segunda-feira, julho 24, 2006

Trauma para as crianças de Timor - Tradução da Margarida

Mark Dodd (The Australian)
Julho 24, 2006

Mais de 40,000 crianças de Timor-Leste estão afectadas com vários formas de stress pós-traumático – o resultado de meses de exposição à violência sangrenta de gangs que infestou a destruída capital Dili.
A responsável do Fundo das Crianças da ONU em Timor-Leste, Shui Meng Ng, disse que são urgentemente necessários programas de aconselhamento para estabilizar a saúde mental das crianças, a maioria das quais estão ainda a viver em centros temporários de refugiados em Dili.

Ms Ng disse que milhares de crianças foram apanhadas na violência recente, manipuladas por grupos políticos para cometerem violência e envolvidas na destruição de propriedade.

"A UNICEF tem vindo a observar com grande preocupação o uso abusivo de crianças nos protestos politicos, na destruição de propriedades e no uso de armas para infligir prejuízos a outros," disse.
Estiveram envolvidas crianças tão jovens como de 12 anos usando catanas num brutal ataque de gang contra um colaborador da UNICEF na Sexta-feira.

14 comentários:

Anónimo disse...

O apoio do carismático lider Xanana Gusmão à violência serviu de exemplo às crianças e jovens timorenses.

Anónimo disse...

Essa afirmação é demagógica e funciona como uma faca de dois gumes.
Por esse prisma, os assassínios em massa que encheram as valas comuns de Aileu (foi a FRETILIN, lembra-se?) em 1975, que exemplo deram às crianças e jovens timorenses de então e que agora são os adultos que em muitos departamentos governam Timor?
Quem com ferros mata.....

É claro que quem conhece estas organizações internacionais sabe que só se indignam verdadeiramente quando um dos seus é atingido. Alguém se lembra dos dois funcionários da UNHCR que foram mortos em Atambua em 2001? Caíu o Carmo e a Trindade, mas o mesmo se passava regularmente com os refugiados que lá estavam e o UNCHR não fazia o mesmo fogo de artifício. Pelos vistos a vida humana tem diferente valor dependendo de quem é ou para quem trabalha.

Anónimo disse...

A queda do Primeiro Ministro de Timor

ANTÓNIO MOTA

Em menos de quarto anos após a restauração da independência, Timor-Leste assistiu a um conflito político-militar que se arrastou desde 24 de Abril do corrente ano e sabe-se lá até quando, por que acredito que as armas ainda não foram todas entregues e as munições nunca foram; a crise militar está longe de estar resolvida, e os deslocados saberão disso, razão por que não querem sair dos respectivos campos de acolhimento. O ainda Presidente da República, digo, “ainda”, por que ele próprio criou as condições para estar hoje a mercê do n° 2 do Art° 79° da Constituição da República, desempenhou um papel fora do vulgar, mas pela negativa, ao ponto de pôr em causa o funcionamento das instituições do Estado e os altos valores de um Estado de Direito e democrático. Até a Presidência se transformou numa autêntica palhaçada (e terá funcionado como um centro privilegiado de informação para os serviços secretos australianos, sobre a situação em Timor-Leste, e quem sabe se tem sido assim desde a restauração da independência do país), especialmente devido ao comportamento de uma determinada senhora estrangeira (aquela que alegadamente foi espia da Austrália na Indonésia sob a capa de uma ONG qualquer, e que chegou a visitar Xanana quando este se encontrava recluso, não posso precisar se foi em Cipinang ou na casa-prisão em Bandung) que se achou no direito de falar sobre o estado da Nação; criticar a actuação do Mari Alkatiri, enquanto Primeiro Ministro, e exigir que o marido dela (quem será ele?) o demitisse, numa entrevista cedida aos media australianos; e de ter dado a entender que participou numa reunião entre os mais altos responsáveis do Estado timorense e o comando das “forças da ocupação”. Estas “forças da ocupação” foram as primeiras a chegar a Timor-Leste, trazendo consequências desastrosas para a população; e tudo por que S.E. o Presidente, por conveniência pessoal ou por “ordens” da sua actual mulher, a segunda e de nacionalidade australiana, decidiu solicitar a Lisboa o cancelamento de um pedido que o então PM tinha feito para o envio de militares da GNR para impor a ordem pública que se encontrava numa situação já caótica, situação essa que se deteriorou após a chegada dos amigos Australianos do PR e concidadãos da sua esposa.

Tudo o que seja do pior que alguém possa imaginar aconteceu durante essa crise. Os “homens do presidente” [assassinos, incendiários e ladrões ... res ipsa loquitur (“os factos falam por si”)], sairam à rua pela calada da noite (depois de terem participado, da parte da tarde, na manifestação pró-Xanana) para incendiar casas (dias antes morreram carbonisados na casa da família , em consequência de um crime de fogo posto, uma mãe e cinco filhos menores e não me ocorre que o PR tivesse lamentado o sucedido e condenado publicamente este acto de terror, talvez por que a senhora, ora falecida, era cunhada do Rogério Lobato) e saquear lojas e armazéns; o PR, com uma postura de ditador e ladeado pelos conhecidos desertores do exército (a propósito dos desertores, realizaram-se em 20 de Julho as cermónias fúnebres dos militares das FALENTIL-FDTL que o grupo do Reinaldo ou Reinado matou) e pelo seu “menino de coro” (o actual PM, que já deu sinais de ser um populista, e que os países da Ásia e do Sudeste Asiático não propuseram o seu nome para ser eleito o próximo Secretário-Geral da ONU) exigiu a demissão do Alkatiri do cargo de PM; acusou o executivo da FRETILIN de ter comprado votos no último congresso do partido. Note-se que a difamação não era crime à data da manifestação pro-Xanana. O Código Penal que fôra aprovado prevê que a difamação é um delito penal punível com pena de prisão. Todavia, esta peculiar cláusula mereceu a discordância do PR, razão que o levou a adiar a promulgação dessa lei estrutural de um Estado de Direito; gritou “abaixo Alkatiri”, “abaixo o Comunismo” (ele até foi Maoista! Mudou de ideias, tudo bem ou ainda bem!) e “abaixo a FRETILIN” (partido que internacionalizou o nome do PR muito antes do CNRT existir); “decretou” a ilegalidade do Comité Central da FRETILIN saído do último congresso (a fiscalização da Lei dos Partidos Políticos, Lei n° 3/2004, é da exclusiva competência do Tribunal de Recursos - n° 1 do Art° 29° do referido diploma) e, entre outros tristes episódios e retóricas, incluindo a divulgação de segredo de justiça (que é um crime!) em relação ao processo do Lobato, o PR vociferou: ou o Primeiro Ministro se demitia ou demitia-se ele.

Para ser franco, digo-vos que fiquei com a sensação de que Xanana se auto-proclamava “mito e salvador do povo”, e com a certeza absoluta de que ele me enganou, durante anos a fio, com uma falsa personalidade.

Resta-nos esperar que o sentido de Estado, pelo qual os senhores deputados da FRETILIN sempre se pautaram durante a crise, os abrigue a não utilizar a sua maioria parlamentar para nos termos da Constituição, requererem pela instrução de um processo que vise destituir Sua Excelência o Presidente da República do cargo que actualmente ocupa.

Seguiu-se o episódio da queda do Primeiro Ministro. Mari Bim Amude Alkatiri acabou por pedir a sua demissão em 26 de Junho de 2006 e foi acusado de ser um comunista. Da minha parte, nunca poderia manter-me alheio ao que sucedeu (até por que acredito que factores australianos, com o eventual conluio do PR e do MNE timorenses, contribuiram para que isso acontecesse), razão que me levou a escrever estas linhas para tentar repôr a dignidade e reconhecer publicamente o valor de um homem que, enquanto Primeiro Ministro, muito contribuiu para o desenvolvimento do país e que, embora condicionado pela situação económica, utilizou todos os meios ao seu alcance para melhorar as condições de vida do povo timorense. Graças à sua dinâmica e vontade de servir, Timor-Leste já pode dizer que tem uma estrutura do Estado (profundamente desarticulado com os acontecimentos de 1999) a funcionar, e a consciência do respeito da lei está disseminada.

Com Mari Alkatiri tivemos um Estado que procurou garantir a universalidade do acesso à educação. É de realçar que estão matriculados 246 mil estudantes do ensino não superior público e, a partir deste ano lectivo, 19 mil (e era intenção do Mari Alkatiri aumentar esse número para 75 mil, dentro de um futuro próximo) recebem uma refeição quente todos os dias, graças a um programa-piloto patrocinado pelo Programa Alimentar Mundial. No ano fiscal 2004-2005, Timor-Leste tinha 862 escolas primárias (835 no ano fiscal 2003-2004); as pré-secundárias aumentaram de 120 para 129, e as secundárias de 55 para 76. O número de professores subiu de 6667 (ano fiscal de 2003-2004) para 7792.

Com Mari Alkatiri tivemos um Estado que procurou garantir a universalidade do acesso à saúde. Na área da saúde, o executivo liderado por Mari Alkatiri tomou medidas para melhorar consideravelmente os serviços prestados à população, com os indicadores mais recentes a indicarem reduções nas taxas de mortalidade à nascença e a mortalidade infantil. Em média, Timor-Leste dispõe de um médico para cada 3.400 pessoas; e uma cama hospitalar por cerca de cada 2.400 cidadãos. Cuba deu o seu valioso contributo na área de cuidados de saúde e fez chegar ao país 250 médicos ( de um número acordado de mais de 300). Estes médicos encontram-se a trabalhar nos 13 distritos do país e constituem parte substancial do corpo docente da recém-criada Faculdade de Medicina da Universidade Nacional (recorde-se que durante a cerimónia de inauguração dessa faculdade, o PR elogiou, no seu discurso, os serviços prestados pelos médicos vindos de Cuba e saudou efusivamente a Revolução Cubana).

Com o Mari Alkatiri o Estado estava apostado em generalizar a distribuição de energia eléctrica e de água canalizada. A percentagem de população que tem acesso a água canalizada cresceu de 32,5 por cento, em 2003-2004 para 37,1 por cento ( 17 por cento em 2002), e 30,5 por cento da população já dispõe de saneamento básico.

Quanto ao Comunismo, gostaria de chamar à atenção dos ignorantes na matéria para o seguinte:

1) Com o “comunista” Mari Alkatiri no poder, tivemos políticas económicas que promoviam a privatização. São empresas privadas estrangeiras que controlam serviços de utilidade pública, tais como a eletricidade, telecomunicações, e de transportes aéreos e terrestres.

2)Com o “comunista” Mari Alkatiri no poder, a religião deixou de ser o “ópio do povo”. Os programas da rádio e da televisão estatais são mais de carácter religioso do que político ou de qualquer outra matéria.

A comunidade internacional reconheceu e elogiou o trabalho desenvolvido pelo executivo de Mari Alkatiri. Todavia, com a inveja e a luta pelo poder a graçar dentro do próprio executivo, nos partidos da oposição e até no seio da própria FRETILIN, previa-se que o pior estava para acontecer. Planeou-se um golpe palaciano para depor o Primeiro Ministro Alkatiri, o mal de todos os males aos olhos daqueles que provocaram a sua queda. Tudo começou com a contestação dos peticionários que, como se recordam, invocaram terem sido vítimas de discriminação dentro da instituição militar, alegadamente por serem da zona Loro-sae. Seguiram-se outros episódios, dos quais apenas destaco (o resto já foi dito) a declaração do PR que divide o país em Loro-sae e Loro-mono. Loro-mono a partir de Manatuto até Oécussi (note-se que Manatuto era Loro-sae quando o PR ali nasceu. Terá sido essa a via que o PR escolheu para, subtilmente, anunciar que estava do lado dos peticionários? A protecção presidencial que eles, os peticionários, começaram a gozar a partir de então, fazem-me acreditar que sim!), e a parte leste do país é Loro-sae.

