituosidade entre polícias e militares, oficiais da Polícia das Nações Unidas são chamados a mediar uma trégua a fim de que cerca de oitenta polícias, que se encontravam cercados na sede da PNTL, alguns dos quais feridos, pudessem sair em segurança.

Tendo sido obtido um acordo com o General Taur Matan Ruak, segundo o qual poderiam sair em paz, desde que desarmados, o Coronel Fernando José Reis, oficial superior português responsável pela componente militar da UNOTIL, dirigiu-se à sede da Polícia timorense desarmado. É ele próprio que relata que, quando os polícias saíram, visivelmente desarmados, e seguiam, em formatura apeada em direcção às instalações da UNOTIL, passaram em frente de um grupo de três a quatro militares das F-FDTL. Apesar da trégua acordada com o chefe máximo do Exército, um dos militares começou a disparar sobre os polícias desarmados, e outros dois seguiram-lhe o exemplo.

Foram, assim, imediatamente assassinados sete polícias timorenses, ficando feridos mais dezasseis, três dos quais viriam a morrer, pouco depois, na sede da UNOTIL. Ficaram também feridos dois polícias da ONU, um filipino e um paquistanês.

Soube-se, entretanto, que o primeiro militar a disparar, de facto não era membro do Exército, embora estivesse fardado e armado como se o fosse. Segundo os jornalistas australianos O’Shea e Martinkus o grupo que atacou os polícias timorenses era muito mais numeroso e incluiria numerosos civis. Estes jornalistas levantam a hipótese de este ataque ter sido feito para descredibilizar as F-FDTL, ao envolvê-las no assassinado de polícias desarmados, depois de um cessar fogo acordado com o Chefe das FDTL.

Mas também há quem admita que os sucessivos ataques sofridos pelos militares, por parte de diversas unidades da Polícia e peticionários, e o pânico generalizado, terão levado o Comando das F-FDTL a armar e fardar ex-combatentes, para fazer face à crise e combater unidades da polícia que pareciam apostadas em destruir o Exército de Timor-Leste, e que a partir daí, tenha perdido o controlo que antes tinha sobre os seus homens.

Depois deste gravíssimo incidente, o General Taur Matan Ruak prometeu castigar os militares nele envolvidos.


1.3.7. A chegada a Timor-Leste de militares australianos, a pedido dos Órgãos de Soberania timorenses e a demissão dos Ministros da Defesa e do Interior, primeiro, e do Primeiro-Ministro, depois

Em 25 de Maio chegam a Dili os primeiros 150 militares australianos. Xanana Gusmão assume, de facto, a coordenação das forças internacionais e reúne com o General Ken Gillespie, comandante das forças australianas. O Major Reinado afirma, acerca das forças australianas: - “Estou convosco. Estou com a Austrália.”

Se, por um lado, as forças australianas inspiram alguma confiança à população e terão posto um travão à onda de mortes que se arriscava a engrossar, por outro lado, não evitam os incêndios e pilhagens de casas, e parecem contemporizar, e mesmo pactuar, para não dizer mais do que isso, com a destruição de alvos selectivos, ligados ao poder judicial e à administração, de modo a destruir quase todos os pilares do Estado. Aliás o Primeiro-Ministro australiano apressa-se a dizer que o estado de Timor-Leste já não existe, no que é contrariado por Ian Martin, o Enviado Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas a Timor.

Em 29 e 30 de Maio reuniu o Conselho de Estado, que adoptou medidas de emergência por trinta dias (mais tarde essas medidas de emergência seriam prorrogadas por mais 30 dias) para ultrapassar a crise político-militar. No entanto, o Estado de Sítio não foi declarado. Para que o Presidente o pudesse declarar seria necessária uma autorização prévia do Parlamento Nacional. Na reunião do Conselho de Estado, na qual Xanana Gusmão exigiu que Rogério Lobato e Roque Rodrigues não participassem, o Presidente sugeriu ao Primeiro-Ministro que demitisse os Ministros do Interio e da Defesa. Este último não levantou qualquer objecção à demissão. Rogério Lobato, no entanto, afirmou que só aceitaria demitir-se se Mari Alkatiri também se demitisse. Mas, em 1 de Junho os dois ministros acabaram por pedir as suas demissões. Ramos Horta passou a assumir, também, a pasta da Defesa, além da de Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros.