Os “santos” conseguiram atingir os seus objectivos e o país acabou por perder um homem de grande valor e extremamente competente, homem esse que, desde 1975, envidou todos os esforços para conquistar a independência de Timor-Leste, hoje um Estado de Direito, democrático e soberano (até quando?) e, a partir de 2002, deu o seu melhor para construir o presente e planear o futuro do país. Os responsáveis pelo golpe terão agora de demonstrar, através de actos, para convencer os desalojados, que vivem numa situação de desespero e de insegurança, e a Nação, que o mal que fizeram ao “povo mado e sofredor” (dito pelo Presidente na manifestação pró-Xanana, quando se referia ao povo que ele, na retaguarda, sistematicamente ajudou a martirizar, à luz do “direito tribal”, desde o início da crise) foi absolutamente necessário para garantir um futuro risonho para todos os concidadãos mauberes.

http://www.jtm.com.mo/news/Hoje/02opiniao_d05.htm

Anónimo disse...

relatório da CIA sobre o mundo em 2020

The Future of Force in the Region

May 4, 2004


With the growing interdependence of economies in East Asia, security relations among nations in this area have been improved to some extent. As nations are focusing on non-traditional source of threats, e.g., trans-border terrorism, Washington’s relations with Beijing have been improved (though the US is not geographically a state in the region). Currently, South Korea’s trade volume with China has surpassed that with the US. This has also strengthened Seoul’s tie with Beijing, and will serve the stability of the Korean Peninsula positively. Another positive case is that both China and the US will participate in late May in an 18-country naval exercise initiated by Singapore and Indonesia, for disposing explosives on the high sea.

Despite the demise of the Cold War and the expanding economic interactions among the economies in East Asia, however, security relations in the region have not been improved dramatically. The tensions of the Korean peninsula remain high and North Korea’s nuclear weapons program, as so reported, have concerned all actors in the region. China’s rapid economic growth, planned to be re-quadrupled in the coming two decades, and hence the national strength this will translate into, are inevitably to be viewed as a force that will challenge the regional and possibly global balance of power. Coupled with growing push for independence of Taiwan, security relations across the Straits are increasingly intensified. Other factors in the region, such as Japan’s revamping of its constitution to allow rights of armed forces and waging a war, and Russia’s possibility to build up a brand-new armed force by 2020, are all possible to contribute to the security pattern of East Asia gradually.

As security drivers in East Asia toward 2020, the most prominent of them are likely to include:

- nuclear weapons development in the region;
- China’s growing power and its implication;
- Japan’s normalcy and ramification.

First and most pressing is the nuclear weapons development in the region. East Asia has already encompassed major nuclear weapons states: US, Russia and China. The region has also witnessed nuclear weapons development of South Korea and Taiwan. Also, it is well known that Japan has the capability to acquire nuclear weapons quickly given a political decision.

But most pressing is the nuclear weapons development in North Korea. It is understood that the North may have reprocessed all fuel rods of its Yongbyon-based nuclear reactor, providing it some 35 kg of plutonium, equivalent to at least 4 (or 8) atomic bombs assuming each Hiroshima /Nagasaki-level bomb would require 8 (or 4) kg of plutonium. It is also speculated that North Korea may have acquired some uranium enrichment capability.

Currently, a multilateral effort is being made to negotiate with North Korea to trade its abandonment of its weapons program for a number of benefits. Two rounds of “six-party” talks have been held already in Beijing and the third round is to follow likely next month. However, such negotiation is by no means to guarantee the success of the effort. North Korea could relinquish its nuclear weapons program as a result of the talk, or move on to a nuclear arsenal comparable to that of Pakistan.

Thus, North Korea’s nuclear weapons program plays a driver of security situation in East Asia. Depending who is in the White House and how Washington-Pyongyang plays the game of action-reaction, such weapons development could lead to various possibilities:

- North Korea gives up nuclear weapons program;
- The North keeps its weapons program, stimulating proliferation in the area;
- The US eventually accepts it, and restrains its allies to follow suit;
- The US could not tolerate this and launches an attack.

Though North Korea’s nuclear weapons program could drive regional security to various destinations, none of the outcomes would be ideal if the North would not abandon its program: it could be a war between the US and the North, possibly involving US allies and other players in East Asia, or could be a pure proliferation under the most “peaceful” circumstance.

As a security driver in East Asia, basically the regional situation will be clear in about five years: either North Korea commits nuclear disarmament that is inducive to regional stability, or refuses to do so, forcing the US to accept the fait accompli, or to launch a counterproliferation offensive. Therefore, the picture in 2020 due to this driver shall be relative clear by the end of this decade.

Even so, there is reason to extrapolate a future of 2020 when North Korea, if it continues to exist, will have removed its nuclear weapons for a number of reasons: all regional actors don’t welcome its going nuclear; its security relations with China provide it with assurance; the US government may have met North’s demand in quid pro quo of its nuclear abandonment; grim economic opportunity with external world given a nuclear arsenal.

The second driver of military development in the region out to 2020 is China’s growth. Since 1978, China has dramatically grown economically, with GDP growth per annum at over 8% in average. Though it is GDP per capita is still way behind, China’s overall economic strength has reached the level of some G7 members. In terms of purchasing power parity (PPP), China is one of the leading economies in the world already.

Plus its economic target of further quadrupling of output by 2020, China’s growth pace will allow it to have an economic share in the world from current 3% to possibly 8-9% in the next twenty years. This will place China in the top leading economies in the world, even without the PPP consideration.

This also indicates that China’s defense expenditure will rise from current $25 billion to $100, assuming defense budget grows in commensurate with China’s economic growth. Such a budget by 2020 is just a quarter of that of the US at this time, but two times as big as that of current Japan.

Such drastic re-shaping of world economic and military landscape indicates a shift of balance of power in China’s favor. Other states will subsequently meet the quandary: how to welcome China bidding farewell to poverty while sustaining status quo of the world?

Leadership in Beijing has noticed this consequence, and has recently advocating a theory of “peaceful rise”. It is argued that China’s rise is of its legitimate rights, and is for peaceful purpose. It is explained that both the process and outcome of China’s rise shall be peaceful. Such explanations are helpful as they help reduce the apprehensions of other nations, and remind Beijing that even the exercise of legitimate rights may not be always productive.

As many have noted, China is indeed moving toward a revisionist country: a country that preserves status quo. On Korean peninsula, China is now the most prominent actor that works on the peaceful resolution of North Korea’s nuclear weapons program. And, for the across Taiwan Straits relationship, China has noted anti-independence has been a more imminent priority than national unification. Therefore, tactically China and the US have converged their interests in maintaining the status quo there.

China’s rise and Taiwan’s inclination to independence will be entangled in the years to come. Under no circumstances one would expect mainland China relinquish its claim of demand of unification with Taiwan, while popular support to this is getting thin on the island. A contrast of both advantage, in terms of hard power, and disadvantage, in terms of Taiwan’s heart, is growing high on both ends. This complicates the regional security equation.

As the US has Taiwan Relations Act that obliges America to certain defense responsibility of Taiwan, so far the across Straits balance of power has been maintained. But as Taiwan is transforming further drifting away from the mainland, the chance of war-fighting in this area is increasing. Therefore, China’s rise and Taiwan’s move toward independence constitute another driver of military development in East Asia.

This driver will play its role of across-Straits arms race, and the unsymmetrical arms race, with sole focus on the Taiwan question, between China and the US. If the Taiwan independence will be controlled at official level, there may be no war occurring before 2020, but the race of military capability and interoperation development will be tense throughout 2020, with Taiwan gradually losing the edge. But should Taiwan declare independence in the next few years, this driver will lose its validity as by that time, the status of Taiwan may take shape as a consequence of its declaration.

One more security driver is Japan’s normalcy. From this January Japan’s Liberal Democracy Party (LDP) started debate in the party as to revise Japan’s Constitution, primarily to revise Article 9 that stipulated that Japan abandons military means for international disputes and possesses no armed forces. This issue was submitted to the Diet in February, officially starting the legal process of the revision. It is noted that currently 72% of Japan’s Diet Members support the Constitution’s revision.

At the same time, Japan’s has sent armed forces to Iraq. From 2004, Japan will build up missile defense system and revise its Defense Plan Outline that will replace its defense-orientated posture with a more aggressive overseas-mission emphasizing stance.

Japan’s adjustment reflects its strategic view of strengthening security relations with America, and hedge against China as a rising power. Its new emphasis of developing long-range delivery means as well as strategic-striking weaponry indicated Japan’s changing security perception in the region. As Japan is co-developing missile defense platform with the US, Japan inevitably will share with the US its military R&D products, breaking Japan’s long-held policy of export of weapons.

Undoubtedly, Japan’s shift of military doctrine and defense posture will affect China’s security perception. China has taken note of Japan’s revised security guideline that allows Tokyo to assist the US when the latter is engaged militarily in Japan’s “surrounding” waters. China would not assume that Japan would sit idle when the US intervenes militarily in the Taiwan question.

This cross negative security perception between China and Japan plays no constructive role in mending Beijing-Tokyo’s political trust. One would expect that the two countries would continue to expand their economic and trade relations, but remain cool in dealing with each other on political and military matters, for many years to come. Such a relationship looks unhealthy and is likely to be the reality, for the coming two decades. At least for this reason, the two Asian giants will compete in security quarter with distrust toward 2020.

In sum, security equation of East Asia by 2020 will be largely driven by three factors: North Korea’s nuclear weapons development, China’s rise and Taiwan’s independence, and Japan’s military “normalcy”. They are interacting and intertwined. Nuclear path of Pyongyang would affect choices of Tokyo, and if Japan goes officially nuclear, its alliance with Washington, and relations with other actors in the region, will be complicated. China’s rise will strategically shift the center of world power, and this course could be interrupted by Taiwan’s quest for independence. A war between Beijing and Washington for Taipei’s sake, at any time by 2020, will be hard to measure and shall be avoided. Eventually, China and Japan need to seek strategic reconciliation for their own benefits and those of the region.

By 2020, the US will be plausibly playing a balancer role in East Asia, though with more factors to complicate the assuredness of its success.

Anónimo disse...

http://www.dni.gov/nic/NIC_home.html

Governability

What is the outlook for “illiberal democracies” in East Asia – nominally democratic, but with authoritarian roots and tendencies? Has privatization and the broad retreat of the state from many public good choices made governments more stable? More accountable? More efficient? Or less so across the board?

Compared with some of the other “drivers” identified as an underlying force, which is likely to lead to systemic change in Asia, governability is a variable much more heavily dependent upon other factors both indigenous and exogenous. In that sense, it may even be conceived of more as an end result rather than a driver. For the purpose of opening the discussion, this short essay will try to point out certain key issues, which will have to be addressed before any plausible scenario can be worked out.
Until the financial crisis of 1997 broke out, Southeast Asia was regarded as a success story. Terrorism in countries such as the Philippines showed signs of abating and transitions to democracy were proceeding steadily though not without setbacks. Thailand, Cambodia, and Indonesia have now joined the states which regularly hold parliamentary or legislative elections - the Philippines, Malaysia, and Singapore. The new state of East Timor is following them. The remaining four members of ASEAN, Brunei, Laos, Burma, and Vietnam, still remain outside of politically open societies but serious concerns over governability seem to be diminishing. The elections held or to be held throughout Asia this year indicate that electoral votes will increasingly overpower the backroom politics even in countries with very short democratic history. In the formal sense of the terms defined as a “political system in which people regularly vote to elect their leaders,” democracy as a form of government is likely to stay and continue to be consolidated through revisions of electoral laws and increasingly active input made by NGOs.
The concern which increasingly moves to the foreground even in the mainstream Western political science debate since the financial crisis and after the terrorist act of September 11 seems other than that of chances for liberal democracy. The unfolding of events since that fateful day has brought the recognition that political theories and analyses which had dominated the academic discourse has side-stepped many of the vital issues of real life. How great is the correlation between democratized form of government and governability in the late-developing countries? Studies show that correlation between regime support and political stability on the one hand and the degree of democratization on the other is not always direct. In the third wave democracies, the category into which most Asian democracies fall, universal suffrage and free elections came before the vestige of feudalism and colonial government was fully wiped out, the rule of law was established, and economic base was secure enough to make the exercise of individual voting rights truly meaningful.
Asia as a whole or even Southeast Asia represents such a wide diversity of cultural and political heritage and economic situation that it goes far beyond the scope of this short paper designed as a discussion leader to address the issue of governability fairly. Singapore may not be the freest country in the region yet in terms of governability and the quality of living as an indicator of continued regime support, it ranks above others. Its laws might be harsh but the firmly established rule of law makes it possible to achieve great economic success and social stability. In a different case, South Korea, which has garnered great successes in democratizing its political system as well as developing the economy, is experiencing a period of fresh political turmoil and a constitutional crisis of sorts because a democratically elected President was impeached by a democratically elected National Assembly and the disgruntled masses took to the streets again.
It is assumed that democracy is conducive to economic prosperity from the experience of the first world. But in most countries of Asia with a weak tradition of self-government, an arbitrary but strong government was often instrumental in laying the foundation of economic take-off. It remains to be seen how the governments, more democratically elected but weaker in power of mobilization, will fare in carrying out the vital mission of safeguarding national security and feeding the people. North Korea sets a doubly negative example. An undemocratic and arbitrary rule by a Communist dynasty has led to economic stagnation and near bankruptcy. Yet it has remained, beyond all expectations, amazingly stable and resilient, most probably thanks to its heavy reliance on the military.
Success or failure of democracy in Asia will depend to a large extent on the ability of the democratically elected governments to generate enough economic resources to meet the needs of the voting public and remain free from corruption. The ability to cope with the problem of shadow economy and organized crime is a closely related issue. So long as the economy was growing and the emerging middle class was able to dominate the political system becoming increasingly democratic and open, the prospect looked good. But after the financial crisis of 1997, followed by an economic down turn, most countries in Asia experienced sharper bifurcation within the national bourgeoisie, a situation, which does not bode well in terms of further development of democracy.
Some outside observers argue that fighting crime and establishing the rule of law would be a task more easily to be handled than that of developing the economy since that latter is more organically related to the tide of globalization and does not allow for much scope for independent action within a national sovereign entity. Corruption and crime at the lower levels might fall into that manageable category. But much of the more serious cases of corruption, perceived as gross injustice by both voters and those who choose to stay outside of the political system altogether, thereby seriously undermining the governability, is linked to the larger process of globalization. Faced with forces of globalization, the choice left for the national leaders, even if democratically elected, is only that of choosing the least evil of the bad alternatives being offered. Thus any discussion on the stability of regimes and the future of democracy in Asia has to address the issue of globalization and its economic and social impact on this part of the world as a whole and on particular countries involved individually.
With the collapse of the Soviet Union, Marxian analyses and the dependency theory seem to lose much of their influence. But in the aftermath of the economic crisis of 1997 and the spread of terrorism throughout the world, they seem to attract fresh attention. In working out a possible scenario for the future development of Asia, one ignores at one’s peril the unexhausted appeal such theories still hold to the nationalistically minded intellectual communities in Asia. The memories of colonial past and fear of a new upsurge of imperial domination are forces much more deeply imbedded in the psyche of the people than is often suspected. Critique of neo-liberalism is as fashionable as criticism of capitalism was in the earlier decades in the formerly colonized countries. Once a viewpoint gains a foothold in the intellectual community with proclivities for political activism, its mass dissemination is much faster than before thanks to the ICT revolution which is also coming to Asia.
On the surface, the Third World movement launched at Bandung seems to have been abandoned in favor developmentalism and movement for democracy. But the anti-colonial obsession and solidarity which had motivated the move has not died out. As globalization proceeds at an accelerated pace with its pressure for further privatization and weakening of the state’s capacity directly to control the economic process and thereby meet the demands of all those who feel threatened by it, governments, even when democratically elected, get caught in impossible positions. Not only those who had always lived on the economic margin but also those who had enjoyed privileges, including the military, internal security forces, industrial complexes, feel threatened by globalization.
To obviate the charge or suspicion of collusion with international capital, such governments may increasingly appeal to traditional communal values such as nationalism or religion and use critique of international capitalism and “Western” institutions in order to mobilize and maintain popular support. But such compromises will not assuage the extremist critics of globalization and world capitalist order who would insist upon seeing the government itself essentially as agents of the international capitalist order managed by the United States and other advanced countries. In a modified version of the Marxian call, “the Proletariat of the World, Unite”, such dissident groups call for international solidarity of the disadvantaged and oppressed, even downgrading the notion of national sovereignty. The movement for Islamic solidarity or world justice movement are examples which probably will become increasingly prevalent. While various civic groups take full advantage of the legal protection resulting from democratization of the national political system, they accord little regard to the rule of law or democratic form of government. In particular, the Islamic notion of government is quite different from the western notion of governance in which sovereign state remains the central axis. The fact that both the Indonesian and Thai governments were surprised to discover that there were terrorist cells in their countries only indicate the limits of democratic governance in newly emerging democracies. In such countries, for some time to come, traditional forms of social relations will persist while free elections are predicated on the assumption that individual citizens are fully autonomous and mature human beings capable of taking responsibilities for the choices they make.
In discussing the issue of governability in Asia, another important point to consider is the possibility of mass mobilization and manipulation by small determined circles of interest. With the advent of globalization, various stages of historical development, which took the advanced Western countries decades if not centuries to live through, are juxtaposed together. As familiar frames of reference are destroyed with no ready replacement, possibilities of gross misinterpretation of world-wide phenomena on sight and manipulation of public opinion by the public media and the internet are open to an extent undreamt of in the first world countries. Demagoguery find ready soil for reception when the enormous disparity in living standard and life style is displayed in vivid images abetting envy and anger.
Throughout Asia, the standard of living has risen perceptively and democratic transition means greater guarantee for human rights in general. But the sense of relative privation can easily increase rather than decrease since the benefits of rapid economic development fall unevenly both across the world spectrum and within each nation, and the disparity is readily recognizable. Especially when the influence of world financial capital becomes increasingly decisive and the competition for limited resources becomes even more intensified, even those countries in Asia which have already embarked upon the democratic path for development might find it imperative to retreat from it.
In the face of the common challenge facing Asia as a whole, some countries, like China and Japan, and possibly Singapore, will emerge as winners, or “predator” states, capable of safeguarding their economic security at the expense of others. Many more could fall on the side of “failed” states, the quality of living of whose citizens will be increasingly affected by decisions made by forces other than their democratically elected governments. In such cases, both democracy and statehood itself increasingly will be rendered meaningless. Some of these might in the end become problem states, sources of international crime and terrorism. Islam in Southeast Asia has been a characterized by tolerance and moderation. But the fact that a hard-core militantism has taken root is an indication that not all is well with democracy in Southeast Asia. Democratic development might make it an even more receptive soil for the idea of a pan-Islamic state capable of shielding itself off from the effect of globalization driven by international financial capital to take root.
The development of China is a great salutary influence for the moment in terms of security and governability in Asia. But the longer effect of the emergence of an Asian economic giant and, in particular, its impact on China’s immediate neighbors, can be unsettling as increasingly fierce competition for limited vital resources will result in straining of domestic as well as international relations. Governing a richer country is no less difficult than leading a poor country is demonstrated by the case of South Korea. Slowing down of economic growth will clearly have adverse impact on the development of political systems.
One of the wild cards clearly lies with North Korea. Most Western experts on North Korea have been unanimous in saying that the country as an economic entity is beyond repair. Yet its has used its weakness as an effective weapon in mobilizing South Korea’s public opinion on its side, greatly undermining South Korea’s own governability. The outcome of the two Koreas issue might not be of immediate concern to the countries in Southeast Asia but the opinion concerning North Korea’s nuclear threat and other problems that country represents might be a useful gauge for the deeper lying political sentiments in the region and thus an indicator for the future of democracy in the region.

Anónimo disse...

Havana, 20 de maio (RHC)-- O ministério das Relações Exteriores de
Cuba emitiu nota oficial, em nome do governo e do povo cubanos,
saudando o nascimento da República Democrática de Timor Leste, cuja
independência foi proclamada em Dili, capital dessa nação asiática.

O documento sublinha que com o surgimento dessa república, a primeira
estabelecida neste milênio, o povo timorense tem a possibilidade de
desenvolver sua cultura e interesses próprios, num clima de paz e
unidade.

Externa o desejo de Cuba de estabelecer relações oficiais com o novo
Estado asiático, e a convicção de que o desenvolvimento dos vínculos
e da cooperação entre os dois países vai contribuir decisivamente
para consolidar, ampliar e aprofundar os laços de amizade entre os
dois povos e governos.

Perante milhares de cidadãos e representantes de 90 nações, os
membros do primeiro governo de Timor Leste tomaram posse de seus
cargos. Após prestar juramento ao presidente Shanana Gusmão, o
primeiro-ministro Mari Alhatiri disse que as prioridades de sua
política nacional serão a educação, saúde, agricultura e
infra-estrutura.

Anónimo disse...

E Se o "Bandido" Fosse os EUA?

Ao aplicar o conceito de "estados bandidos" aos adversários, Washington reivindicava o direito de tomar medidas unilaterais.


Noam Chomsky

O conceito de "Estado-bandido"(1) ou Estado fora-da-lei teve, nos últimos tempos, um papel primordial na análise e na estratégia política norte-americana. O exemplo mais conhecido(2) é a crise iraquiana, que dura exatamente há 10 anos (a invasão do Kuait pelo Iraque data de 1° de agosto de 1990). Na época, Washington e Londres decretaram ser o Iraque um "Estado-bandido", que constituía uma ameaça aos seus vizinhos e aos demais países; uma "nação fora-da-lei", dirigida por uma reencarnação de Hitler, e que devia ser mantida em xeque pelos guardiães da ordem internacional: os Estados Unidos e seu fiel escudeiro britânico.

A característica mais interessante deste debate sobre os "Estados-bandidos" é precisamente nunca ter ele acontecido. As discussões ficam circunscritas a limites que impedem a formulação de uma resposta evidente: que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha devem agir de acordo com suas leis e com os tratados internacionais que assinaram.

Enquadramento legal

O enquadramento legal pertinente ao caso ê baseado na Carta das Nações Unidas, fundamento do direito internacional, e, para os Estados Unidos, na Constituição norte-americana. A Carta estipula que "uma vez constatada a existência de uma ameaça contra a paz, de uma ruptura da paz ou de um ato de agressão, o Conselho de Segurança pode decidir as medidas a serem tomadas que não impliquem o uso da força armada. Caso tais medidas se revelem inadequadas, o Conselho poderá empreender qualquer ação que julgue necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais". A única exceção admitida está no Artigo 51: "Nenhuma disposição da presente Carta causa prejuízo ao direito natural de legítima defesa, individual ou coletiva, caso um país membro das Nações Unidas seja objeto de uma agressão armada, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para, manter a paz e a segurança internacionais."

Agindo por conta própria

Existem, portanto, vias legítimas de recurso para fazer frente às diversas ameaças que pesam contra a paz mundial, e nenhum Estado tem autoridade para agir por sua própria conta, através de medidas unilaterais. Os Estados Unidos e a Grã-Bretanha não são exceções à regra, mesmo que tivessem as mãos limpas, o que está longe de ser o caso. Os "Estados-bandidos" não aceitam tais condições: como o Iraque de Saddam Hussein, por exemplo, ou os Estados Unidos. Dessa forma, por ocasião do primeiro confronto com o Iraque, a atual secretária de Estado Madeleine Albright, que na época era embaixadora dos Estados Unidos junto à Organização das Nações Unidas (ONU), declarou sem constrangimento ao Conselho de Segurança: "Agiremos de forma multilateral, quando pudermos, e unilateralmente, quando julgarmos necessário", pois "consideramos a área do Oriente Médio de vital importância para os interesses nacionais dos Estados Unidos."