Em 5 de Junho chega a Baucau o contingente português, constituído por 120 elementos da Guarda Nacional Republicana (GNR).

Em 8 de Junho mais de 1 000 manifestantes convergem para Dili e exigem que o Parlamento demita o Primeiro-Ministro no prazo de 48 horas. Nesse mesmo dia o Ministro dos Negócios Estrangeiros timorense pede às Nações Unidas que criem uma Comissão de Inquérito aos graves incidentes ocorridos em 28 e 29 de Abril e em 25 de Maio.

Em 19 de Junho, depois de regressar de uma rápida deslocação a Nova Iorque, onde explicou a situação em Timor-Leste (em 2006.06.13), Ramos Horta encontra-se com o Comandante Rai Lós em Leoleta, Liquiçá. Nesse mesmo dia o canal televisivo australiano ABC põe no ar um programa (Four Corners) com graves acusações de Rai Lós ao ex-Ministro do Interior, Rogério Lobato, e ao Primeiro-Ministro, Mari Alkatiri, sobre as armas que lhe foram dadas e as instruções que terá recebido para eliminar peticionários e opositores. Esse programa voltou a passar no dia 21.

Em 20 de Junho o Presidente da República envia uma carta ao Primeiro-Ministro, cujo assunto é - “Envio de um documentário do Programa «Four Corners»”. Nessa carta o Presidente Xanana Gusmão faz referência a esse programa, do qual envia cópia em cassete vídeo, salientando que aí são feitas “graves denúncias sobre o seu envolvimento na distribuição de armas a civis”. Nessa mesma carta o Presidente da República Democrática de Timor-Leste diz ao Primeiro-Ministro: “Ou resigna ou, depois de ouvido o Conselho de Estado, o demitirei, porque deixou de merecer a minha confiança, enquanto Presidente da República”. Nesse mesmo dia o Procurador-Geral emite um mandato de captura contra Rogério Lobato.

Em 21 de Junho reuniu o Conselho de Estado, que se mostrou muito dividido quanto à demissão de Mari Alkatiri. Xanana ameaçou demitir-se se Mari Alkatiri não se retirasse da chefia do Governo. Mari Alkatiri começou contactos com a liderança da FRETILIN, que lhe manifestou apoio à sua continuação no Governo, e o braço de ferro entre o Presidente, de um lado, e o Primeiro-Ministro e a FRETILIN, do outro, agudizou-se.

Em 22 de Junho o Presidente dirige uma “Mensagem ao Povo Amado e Sofredor e aos Líderes e Membros da FRETILIN” em que acusa a FRETILIN de querer fazer um golpe e matar a democracia e em que anuncia a sua intenção de se demitir se o Primeiro-Ministro Mari Alkatiri não se demitir. Nessa mensagem afirma que a Direcção da FRETILIN, recentemente eleita por braço no ar, “é ilegítima porque viola a Lei e a Constituição”, dando o prazo de uma semana para esta reunir em Congresso Extraordinário para proceder a uma nova eleição por voto directo e secreto, como determina a legislação feita pela própria FRETILIN.

Nesse mesmo dia Rogério Lobato é colocado em prisão domiciliária. Interrogado por um juiz, não nega a entrega de armas ao grupo de Rai Lós, e procura responsabilizar também Mari Alkatiri pela constituição e armamento desse grupo, embora negando que a esse grupo tivesse sido dada qualquer ordem para eliminar opositores.

Em 22 de Junho também reuniu a Comissão Política Nacional da FRETILIN, que reforçou o seu apoio ao seu Secretário-Geral e Chefe do Governo, lançando um apelo ao Presidente da República para fazer o possível para encontrar “uma solução que salvaguarde as instituições democráticas”.

Em 23 de Junho apoiantes de Xanana manifestam-se em Dili e pedem-lhe para não se demitir da Presidência. O Bispo de Dili faz, também, um apelo no mesmo sentido.

A reunião do Comité Central da FRETILIN, realizada em 24 e 25 de Junho continua a defender a continuação de Mari Alkatiri no cargo de Primeiro-Ministro. Mas, perante a determinação do Presidente da República, o Primeiro-Ministro acaba por apresentar a sua demissão em 26 de Junho de 2006. Nessa altura Mari Alkatiri declara-se “pronto a resignar do cargo de Primeiro-Ministro (...) para evitar a eventual resignação do Senhor Presidente da República”. Além disso mostra-se “pronto a manter com o Senhor Presidente da República diálogo no sentido de contribuir, se necessário, para a formação de um governo interino” e para “contribuir para a apresentação de um Orçamento do Estado no Parlamento Nacional”.