ONU avalizou acordo de paz

Essa posição foi reiterada pela secretária de Estado em fevereiro de 1998, quando o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, se encontrava numa missão diplomática em Bagdá: "Nós lhe desejamos boa sorte, e quando ele voltar veremos se o que ele traz é compatível com nossos interesses nacionais." Quando Annan anunciou que fora alcançado um acordo com Sadam Hussein, o presidente Bill Clinton declarou, por sua vez, que se o Iraque não se conformasse - sendo Washington o único juiz da questão -, "todo o mundo compreenderia que os Estados Unidos e, assim espero, todos os nossos aliados, teríamos o direito unilateral de responder no momento, no lugar e da maneira da nossa escolha".

O Conselho de Segurança da ONU endossou por unanimidade o acordo assinado por Annan, rejeitando a exigência de Londres e Washington de serem autorizados a utilizar a força, caso o acordo não fosse cumprido. Nessa hipótese, a resolução do Conselho indicava que o Iraque se exporia "às mais graves conseqüências", sem maior precisão. O Conselho decidiu ainda permanecer no controle da situação. Nos termos da Carta das Nações Unidas, tratava-se exclusiva e tão-somente do Conselho de Segurança(3).

Senhores da guerra

Washington fez uma leitura completamente diferente desse texto, que no entanto nada tem de ambíguo. Segundo 0 embaixador William Richardson, o acordo alcançado "não impedia o uso unilateral da força" e os Estados Unidos conservavam o direito legal de atacar Bagdá quando bem entendessem. Clinton, por sua vez, declarou que a resolução do Conselho de Segurança lhe "conferia autoridade para agir" - por meios militares, precisou seu assessor de imprensa - em caso de desrespeito por parte do Iraque dos compromissos assumidos. No Congresso, certos eleitos consideraram que esta posição oficial ainda era por demais respeitosa do direito nacional e internacional. O republicano Trent Lott, por exemplo, líder da maioria no Senado, denunciou o governo de Clinton por ter "subcontratado" sua política externa "a outros" - quer dizer, ao Conselho de Segurança. Seu colega John Kerry, outrora "pomba da paz", acrescentou que a invasão do Iraque pelos Estados Unidos seria "legítima", caso Saddam Hussein "se obstinasse em violar as resoluções da ONU".

Desprezo pelo direito internacional

O desprezo pela primazia do direito está profundamente enraizado na cultura intelectual e nas práticas norte-americanas. Basta recordar, entre outros exemplos, a reação de Washington à sua condenação pela Corte Internacional de Justiça de Haia, em 1986. Os Estados Unidos foram então condenados por "uso ilegal da força" contra a Nicarágua sandinista, intimados a pôr fim às suas atividades clandestinas a serviço dos "Contra" anti-sandinistas, e ainda a pagar indenizações ao governo legal de Manágua(4). Essa decisão da mais alta instância judiciária internacional provocou um furacão de protestos nos Estados Unidos. A Corte foi acusada de ter se "desacreditado", e seu parecer, julgado indigno de ser publicado, não foi absolutamente levado em conta. Muito pelo contrário: a maioria democrata no Congresso imediatamente autorizou a liberação de novos fundos para os terroristas do "Contra". Numa declaração de abril de 1986, o secretário de Estado George Schultz havia formulado de maneira clara a doutrina norteamericana sobre a questão: "A palavra negociação é um eufemismo para capitulação, se a sobra do poder não se projeta sobre o campo de diálogo", explicou, condenando os que defendiam "meios utópicos, legalistas, tais como a mediação por terceiros, a ONU e a Corte de Haia, sem considerar na equação o elemento poder."

A "agressão interna"

O desprezo escancarado pelo artigo 51 da Carta das Nações Unidas é particularmente revelador. Tivemos um exemplo muito claro depois dos acordos de 1954 que puseram fim à primeira guerra da Indochina, conduzida pela França. Foram considerados um "desastre" por Washington, que logo se dedicou a sabotá-los: o Conselho Nacional de Segurança decidiu secretamente que "em caso de rebelião ou de subversão comunistas locais que não constituíssem ataque armado", os Estados Unidos considerariam o uso da força, inclusive contra a China, identificada como "a fonte da subversão". O mesmo documento preconizava a remilitarização do Japão e a transformação da Tailândia no "ponto focal das operações clandestinas e de guerra psicológica no Sudeste asiático"(5), especialmente na Indochina, ou seja, Vietnã(6). Posteriormente, o governo norte-americano iria dar a sua definição do conceito de agressão, incluindo o "combate político ou a subversão" - entenda-se: por parte de outros países, que não eles próprios. E o artificio utilizado pelo senador democrata Adlai Stevenson, que invocou uma "agressão interna" para justificar a escalada militar do presidente John Kennedy que iria levar a um ataque de grande envergadura no Sul da península e, conseqüentemente, à longa guerra do Vietnã. Para justificar diante do Conselho de Segurança a invasão do Panamá por tropas norte-americanas em dezembro de 1989, o embaixador Thomas Pickering invocou o artigo 51 da ONU: tratava-se, segundo ele, de impedir que o território desse país "fosse utilizado como base para. o tráfico de drogas destinadas aos Estados Unidos". Entre a "opinião esclarecida" ninguém contradisse essa interpretação.

O direito à "legítima defesa"

Em junho de 1993, o presidente Clinton alcançou grande sucesso no Congresso e na imprensa quando ordenou um ataque de mísseis contra o Iraque, ataque que deixou grande número de vítimas civis. Os comentadores ficaram particularmente impressionados com o recurso de Albright ao famoso artigo 51: os bombardeios constituíam "um ato de legítima defesa contra um ataque armado", disse ela, referindo-se a uma pretensa tentativa de assassinato contra o presidente George Bush, ocorrida dois meses antes! Responsáveis pela administração, expressando-se em anonimato, informaram os jornalistas que "esse julgamento sobre a culpabilidade do Iraque baseava-se em provas e análises circunstanciais, e não em informações concretas" - o que não impediu que a imprensa saudasse com unanimidade a utilização do famoso artigo 51. Na Câmara dos Comuns, na Grã-Bretanha, o secretário de Relações Exteriores, Douglas Hurd, também defendeu esse "exercício justificado e comedido do direito à legítima defesa". Um tal balanço parece dar razão a todos os que, mundo afora, se preocupam com a existência de "Estados-bandidos", prontos a usar a força em nome de um "interesse nacional" definido somente pelos jogos de poder internos; e com a existência ainda mais inquietante de "Estados-bandidos" que se erigem em árbitros e carrascos em escala planetária.

Um "Gulag norte-americano"

O que viria, então, a ser um "Estado-bandido"? A idéia subjacente a essa formulação é que, embora terminada a guerra fria (1947-1989), os Estados Unidos conservam a responsabilidade de proteger o mundo. Mas proteger de quem? A "conspiração monolítica e impiedosa" de J. R Kennedy e o "império do mal" tão caro a Ronald Reagan já se acabaram. E preciso encontrar novos inimigos(7). Dentro do país, o medo da criminalidade - e em particular da droga - foi estimulado por "uma, série de fatores que pouco ou quase nada têm a ver com o crime propriamente dito". Essa é a conclusão da Comissão Nacional de Justiça Criminal, que cita o comportamento dos meios de comunicação, além do "modo como o Estado e a indústria privada produzem medo nos cidadãos", "explorando, com fins políticos, as tensões raciais latentes." E ressalta o preconceito racial existente na polícia e na justiça, que arrasa comunidades negras e cria um "abismo racial", colocando o país sob "O risco de uma catástrofe social". Criminologistas descrevem o resultado como um "Gulag norte-americano", um "novo apartheid", com a população carcerária atingindo, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, cerca de dois milhões de detentos, em sua maioria (!) sendo afro-americanos. O índice de presidiários negros é sete vezes maior que o de brancos, sem qualquer relação com o índice de detenções, que por sua vez não tem relação alguma com os números reais de uso ou de tráfico de drogas(8).

Teoria do louco

No exterior, os perigos seriam o "terrorismo internacional", os "narcotraficantes hispânicos" e, o mais grave de todos, os "Estados-bandidos". Um estudo secreto, datado de 1995, e tornado público recentemente graças à lei sobre liberdade de informação, delineava em linhas gerais a abordagem estratégica na aurora do novo milênio. Feito pelo Strategic Command, responsável pelo arsenal nuclear estratégico, e intitulado Essentials of Post Cold War Deterrence (Princípios básicos de dissuasão no pós-guerra fria), o estudo mostra, segundo a agência Associated Press, "como os Estados Unidos modificaram sua estratégia de dissuasão, substituindo a União Soviética pelos Estados ditos ‘bandidos’ ou ‘fora-da-lei’: Iraque, Irã, Líbia, Síria, Cuba e Coréia do Norte".

Recomenda ainda que os Estados Unidos explorem seu potencial nuclear para projetar de si uma imagem "irracional" e "vingativa" no caso de ameaça aos seus interesses nacionais. "É prejudicial nos mostrarmos como pessoas razoáveis, racionais e de sangue-frio" e, pior ainda, como respeitadores de bobagens tais como o direito e os tratados internacionais. "Que alguns elementos" do governo federal "possam parecer potencialmente loucos, incontroláveis, pode contribuir para criar ou reforçar medos e apreensões nas mentes dos nossos adversários." Esse relatório ressuscitava a "teoria do louco" de Richard Nixon: os inimigos dos Estados Unidos devem compreender que estão diante de desequilibrados, de comportamento imprevisível, e que dispõem de uma enorme capacidade de destruição. O medo os conduziria, dessa forma, a se dobrarem às vontades norte-americanas. Esse conceito havia sido desenvolvido em Israel nos anos 50 pelo governo trabalhista, cujos dirigentes "pregavam atos de loucura", como escreveu em seu diário pessoal o ex-primeiro ministro Moshe Sharett. O conceito dirigia-se então, até certo ponto, contra os Estados Unidos, que na época não eram considerados suficientemente confiáveis. Retomada pela única superpotência atual, que se considera acima da lei e sofre poucos constrangimentos por parte de suas próprias elites, temos de admitir que essa teoria coloca um sério problema ao resto do mundo.

Criando novos inimigos

Desde o começo do governo Reagan, em 1980, a Líbia foi designada como 0 "Estado-bandido" por excelência. Vulnerável e sem meios de se defender, esse país é de fato um saco de pancadas per feito. Em 1986, por exemplo, o bombardeio de Trípoli terá sido o primeiro da história programado para transmissão por televisão, ao vivo e em tempo real, para que os escreventes dos discursos do "Grande Comunicador" Reagan pudessem mobilizar a opinião da multidão em favor dos ataques terroristas de Washington contra a Nicarágua. O pretexto? O "superterrorista" Khadafi tinha "enviado 400 milhões de dólares e todo um arsenal para Manágua, com o objetivo de levar a guerra para dentro dos Estados Unidos", que exerciam seu direito de legítima defesa contra a agressão armada desse "Estado-bandido" que era a Nicarágua sandinista. Imediatamente após a queda do muro de Berlim, em 1989, que pôs fim à ameaça soviética, o governo de George Bush submeteu ao Congresso seu pedido anual de um gigantesco orçamento para o Pentágono: "Nessa nova era que se anuncia (...) o emprego de nossas forças provavelmente não envolverá mais a União Soviética, e sim, talvez, o Terceiro Mundo, onde será certamente necessária uma nova conduta e novos procedimentos." Acrescentou que os Estados Unidos deveriam manter forças consideráveis de intervenção, especialmente destinadas ao Oriente Médio, onde "as ameaças contra os nossos interesses", que exigem intervenções militares diretas, "não podem ser debitadas ao Kremlin". Ao contrário, diga-se de passagem, de uma ladainha sem fim de inverdades difundidas durante 40 anos pela propaganda norte-americana, hoje em dia mortas e enterradas.

Onda de ira contra os EUA

Na época, as ameaças contra os interesses norte-americanos também não podiam mais ser debitadas ao Iraque, uma vez que Saddam Hussein - que fazia então a guerra contra, o Irã do aiatolá Khomeini - era um amigo cortejado e parceiro comercial de Washington. Seu estatuto, porém, mudaria completamente poucos meses depois quando, em julho de 1990, interpretou mal o consentimento norte-americano para mudar à força suas fronteiras com o Kuait, entendendo-o como uma autorização para invadir todo o país(9). Ou, na perspectiva do governo Bush, para repetir o que os Estados Unidos acabavam de fazer no Panamá, em dezembro de 1989. Os paralelos históricos no entanto, nunca são exatos. Quando Washington se retirou parcialmente do Panamá, após ter instalado ali um governo-fantoche, uma onda de ira rebentou em todo o hemisfério, inclusive no Panamá. Uma onda de ira que chegou mesmo a fazer a volta ao mundo, obrigando Washington a apor seu veto a duas resoluções do Conselho de Segurança da ONU e a se pronunciar contra uma resolução da Assembléia Geral que condenava "a violação flagrante do direito internacional e da independência, da soberania e da integridade territorial dos Estados" exigindo a retirada "do corpo expedicionário norteamericano" do Panamá.

Uma terapia de choque

O que alimenta a reflexão de analistas políticos, como por exemplo Ronald Steel, que se questionava sobre o "enigma" com que se deparavam os Estados Unidos: "Como nação mais poderosa do mundo, vêem a sua liberdade de empregar a força submetida a mais constrangimentos do que qualquer outro país." Daí o êxito (temporário) de Saddam Hussein no Kuait, em agosto de 1990, em comparação com a incapacidade de Washington de impor sua vontade no Panamá. Antes do Iraque, Irã e Líbia lideravam a lista dos "Estados-bandidos". Outros, no entanto, jamais figuraram nela. A Indonésia é um bom exemplo: transformou-se de inimigo em amigo quando o general Suharto tomou o poder em 1965, ,após um banho de sangue muito aplaudido no Ocidente(10). Suharto iria rapidamente tornar-se "o nosso tipo de cara" (our kind of guy) por retomar uma fórmula do governo Clinton, enquanto cometia agressões mortais e atrocidades sem conta contra seu próprio povo. Somente nos anos 80, contam-se 10 mil indonésios mortos pelas forças da ordem, segundo o testemunho pessoal do ditador, que explica também que "deixamos os cadáveres espalhados, como uma espécie de terapia de choque."(11)

"Bandidos" bonzinhos

Mas ainda em dezembro de 1975 o Conselho de Segurança da ONU havia intimado a Indonésia a retirar "com urgência" suas tropas, que haviam invadido o Timor Leste, antiga colônia portuguesa, e pedido que "todos os Estados respeitassem a integridade do Timor-Leste, bem como o direito inalienável de seus habitantes à autodeterminação". Os Estados Unidos iriam responder a essa decisão das Nações Unidas aumentando secretamente as remessas de armas aos agressores. O então embaixador da ONU, Daniel Patrick Moynihan, se diz orgulhoso, em suas memórias, por ter tornado as Nações Unidas "totalmente ineficazes, em quaisquer que fossem as medidas que tomassem" no que se referia à Indonésia. E isso, seguindo as instruções do Departamento de Estado, "que desejava que as coisas evoluíssem como evoluíram e trabalhou para tal". Washington também aceitaria tranqüilamente o roubo do petróleo do Timor (com a participação de uma companhia norte-americana), apesar da transgressão da legalidade que isso representava e em detrimento de qualquer interpretação razoável dos acordos internacionais. A analogia entre as situações do Timor-Leste e do Kuait é bastante próxima, mas há algumas diferenças. Para falar apenas da mais evidente: as atrocidades cometidas - com a bênção norte-americana - pelo regime indonésio na ilha do Timor, ultrapassam em muito qualquer coisa atribuída ao Iraque no seu vizinho(12). Isso, porém, não fez da Indonésia, na lista de premiados estabelecida por Washington, um "Estado-bandido".

"Bandidos" desobedientes

Não foram os crimes cometidos por Saddam Hussein contra seu próprio povo, nem sobretudo a utilização - perfeitamente conhecida pelos serviços secretos norte-americanos - de armas químicas contra civis, que metamorfosearam o ditador em "monstro de Bagdá". Antes da invasão do Kuait, os Estados Unidos haviam lhe dado um apoio tão certo que até deixaram passar o ataque da força aérea iraquiana contra o navio de guerra USS Stark (que fez 37 vítimas entre os marinheiros norte-americanos), um privilégio restrito até então a Israel (no caso de seu ataque "por engano" ao USS Liberty, em junho de 1967, que deixou 34 mortos). Eles haviam coordenado com Saddam Hussein a campanha diplomática, militar e econômica que levou, em 1989, à capitulação do Irã "diante de Bagdá e Washington", como escreveu o historiador Dilip Hiro.

Tinham até encomendado a Saddam Hussein os serviços habituais de Estado vassalo: por exemplo, treinar centenas de mercenários líbios recrutados por norteamericanos para derrubar o coronel Khadafi, como revelou Howard Teicher, um ex-assessor de Reagan(l3). Se Saddam Hussein caiu para o lado dos "Estados-bandidos", foi porque saiu da linha e se mostrou desobediente, do mesmo modo que o criminoso de menor envergadura Manuel Noriega, do Panamá, cujos principais crimes foram cometidos enquanto estava a serviço - remunerado - de Washington. Cuba foi classificada na categoria por sua presumida implicação no "terrorismo internacional", mas não os Estados Unidos, que, no entanto, durante quase 40 anos, fizeram múltiplos ataques terroristas à ilha caribenha e diversas tentativas de assassinar Fidel Castro. O Sudão foi também classificado como "Estado-bandido", embora não os Estados Unidos, que em agosto de 1998 bombardearam ali uma suposta fábrica de armas químicas, que depois foi provado tratar se de uma indústria farmacêutica, como afirmavam as autoridades de Cartum...(l4) Vê-se que o conceito de "Estado-bandido", hoje em dia oficialmente abandonado, foi particularmente flexível.

Enfim, os critérios eram perfeitamente claros: um "Estado-bandido" não era simplesmente um Estado criminoso, mas um Estado que não se dobrasse as ordens dos poderosos, eles mesmos, evidentemente, poupados desta classificação difamatória.

(1)A expressão "Estado-bandido" (rougue state, em inglês)perdeu sua razão de ser – declarou o porta-voz do Departamento de Estado, Richard Boucher, - porque muitos desses países corrigiram suas condutas. Foi substituída por "Estado fonte de Preocupação" (state of concern, em inglês. Esta modificação de terminologia, no entanto, não afeta as sanções contra os referidos Estados. Cf. Le Monde, 21 junho de 2000.

(2)Ler, de Alain Gresh, "Muette agonie em Irak", Le Monde Diplomatique, julho de 1999.

(3)Ler, de Eric Rouleau, "Scenário contrarié dans le Golfe", Le Monde Diplomatique, março de 1998.

(4)Sobre a atitude dos Estados Unidos frente aos sandinistas que estavam então no poder em Manágua, ler, de Ignacio Ramonet, "La longue guerre occulte contre le Nicaragua", Le Monde Diplomatique, fevereiro de 1987.

(5)National Security Council 5429/2, Washington.

(6)Note-se que Robert Macnamara, secretário da Defesa de 1961 a 1968, avaliou recentemente que os próprios Estados Unidos, por sua tendência a agir unilateralmente e "sem respeito para com as preocupações dos outros" tinham se tornado um "Estado-bandido". Cf. Flora Lewis, "Some Learn Power´s Hard Lessons Better Than Others", The International Herald Tribune, 26 de junho de 2000.

(7)Ler, de Philip Bowring, "Rogue States are Overrated", The International Herald Tribune, 26 de junho de 2000.

(8)Ler The Real War on Crime: the Report of the National Criminal Justice Commission (dirigido por Steve Donziger), ed. Harper Collins, Nova Iorque, 1996.

(9)Ler, de Pierre Salinger e Eric Laurent, Guerre du Golfe, le dossier secret, Paris, ed. Oliver Orban, 1990.

(10)Ler "Timor-Oriental, l´horreur et l´amnésie", Le Monde Diplomatique, outubro de 1999.

(11)Citado por Charles Grass, Prospect, Londres, 1998.

(12)Ler, de Roland Pierre Paringaux, "Lourdes séquelles au Timor-Oriental", Le Monde Diplomatique, maio de 2000.

(13)The New York Times, 26 de maio de 1993.

(14)Ler, de Alain Gresh, "Guerres Saintes", Le Monde Diplomatique, setembro de 1998.

Anónimo disse...

Segunda-feira, Julho 24, 2006 8:29:39 PM Esta pessoa e estupida. Toda a raiva sem procurar saber que o victimo foi um senhor Timorense. Que pena nem saber racicionar as coisas. I foi victimo porque era de Lorosae. E ja pergunatram quem lhe ataqou. Jovems ligados ao Commandante da Policia Paulo martins, que esta sobre a porteccao aparentemente eterna do PR.

Voce nao e humano senhor ou senhora leitora. Tenat procurar justificar tudo que e a sua politica e nao pensa em pessoas. Sai da minha terra agora quem for voce. E para dizer, nao pertenco a nenhum partido, mas fico cada dia mais triste com o que os grandes fazem como o meu amigo General TMR disse a ums dias atraz.

Anónimo disse...

em atambua foram TRÊS mortos, TRÊS pessoas assassinadas barbaramente!

Dois deles eram meus amigos e nunca, nunca mesmo foi feita justiça na Indonésia.

Xanana foi lá várias vezes abraçar os assassinos timorenses - pois, saiba caro leitor que quem matou foram os "refugiados" timorenses e se passearam com as cabeças daqueles humanistas pelas ruas de Atambua.

Sabe qual foi o crime cometido por eles? - eu digo-lhe: darem de comer àqueles miseráveis integracionistas de carácter tribal e canibal em alguns casos.

Foram timorenses sim senhor, timorenses de Leste, os tais que fizeram chorar o mundo. Lágrimas sentidas por humanistas dedicadas a seres desumanos e inqualificáveis.

Anónimo disse...

Para além da globalização liberal:
Um mundo melhor ou pior?
por Samir Amin [*]
1- O futuro visto pelas potências dominantes
2- É viável o projecto europeu?
3- O Sul pode fazer recuar o imperialismo?
4- Na frente cultural: tudo em recuo
5- Reconstruir o internacionalismo dos povos perante o imperialismo
1- O futuro visto pelas potências dominantes

1- A massa de informações de todo tipo referente a todos os países do mundo colectada pela CIA é inigualável. Aquela instituição, contudo, não faz qualquer análise que se afaste da total banalidade — sem dúvida porque os seus dirigentes estão fechados nos seus preconceitos, incapazes de sair do seu mundo anglo-saxónico, e por isso mesmo sem espírito crítico e imaginação.

O relatório da CIA sobre o mundo em 2020 não imagina que os princípios da globalização liberal em vigor, qualificada de "projecto Davos", sejam postos em questão. Pois esses princípios são, para Washington e seus parceiros, indubitavelmente perfeitos. Portanto sem alternativa crível; e os que não pensam assim só podem ser seres irracionais, ou demagogos sem princípios. O liberalismo globalizado é considerado portador de um bom crescimento económico onde quer que seja seriamente aplicado. A globalização liberal é por definição feliz.