As manifestações de apoio a Xanana Gusmão e contra Mari Alkatiri continuam em Dili, acompanhadas pelo incêndio de instalações da FRETILIN e de casas de alguns dos seus apoiantes, nomeadamente de membros do seu Comité Central (de acordo com artigo de Loro Horta publicado no UNOTIL, Daily Media Review, em 44 de Agosto de 2006), sem que as forças internacionais, predominantemente da Austrália, as evitem.

De 29 de Junho a 1 de Julho, cerca de 15 000 membros e simpatizantes da FRETILIN manifestam o seu apoio ao partido e a Mari Alkatiri, nos arredores de Dili. Esse número depois diminui para cerca de 5 000, em Dili. Essa diminuição dever-se-á à falta de transportes, segundo o próprio Mari Alkatiri, ou ao facto de muitos apoiantes da FRETILIN quererem manifestar o seu apoio ao partido mas não à direcção da FRETILIN, segundo dizem alguns observadores locais.

Em 30 de Junho, Lu Olo, Presidente da FRETILIN, fala na necessidade dos líderes timorenses deixarem de se magoar uns aos outros: - “já todos temos demasiadas feridas”, disse.

Em 3 de Julho o Presidente Xanana Gusmão e o novo Ministro da Defesa, Ramos Horta, visitam o quartel das F-FDTL em Metinaro, reunindo com o General Taur Matan Ruak.

Em 7 de Julho o Presidente recebeu uma delegação da FRETILIN, que lhe entregou uma lista de nomes que o partido maioritário aceitaria para Primeiro-Ministro. Em 8 de Julho Xanana Gusmão nomeia Ramos Horta para Primeiro-Ministro, e dois Vice-Primeiros-Ministros, Estanislau da Silva (ex Ministro da Agricultura) e Rui Araújo (ex-Ministro da Saúde). Em 10 de Julho esta troica toma posse. Em 14 de Julho tomam posse os ministros do 2º Governo Constitucional. Todos os ministros do anterior Governo que não se demitiram continuaram a fazer parte do Governo. José Luís Guterres, ex-Embaixador nas Nações Unidas e nos Estados Unidos, que tinha manifestado a intenção de se candidatar à liderança da FRETILIN tornou-se no novo Ministro dos Negócios Estrangeiros, tomando posse em 21 de Julho, depois do seu regresso de Nova Iorque.


1.3.8. A detenção e a fuga de Alfredo Reinado da prisão de Becora, em Dili

Em 25 de Julho, um dia depois da data limite para a entrega voluntária de armas, um casal australiano informou a GNR de que o Major Alfredo Reinado e os seus homens estavam a ocupar, abusivamente, uma casa que, segundo eles, seria de um Português que estaria em Lisboa de férias. Desconhece-se quem seria esse português, ou, até, se a informação dada pelo casal australiano seria verdadeira.

Perante essa denúncia, a GNR foi à referida residência, onde encontrou muitas munições, algum equipamento militar, e algumas pistolas, mas não armas de guerra.

Na altura o Major Reinado informou que fora o Presidente quem lhe dera instruções para se instalar numa das casas que estava a ocupar, que se situava em frente ao Quartel General das forças australianas em Dili, embora ele e os seus homens tenham decidido ocupar duas outras casas junto dessa.

Dada a natureza do equipamento encontrado, terão surgido dúvidas sobre se haveria, ou não, razões para deter Reinado e os seus homens. Foram precisas cerca de sete horas de conversações, nem sempre fáceis, envolvendo membros da GNR, militares australianos, o Procurador-Geral da República, o Procurador-Geral Adjunto e o Vice-Ministro do Interior (que, entretanto, se deslocaram à Presidência da República), e outras personalidades, para finalmente ser efectuada a detenção, por militares australianos.

O Major Alfredo Reinado, em entrevista posterior, queixar-se-ia de ter sido injustamente detido, uma vez que tinha entregue as armas de guerra em seu poder, ficando, apenas com equipamento militar, cuja entrega não tinha sido exigida.