Claro que no seu sentido real este projecto que constitui "o fim da história" (para os seus defensores, claro) sofre de insuficiências geradoras de fracassos — passageiros —, engendra reacções absurdas (porque põe em causa os bons princípios do liberalismo) na origem de situações caóticas. Nesta visão "os povos", os "políticos" e os "ideólogos" são os únicos responsáveis pelos maus resultados e pelo caos, a lógica da expansão do liberalismo globalizado (ou seja, a lógica da acumulação do capital) não sendo portadora senão de benfeitoriad para todos (ou quase todos).

Estas maneiras de pensar e estas visões do mundo não não pertencem apenas às equipes de poder de Washington. Elas reproduzem um discurso dominante dos poderes na sua grande maioria, e testemunham os limites estreitos imposto pelos preconceitos nos quais são fundadas. Uma análise da realidade que aspirasse ser tão verdadeira quanto possível deve partir da colocação em causa destes preconceitos, e submeter as teses que o inspiram a uma crítica rigorosa.

Os "afastamentos" entre o mundo em 2020 visto pelo establishment dos Estados Unidos e o mundo de hoje têm apenas importância relativa. Estes "afastamentos" não se referem senão ao lugar da Ásia (China e Índia em especial) na economia mundial devido à busca de um crescimento forte para estes dois países de maior porte. Este crescimento inscrever-se-ia na globalização liberal e seria perfeitamente compatível com a continuação da liderança dos Estados Unidos. Em nenhum momento se coloca a questão de saber se este modelo poderá ser seguido indefinidamente sem que as contradições internas nos países referidos imponham bifurcações em direcções novas e imprevistas.

De resto, "nada a assinalar" ou quase.

A Europa permaneceria encerrada nas suas "impotências" (a reformar-se radicalmente no sentido liberal, a adoptar um modelo de gestão dos seus imigrados inspirado pela prática dos Estados Unidos...) e assim a sua economia seria atacada de atonia de opinião. Mas em momento algum se pensou que esta pudesse tornar-se insuportável a ponto de pôr em causa o liberalismo a níveis nacionais, pan-europeu ou nas relações com o resto do mundo. Nem se imagina que a Europa possa sair do atlantismo e da protecção dos Estados Unidos face aos terroristas que só Washington seria capaz de jugular através de guerras preventivas.

A Rússia, sempre refractária à democracia, seria incapaz de se reconstituir em potência modernizada e dinâmica, e tornar-se-ia uma potência exclusivamente petrolífera (como a Arábia Saudita). Incapacitada pela sua demografia em declínio, afundada nas relações tensas com os novos estados da Ásia Central e do Cáucaso, definitivamente separada da Ucrânia, preferiria navegar na esteira de Washington do que tentar uma aproximação com a Europa, a qual está desinteressada.

A América Latina ficaria com a vêem hoje. Crescimento no liberalismo no cone Sul e no México, avanços na direcção da integração imaginada pelo projecto de zona de comércio livre das Américas, reconhecimento neste quadro de liderança de Washington. O "vestígio do passado" (Cuba) desaparece, os sobressaltos populistas (tipo Chavez) não têm futuro, o ascenção dos indigenismos absorvível.

A África negra nunca entraria na era da indústria, incapaz de seguir os exemplos da Ásia e da América Latina. Incapacitada pela extensão da pandemia da SIDA e pela tradição de "maus governos" só registaria crescimento para a exploração das suas matérias-primas (petróleo) e — talvez — alguns produtos agrícolas.

Enfim os mundos árabe e muçulmano — do Marrocos à Indonésia — ficariam paralisados pela entrega maciça dos seus povos ao fantasma da reconstrução de um "Califado" mítico. O insucesso permanente deste projecto produziria então a instabilidade política — tornando impossível o progresso democrático — e a mediocridade das realizações económicas, sem no entanto a deriva terrorista permanente que as acompanha seja de natureza a ameaçar realmente o resto do mundo. O insucesso do terrorismo tem sempre um preço: a ocupação permanente do Iraque (de resto prevista por Washington antes mesmo da sua agressão) — e o adiar para as calendas da democracia nesse país; a não regularização do problema palestiniano! Como preço igualmente as restrições aos direitos democráticos nos países do Ocidente "civilizado".

As evoluções "prováveis" descritas acima levam à conclusão que a liderança dos Estados Unidos não será ameaçada. Nem mesmo pela Ásia triunfante, pela Europa afundada na estagnação e deste facto presa pelo atlantismo (NATO) ao carro dos Estados Unidos. A ONU continuaria o seu declínio, substituída pelo governo político do sistema mundial pelos Estados Unidos com o apoio eventual (mas não necessário) da NATO. Guerra preventiva, dever de intervenção (dita humanitária), propagação (de facto manipulação) dos direitos do homem constituiria o essencial do discurso de legitimação do novo imperialismo, em 2020 como hoje.

2- Esta imagem do futuro do mundo coloca problemas.

Este futuro é apresentado no quadro de pretensos "cenários", que na realidade se resumem à alternativa "o mundo segundo Davos" (ou seja o aprofundamento da globalização liberal, asseguram a liderança mais ou menos exclusiva dos Estados Unidos) ou o "caos". É apenas um falso contraste, pois na realidade é a perseguição do "projecto Davos" que cria o caos (as reacções "populistas" aos insucessos sociais, o terrorismo, etc.). Trata-se apenas de um único cenário: a procura do projecto liberal garantido pela liderança dos Estados Unidos e a gestão da caos pela militarização da globalização.

O establishment dos Estados Unidos (mas igualmente a maioria das forças políticas no poder no mundo actual) recusa enfrentar o contraste verdadeiro que se estabelece entre precisamente este projecto e os que corresponderiam a mudanças sensíveis nas relações de força sociais e políticas a favor das classes populares e das nações dominadas, que são de resto a condição dum recuo do "caos". De resto eles recusam igualmente examinar as chances, o alcance e as consequências duma "saída à direita" do liberalismo mundial em crise, como a que os Neo-cons dos Estados Unidos mantêm.

Nessas condições temos sem dúvida o direito de colocar as seguintes perguntas: porque os "especialistas" do governo dos Estados Unidos nos propõem uma visão do futuro tão pobre? A quem se dirigem os seus documentos? Que fins procuram? São sinceros ou encobrem o jogo?

Pela minha parte creio que o objectivo real do documento não é fazer o leitor reflectir mas pelo contrário convencê-lo de "que não há alternativa ao liberalismo globalizado e à liderança dos Estados Unidos". Os redactores são de resto provavelmente mais democratas que republicanos e embora tanto uns como os outros persigam os mesmos objectivos, os primeiros evitam cuidadosamente o estilo arrogante da equipa no poder em Washington. Estão convencidos que o capitalismo liberal globalizado pode ser "bom" para todos (ou quase) seja ele ao preço de alguns regulamentos (como a "luta contra a pobreza" o exigiria)? Estarão eles convencidos de que os Estados Unidos estão investidos de uma missão histórica e são portadores de uma mensagem de democracia para todos? Estarão convencidos de que a hegemonia de Washington é por natureza "gentil"? Ou são cínicos conscientes de que o sistema actual garante ao capital das grandes multinacionais um rendimento máximo, e que está aí a sua exclusiva preocupação, desprezando os direitos sociais das classes populares? Que não querem saber da "democracia" para os povos do Planeta? Que não hesitam a dar prioridade à pilhagem dos recursos naturais dos países submetidos ao seu protectorado para benefício único dos consumidores dos Estados Unidos?

Pela sua formação e pela sua cultura, estes indivíduos estão sem dúvida amplamente convencidos de que não há alternativa ao capitalismo, porque será "o melhor sistema possível" em termos de eficácia e de equidade, que seria o melhor a corresponder à "natureza humana", seria portador da democracia, etc. Eles e elas acreditam frequentemente na missão histórica dos Estados Unidos. Na sua maneira de "analisar" a realidade separam o objectivo da boa "económica" (na realidade reduzida à expansão de mercados) e a da boa "política" (reduzida por sua vez à democracia representativa e à boa governação). O conceito de "contradição" é estranho à sua cultura e a ideia de que as contradições do capitalismo realmente existente devem, pela própria lógica do seu desenvolvimento, agravar-se é, para eles, rigorosamente incompreensível. Os "problemas e as dificuldades" não sendo o produto da lógica do sistema, são sempre o das circunstâncias do lugar e do momento. É nesse sentido que na origem destes problemas haveria sempre uma responsabilidade dos "povos", e que as soluções poderiam ser-lhes trazidas sem sair das lógicas de princípio do sistema. Não se negará que possam existir discriminações raciais, ou relativamente às mulheres, que as exigências de uma gestão saudável do ambiente possam ser esquecidas; mas trata-se sempre de "problemas particulares", separados uns dos outros.

Esta apologia a favor da "inocência" dos responsáveis em questão não deve fazer ignorar que a sua cultura serve perfeitamente os interesses particulares promovidos pelos políticos que ela legitima. Neste sentido esta cultura pode ser lida validamente como expressão cínica dos interesses do capital dominante. E certos promotores dos políticos em questão podem perfeitamente ter suficiente lucidez para saber que são os interesses que eles defendem.

Para lá destes assuntos de moral em aparência projectam-se as carências que eu atribuiria ao encerramento dos responsáveis do establishment dos Estados Unidos na sua cultura anglo-saxónica. O texto peca por ignorância que difunde de todas as civilizações do planeta. O racismo banal em relação aos "africanos" (leia-se os "negros") e dos "hispânicos" dita largamente as conclusões respeitantes aos povos mencionados. Uma boa dose de desprezo é igualmente atribuída no que respeita à "velha Europa".

A conclusão a que chega este establishment no fim das suas "reflexões" — a saber que o mundo de 2020 não será diferente do nosso, excepto que o lugar comercial da Índia e da China será mais marcado (em detrimento da Europa, não dos Estados Unidos) — poderia parecer "plausível". Com efeito quinze anos não constituem um período suficientemente longo para imaginar as transformações qualitativas das sociedades, sobretudo quando — como é hoje o caso — nenhuma alternativa coerente e crível pelo menos na aparência (como era o caso com o modelo do socialismo no século XX) se apresenta no horizonte visível.

A minha análise do capitalismo realmente existente leva-me a uma conclusão inteiramente diferente. Este sistema — na sua forma liberal globalizada — não é viável. O caos que engendra não é "dominável" através dos meios imaginados pelas classes dirigentes do sistema. Tais meios só podem agravar este caos, rapidamente e em proporções dramáticas. O revés político e militar do Iraque, a rejeição crescente do "projecto europeu" pelos povos envolvidos, as explosões de violência (como as que agitaram em Novembro 2005 os subúrbios das cidades francesas) e muitos outros fenómenos já quotidianos o testemunham. Isto posto, não concluo que uma saída aceitável "se imporá necessariamente". O mundo de amanhã — mesmo no horizonte próximo de 2020 — será diferente do de hoje, mas não necessariamente melhor. Poderia ser igualmente pior.

Os cenários interessantes e úteis para o avanço da reflexão são portanto os que imaginam o pior e o melhor e identificam as condições da emergência.

O método e os preconceitos sobre os quais se funda a visão das classes dirigentes (e em particular o establishment dos Estados Unidos) não o permitem. Não que os julgamentos severos a respeito dos Estados (e das sociedades) tanto europeias como do terceiro mundo não sejam fundamentados. São-no, e aqueles que me proponho examinar a seguir não o são menos. Mas a severidade em si não chega. È preciso agarrar a natureza dos verdadeiros desafios com os quais as sociedades se defrontam, precisamente o que os preconceitos que caracterizam a ideologia dominante proíbem fazer.

2- É viável o projecto europeu?

1- Os discursos eufóricos que dizem respeito ao "projecto europeu" são o pão de cada dia da grande maioria dos políticos do continente, tanto da esquerda como da direita. Só, segundo parece, os extremistas do "populismo" (partilhado pela extrema direita e pela extrema esquerda) rejeitariam o projecto que não teria alternativa para o futuro dos povos respeitantes. E no entanto os indicadores de uma decepção crescente desses povos não faltam.

Pois de facto o projecto europeu é muito curioso: procura, principalmente depois do tratado de Mäestricht (1992) reduzir as margens das políticas económicas nacionais sem fazer surgir em contrapartida uma governação de substituição ao nível da União! Ou como quem diz a União Europeia funciona na realidade como a região do mundo mais perfeitamente "globalizada" no sentido mais brutal do termo (aniquilação da margem de autonomia dos Estados). O que não é de certeza o caso dos Estados Unidos, nem mesmo o de outras regiões do mundo em que o Estado, mesmo frágil e vulnerável, se mantêm em princípio senhor das suas decisões, limitado "apenas" pelas regras da OMC (estas tendo pelo menos em perspectiva igualmente o aniquilamento progressivo dos direitos e prerrogativas dos Estados). A Europa está assim, à frente do resto do mundo, no grande salto para o salto atrás.

Esta mutilação que os Estados europeus se infligiram diz respeito a todos os domínios da vida económica: já não existe na Europa nem política monetária, nem política de mudanças, nem política orçamental, nem política de emprego, nem política industrial.

O Banco Central Europeu (BCE) proíbe-se de efectuar uma política monetária qualquer, à qual ele substituiu o objectivo exclusivo da garantia da "estabilidade dos preços", pela proibição absoluta feita aos Estados de financiarem o seu défice através do recurso aos "seus" bancos centrais. Este, operando nessas condições, já não tem interlocutor público (nem os Estados, nem a União) junto dos quais seria obrigado a justificar a sua política. Esta opção deflacionista por princípio constitui um obstáculo suplementar permanente à dinamização da economia.

O BCE também não pode executar nenhuma política de activa de mudança, cujos objectivos (euro "forte" ou euro "fraco") deveriam ser definidos por um interlocutor público que já não existe. O governo dos Estados Unidos, ao contrário, conservou todas as suas prerrogativas no domínio da gestão monetária. É assim que Washington decide se o dólar será forte ou fraco, enquanto o euro só pode registar a decisão e ajustar-se a ela. Acrescentemos que o padrão dólar é de facto um padrão petro-dólar: os preços do petróleo estão fixados em dólar e os Estados Unidos actuam, pela intervenção militar se necessário (como foi o caso do Iraque), para impedir os países produtores de petróleo de oferecer o seu petróleo contra o pagamento em euro. De resto os Estados europeus tem, até agora, recusado entrar nesse jogo e "afligir" o seu amigo d'além Atlântico. Assim mutilado, o euro não pode tornar-se uma moeda internacional como o dólar.

O "Pacto de estabilidade" anunciou o fim de qualquer possibilidade de pôr em acção políticas orçamentais. Esta opção foi justificada pelo recurso a uma teoria duvidosa da equivalência da cobertura de um défice das finanças públicas por imposto ou empréstimo. Justificação de resto supérflua visto que o Pacto limitou a 3% o défice máximo autorizado e a 60% do PIB o tecto de endividamento! Nem os Estados Unidos nem qualquer outro país do mundo (excepto as semi-colónias submissas à administração do FMI!) não se infligiram uma tal mutilação, qualificada de simplesmente "estúpida", com razão, por Prodi.

A abolição por princípio de toda a forma de política industrial nacional (sob o pretexto de que a "competição" transparente — ou seja, sem protecção ou subvenção — implica a alocação mais eficaz dos investimentos) e de toda a política de emprego, abandonada apenas às leis do mercado (supondo-se que a flexibilidade resolva os problemas!), reforçada pelo desmantelamento dos serviços públicos e pelas privatizações, não foi compensada — ainda que parcialmente — por políticas comunitárias. Na ordem do dia não existe nem a "Europa industrial" nem a "Europa social". Deste ponto de vista aproxima-se sem dúvida do modelo que sempre foi o dos Estados Unidos, que se empenharam muito antes na ruptura com todas as tradições que no século XIX e depois no XX estiveram na origem do seu êxito. Ainda que nos Estados Unidos exista uma estratégia do complexo militar-industrial fortemente apoiada pelo Estado (apesar do discurso "liberal") sem igual na Europa. É divertido notar que os dois únicos avanços da tecnologia europeia (o Airbus e o foguetão Ariana) foram o resultado de intervenções de serviços públicos e que, deixadas à iniciativa privada, estas duas realizações simplesmente nunca se teriam realizado!

Num domínio particular — o da agricultura — a Europa efectuou uma política activa, comunitária, liberta do liberalismo doutrinário. Esta política deu resultados invejáveis; permitiu a modernização da agricultura familiar, o aumento das superfícies e a intensificação do equipamento, uma especialização mais forte, garantiu preços que asseguram a equivalência entre a receita do trabalhador do campo e do trabalhador urbano, e finalmente libertou excedentes de exportação importantes (demasiado!) Que custou? Sem dúvida a metade do orçamento da comunidade europeia, mas este é insignificante (menos de 1% do PIB dos países interessados). Hoje, como se sabe, a PAC está posta em questão.

Beneficiando do segundo posto de despesas da União (um terço do orçamento) as políticas regionais assentam em graves ambiguidades e veiculam ambições políticas discutíveis. O objectivo não é tanto a redução das desigualdades (entre os Estados da União no seio destes entre as regiões de que são constituídos) e sim o apoio à sua capacidade de "manter a concorrência", sendo esta supostamente portadora de progresso para todos (o liberalismo doutrinário nunca foi posto em questão apesar dos desmentidos contundentes que o passado e o presente lhe infligem). Os apoios aos Estados menos desenvolvidos são de resto destinados a perder importância (pelo menos relativa) depois da incorporação dos Países da Europa Central e Oriental (PECO) na União. Articulados principalmente nos apoios às regiões para as suas despesas de infra-estrutura e de educação, as políticas de regionalização postas em acção acentuaram ainda mais as desigualdades e favoreceram as "regiões portadoras do futuro" sobre os terrenos abertos à concorrência global (como a Baviera, a Lombardia ou a Catalunha). O objectivo político aqui tentado é de resto reduzir o alcance de "unidades nacionais" em benefício de fidelidades "regionais". O liberalismo globalizado prefere sempre os pequenos Estados aos grandes, porque o desmantelamento das funções do Estado é mais fácil nos primeiros . Na União europeia prefere-se a afirmação "bávara", "catalã" ou "lombarda" à das Nações (sempre supostamente capazes de se tornarem "chauvinistas").

Definitivamente as concepções que dominam as visões do alargamento da União não são de natureza diversa daquelas nas quais os Estados Unidos fundaram o seu projecto de integração da América Latina numa vasta zona de livre comércio das Américas. Estas formas foram chamadas a acentuar a ruptura junto os parceiros periféricos (aqui a América Latina e lá a Europa de Leste) entre pequenas zonas bem integradas e avantajadas, controladas pelo capital dominante dos centros (aqui os Estados Unidos, lá a Alemanha) e vastas reservas ao abandono. O discurso — que pretende que a "recuperação" se fará por si graças ao fluxo progressivo de investimentos privados directos estrangeiros — só tem evidentemente funções de propaganda. Mas, enquanto os povos da América Latina rejeitam a extensão do livre comércio à escala continental e combatem os Estados Unidos nesse terreno a Europa oriental acolhe com a maior ingenuidade o projecto análogo cozinhado pelos centros capitalistas da Europa ocidental.

As políticas de cooperação da União com a África subsahariana nunca foram senão "neocoloniais", e perpetuaram o encerramento do continente num estatuto "pré-industrial". O alinhamento liberal da União que comanda os acordos do Cotonou (2000) e os aqueles ditos de "parceiros económicos regionais" (APER) agrava esta evolução desfavorável. A África é, nesta perspectiva, objecto de uma "exclusão programada" (Amin e alii, Afrique exclusion programmée ou renaissance? 2005). De facto, "a globalização aberta" associada à conservação do continente num estatuto pré-industrial é uma estratégia executada para dar ao capital transnacional dominante os meios de pilhar o mais possível os recursos naturais do continente. Mas é preciso saber que esta pilhagem beneficiará mais as transnacionais dos Estados Unidos do que as da Europa. Nesta perspectiva de manutenção do declínio da África as políticas de cooperação (hoje qualificada como "parceria"!) entre a União Europeia e os ACP estão destinadas a perder progressivamente a sua importância em proveito de outras iniciativas na direcção da América Latina, da Ásia e da região mediterrânica. Mas até hoje nada indica que as iniciativas poderiam inovar e distanciar-se das lógicas de expansão do capital transnacional. Os projectos ditos euro-mediterrânicos estão esvaziados de todo o alcance potencial pela junção de facto dos europeus às iniciativas de Washington e de Tel Avive, apesar de algumas contorções retóricas aqui e ali. (Cf. S. Amin e A. El Kenz, Le monde arabe 2005).

2- O projecto europeu tal como é leva ao absurdo o alinhamento com as lógicas sistematicamente desfavoráveis ao êxito de um desenvolvimento económico do continente. Deve colocar-se então a questão do porquê dessas opções (que Prodi qualificou justamente como idiotas).

A única resposta razoável que podemos dar a este problema é que a escolha foi feita pelo grande capital dominante porque era o meio — o único possível — de ele de quebrar a força social que os trabalhadores europeus (classes trabalhadoras em primeiro lugar) haviam adquirido ao fim de dois séculos de lutas. O afundamento do sistema soviético proporcionou esta ocasião. A opção era assim perfeitamente "racional", mais evidentemente relevante de uma lógica política de curto prazo, que sempre beneficiou espontaneamente da preferência do capital. Comportamento absurdo é o dos partidos socialistas e social-democratas europeus que acreditaram que o desmoronamento dos partidos comunistas lhes conviria, ao passo que a estratégia liberal visava liquidar uns e outros.

O projecto portanto, tal como é, convêm aos Estados Unidos, e é realmente a razão porque Washington não vê qualquer "ameaça" desenhar-se vindo de uma Europa com "eficácia competitiva". De resto a estagnação relativa em que a Europa se instalou por esta forma extrema da opção liberal facilita o financiamento do défice dos Estados Unidos, provocado pela liderança com que Washington se esmera em afirmar. A estagnação produz com efeito um excedente de lucros que, não podendo encontrar saída na expansão dos sistemas produtivos europeus, são colocados nos mercados financeiros dos Estados Unidos.

O discurso dominante atribui o problema da Europa à dificuldade que as suas sociedades teriam em adoptar franca e integralmente os princípios do liberalismo "à americana", sem nunca fazer a menor alusão à assimetria que caracteriza as relações entre as duas margens do Atlântico. De facto, se os europeus decidissem utilizar em sua casa o excedente que emprestam aos Estados Unidos — e só esta decisão poderia levar o continente a sair da estagnação — os Estados Unidos seriam então confrontados com a obrigação de reajustar a sua economia e reduzir o esbanjamento do seu modo de consumo e de despesa militar. Isso não aconteceria sem uma crise política maior.

As políticas realizadas pela Europa não seguem o curso requerido para que o seu poder económico potencial possa afirmar-se, mas exactamente no sentido inverso. A privatização e os desmantelamento dos serviços públicos de grande eficácia na Europa (a SNCF, EDF e outros são bons exemplos) oferecem ao capital financeiro dos Estados Unidos, principalmente aos Fundo de Pensões, uma ocasião excepcional de tirar a nata dos lucros nos segmentos mais interessantes das economias em questão, reduzindo assim os meios de saída da crise à disposição dos europeus.