Aparentemente, Xanana Gusmão também discordaria da detenção.

Em 30 de Agosto de 2006, data do sétimo aniversário do Referendo de Autodeterminação, Alfredo Reinado e mais 56 detidos, escaparam da prisão de Becora, em Dili, pela porta principal, na hora da visita. A prisão tinha a guardá-la um reduzidíssimo número de guardas prisionais, desarmados. Ao que parece, numa rua próxima algumas viaturas esperariam Alfredo Reinado e os seus homens, para os levarem para fora do local.

O Ministro da Justiça, Domingos Sarmento, disse à estação australiana ABC que, até alguns dias antes, tinham estado forças Neo-Zelandesas a guardar a prisão. Em 26 de Agosto, abandonaram o local. Mas, segundo o Ministro, iriam ser chamadas novamente para voltar a desempenhar essas funções.

O Ministro da Defesa da Nova Zelândia, por sua vez, disse que a responsabilidade pelas prisões nunca tinha sido nem era das forças internacionais. Mas não esclareceu se a responsabilidade pela segurança junto e em torno das prisões seria ou não das forças internacionais.

Ramos Horta, acusou as forças australianas de terem responsabilidades no sucedido. À Lusa, disse que “a prisão e outros pontos críticos da cidade de Dili são da responsabilidade das forças internacionais”. À rádio australiana da ABC o Primeiro-Ministro timorense disse:

“Estou perplexo porque é que, apesar dos nossos insistentes pedidos para que houvesse forças estacionadas do lado de fora da prisão, isso não foi feito. Se houvesse uma forte segurança do lado de fora, isto poderia ter sido evitado.”

O Brigadeiro Mick Slater, comandante das forças australianas e principal responsável pela coordenação das forças internacionais, esclareceu que as suas tropas nunca tinham sido responsáveis pela gestão da prisão, e apenas providenciavam segurança externa para que não ocorresse violência externa contra os guardas da prisão.

O Ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Downer, lamentou profundamente o sucedido. Acrescentou que iria visitar Timor-Leste em 3 e 4 de Setembro. “Será uma importante visita, e, tendo em conta a fuga desses 56 prisioneiros, que é uma grande preocupação para nós, será uma oportunidade para reforçarmos o nosso apoio aos leste-timorenses.”

O Primeiro-Ministro Howard, por sua vez, disse que a Australian Defense Force (ADF) estava “furiosamente à caça desse homem (Alfredo Reinado), até porque foi grandemente através do terrível trabalho da ADF que ele foi capturado.”

Alfredo Reinado, entretanto, fez circular uma carta em que incita o povo a perder o medo de ir para as ruas manifestar-se, porque “temos o direito de remover o Governo e o Parlamento.”

Numa videocassete enviada à Lusa, depois da fuga, Reinado esclarece que não saiu para fazer uma revolta, mas porque o sistema judicial timorense é tendencioso e pretender ser julgado com justiça.

Por sua vez o Padre Martinho Gusmão, da Comissão Justiça e Paz da Diocese de Baucau, sugere que alguns dos que agora se escaparam da cadeia se considerariam injustamente punidos pelo seu papel na recente violência, na qual se teriam visto envolvidos acidentalmente. E contrapõe ao facto de que Rogério Lobato e Mari Alkatiri, “que deveriam ser considerados responsáveis, …ainda estão em liberdade.”
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1 comentário:

Anónimo disse...

Bastam estas duas afirmações de Barbedo de Magalhães:

1- “teve como consequência imediata a desistência da candidatura alternativa de José Luís Guterres”

2- ”Aliás, o normal em qualquer democracia, é que as eleições dentro dos partidos, tal como as eleições para os parlamentos, sejam sempre feitas por voto secreto (…)”

para não dar grande credibilidade a este texto. Porque nunca houve uma candidatura alternativa de José Luís Guterres mas tão somente o ANÚNCIO dessa candidatura e durante quase trinta anos a lei portuguesa dos partidos políticos, nesse aspecto EXACTAMENTE igual à lei timorense não obrigava que as eleições, dentro dos partidos fossem feitas por voto secreto mas conforme a assembleia congressual o decidisse. E com certeza que Barbedo de Magalhães não está a insinuar que o Portugal dos primeiros trinta anos pós-25 de Abril não era uma democracia.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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