Deve-se então desesperar e aceitar o prognóstico de Washington segundo o qual nada porá em causa as escolhas europeias por mais absurdas que sejam? O risco existe e não deve ser subestimado pelos movimentos alter-globalistas. A classe dirigente dominante no sentido estrito do termo — o grande capital dos oligopólios — está fortemente tentada a fechar-se nesta via sem saída para os povos europeus. Pois em contrapartida beneficia das vantagens que a sua participação no imperialismo colectivo da tríade lhe proporciona. Sem dúvida o polícia que neutraliza os efeitos do caos que este desenvolvimento imperialista implica — os Estados Unidos — estão em condições de fazer pagar o preço dos seus serviços aos seus parceiros subalternos. Mas estes não têm alternativa e por isso aceitam as posturas servis que lhes são destinadas. Depois de tudo, não será a primeira nem a última vez no mundo actual que isso acontece.

Acrescento que é preciso tomar a medida das aflitivas opções geopolíticas em curso, que reduzem as margens de autonomia da Europa e lhe impõem navegar na esteira de Washington. A Europa não escolheu construir uma Eurásia diante da qual os Estados Unidos não pesariam muito, o que implicaria a reaproximação com a Rússia e com a China. Pelo contrário a Europa escolheu apoiar — e até encorajar — os chauvinistas "anti-russos" bálticos e poloneses (pensaríamos ter voltado a 1920 e ao "cordão sanitário" anti-soviético de Versalhes!). Ela aceita o expansionismo de Israel e valida a presença militar dos Estados Unidos no Iraque, na Ásia Central e no Cáucaso.

O mais grave é sem dúvida o alinhamento da Europa nas posições do projecto de controle militar do Planeta pelas forças armadas dos Estados Unidos. Este alinhamento foi assinado no dia em que, no momento das guerras jugoslavas, a Europa aceitou que a NATO fosse investida de novas funções de polícia do mundo, associada às forças dos Estados Unidos. Poder-se-ia acreditar que com o desmoronamento da URSS, a NATO perdesse a sua razão de ser ("a defesa da Europa contra uma eventual agressão soviética"). A decisão tomada foi exactamente no sentido inverso: substituir a ONU pela NATO, tornada responsável pela gestão de relações políticas internacionais. A partir daí a deriva era difícil de evitar.

Esta deriva atingiu proporções que a opinião pública na Europa geralmente ignora. Pois o que se seguiu foi nada menos que a anulação unilateral pelas potências ocidentais da Carta das Nações Unidas que haviam proscrito a guerra. Os Estados Unidos na realidade outorgaram-se o "direito" de tomar a iniciativa de "guerras preventivas" sem que os seus aliados da NATO reagissem como deviam, desolidarizando-se oficialmente desta decisão. É mais grave ainda visto que Washington se deu o direito de um primeiro ataque nuclear, se o considerar "útil". Daniel Ellsberg fez saber nessa ocasião que os documentos oficiais do Pentágono calculando as "vítimas possíveis" de tais iniciativas em nada menos que 600 milhões de seres humanos! (cem holocaustos escreveu D. Ellsberg). A Europa e a NATO, calando sobre esta decisão, tornam-se assim cúmplices do projecto criminoso dos Estados Unidos. A única resposta eficaz que pode ser dada a esta deriva é a organização de uma campanha mundial para a total interdição do uso de armas nucleares (e sem dúvida também as químicas). Pois é evidente que o tratado de "não proliferação" que as potências da NATO promovem é, nestas condições, inaceitável para os povos da Ásia e da África, perfeitamente conscientes que estão todos ameaçados de holocausto pelos Estados Unidos e pela NATO.

Este servilismo dos segmentos dominantes das classes dirigentes e dos seus papagaios políticos (de esquerda e de direita) poderá impor-se indefinidamente às sociedades europeias? Duvido muito, porque precisamente — e é aí que se situa o essencial da minha tese sobre o assunto — as culturas políticas europeias não o deveriam permitir. Não voltarei aqui a esta tese, que desenvolvi em Le virus libéral e em Pour un monde multipolaire cujas conclusões resumi na frase seguinte: o desenvolvimento da lógica dos oligopólios dominantes aproxima os Estados Unidos e a Europa, o das suas culturas políticas separa-os.


3- Não creio pois que o projecto europeu, tanto na sua dimensão liberal extrema como no seu alinhamento na geoestratégia de Washington, seja viável.

A questão de saber como será ele posto em causa, aos constrangimentos de quais evoluções será submetido permanece em aberto.

Volto aqui ao ponto da minha análise que diz respeito às "culturas políticas". As de uma boa parte do continente europeu pode ser lida como uma sucessão de desenvolvimentos maiores que modelaram a ruptura direita/esquerda: a Filosofia das Luzes, a Revolução Francesa e principalmente a Convenção da Montanha, a formação do movimento operário e socialista do século XIX, o marxismo e a Comuna de Paris, a Revolução Russa e a formação dos partidos comunistas. A direita constitui-se como contraponto no decorrer da Restauração (a "Santa Aliança"), pela formulação de ideologias "antimarxistas" (derivando para os fascismos), pela corrupção ideológica pro colonial (e racista), o anti-sovietismo. As etapas da formação da cultura política dos Estados Unidos nada tiveram a ver com esta história. Esta cultura constitui-se numa sucessão diferente de desenvolvimentos maiores: a imigração na Nova Inglaterra de seitas anti-Iluminismo, o genocídio dos índios e a escravidão dentro da sociedade (cujo impacto é diferente do da escravatura praticada nas colónias longínquas), o abortamento da consciência de classe, política em lugar da qual as vagas sucessivas de imigrantes substituíram os comunitarismos. A cultura política produzida por esta história não é muito um contraste entre esquerda (potencialmente socialista) e direita, mas de um "consenso" pro-capitalista relativizando fortemente a bipolaridade eleitoral (Democratas/Republicanos).

O problema que hoje se coloca na Europa é saber se a herança da cultura política está destinada a esboroar-se (e a esquerda a desaparecer enquanto portadora de um projecto pós-capitalista) em benefício da "americanização" em curso (os partidos sociais-liberais aderem ao concerto dos defensores do "capitalismo eterno"), ou se uma "nova esquerda" será capaz de cristalizar-se em torno de programas à altura dos desafios. Na minha opinião as duas evoluções são possíveis.

A ofensiva ideológica da nova direita (que integra a maioria da esquerda eleitoral) desenvolveu um agressivo discurso "anti-francês", porque, a falar verdade, esta direita vê na França — que desempenhou um papel maior na cristalização das culturas políticas na Europa — "o elo fraco" do sistema europeu, empenhado no caminho da americanização. "Colbertismo" (ou seja um sistema que no seu tempo construiu -- com a Monarquia absoluta -- as bases da modernidade capitalista que ultrapassava o feudalismo), "jacobinismo" (que entendera que sendo o liberalismo económico o inimigo da democracia, a Revolução deveria ser popular e não estritamente burguesa como fora a da Inglaterra), "laicidade" (portanto o "radicalismo" impede a maturação das identidades "comunitárias" desejadas pelo modelo de direita pro-americana), ou seja o gaulo-comunismo" (ao qual o Sr. Cohn Bendit prefere sem dúvida o petanismo anti-soviético!) constituem todos temas repetidos até ad nauseam por esta propaganda mediática. Ora é preciso constar que todos estes temas são dominantes nos discursos "europeus" (no sentido de pró União Europeia tal como ela é e tal como a querem).

Para além da prática do projecto europeu seria bom fazer a análise do discurso com o qual esta se veste. Neste discurso toda a referência à herança da cultura política europeia é qualificada de "provocadora" ("ringardise"): a defesa dos interesses de classe (incansavelmente tratada de "corporativismo"!), o respeito pelo o facto nacional (preferem os regionalismos impotentes diante do capital, os comunitarismos, mesmo as etnocracias à báltico, à croata, etc). São "modernos" no contra: o elogio da competição entre trabalhadores, regiões e países (seja qual for o preço social), ou o de conceitos anti-laicos da religião (como a papolatria à polonesa).

A reconstrução de uma esquerda europeia exige logo a crítica radical de todos estes discursos. Ela exige principalmente que identifiquem os princípios na base dos quais a alternativa pode ser construída, e que se tirem concretamente as consequências em termos de programas a curto e a longo prazo.

As considerações precedentes constituem uma leitura severa não apenas do "projecto europeu" tal como é mas ainda das reacções que suscita mesmo no seio dos movimentos sociais progressistas engajados. O projecto tal como é deveria sem dúvida ser qualificado não de "projecto europeu" mas de "tabuleiro europeu do projecto atlantista colocado sob a hegemonia dos Estados Unidos". As reacções maiores críticas do projecto parecem-me ser principalmente articuladas na busca de um equilíbrio menos assimétrico no seio da tríade imperialista (por uma arrumação neste quadro das relações entre a Europa e os Estados Unidos) do que de um equilíbrio mundial menos desvantajoso para o "resto do mundo".

Nestas condições o problema mantêm-se: o projecto europeu pode "mudar de direcção", ou deve, para que isso seja possível, passar pela fase de reconhecimento aberto do seu fracasso?

3- O Sul pode fazer recuar o imperialismo?

O imperialismo colectivo da Tríade (Estados Unidos, Europa, Japão) está na ofensiva e empenha-se activamente em refazer o mundo em função dos seus próprios objectivos. Na quase totalidade dos países do Sul já conseguiu reduzir os seus poderes ao estatuto de "compradores". Nesse quadro os Estados Unidos, porque constituem a ponta de lança desta ofensiva, estão em posição de alargar o seu projecto hegemónico específico. Este projecto passa pelo estabelecimento de um "controle militar do Planeta" (os verdadeiros termos em que Washington expressa sem pudor as suas ambições).

Para a realização deste projecto Washington escolheu o Médio Oriente como região de primeiro choque, por diversas razões que enumerei noutro lado (S. Amin L'hégémonisme des Etats Unis et l'effacement du projet européen 2000). Mas o projecto visa, muito para além do Médio Oriente, o "Sul" no seu todo, ou seja, toda a Ásia, a África e a América Latina. O novo imperialismo colectivo não tem outro meio para impor a prazo a manutenção dos países mencionados no seu estatuto de dominados, e é por isso que os parceiros da Tríade estão definitivamente alinhados neste projecto, por mais demente e criminoso que seja, apesar das reservas expressas de vez em quando. O "Sul" permanece "a zona das tempestades" no sentido de que as revoltas dos seus povos vítimas de devastações sociais sem precedentes estão destinadas a multiplicar-se. É preciso então reduzi-las pela violência militar — uma verdadeira nova guerra dos "cem anos" entre o "Norte" (enquanto continuar imperialista) e o "Sul".

Nesta perspectiva o establishment dos Estados Unidos considera que a China constitui o seu grande adversário estratégico. Este establishment está no entanto dividido quanto a este ponto central. Uma fracção pensa que a China poderia prosseguir o seu desenvolvimento económico acelerado inscrevendo-se na globalização liberal tal como está, e que, desta maneira ela aceitará jogar o jogo e acomodar-se à liderança dos Estados Unidos. Nesse caso a China seria mais um aliado do que um adversário, mesmo que esse aliado possa exigir (e obter) concessões particulares em proveito próprio. Uma forma de complementaridade construir-se-ia entre a China que cobriria uma proporção crescente das importações de bens de consumo manufacturados dos Estados Unidos e estes últimos, fornecedores de tecnologias de ponta e capitais. Mas uma outra fracção da classe dirigente de Washington teme que a China faça o seu próprio jogo, tente apropriar-se das tecnologias avançadas e simultaneamente reforçar as suas capacidades militares. Seria preciso então encarar uma guerra preventiva contra este adversário estratégico antes que seja demasiado tarde.

Pode-se, ao olhar o que se passa na sociedade chinesa para identificar as contradições que ali se desenvolvem, esclarecer melhor a questão colocada quanto ao lugar da China no sistema das suas relações com os centros imperialistas do sistema de um lado e com as periferias deste de outro lado?

São questões que não são consideradas no discurso de economia convencional, que se satisfaz com verdades simples e superficiais como o crescimento do PIB. As classes dirigentes dos países em causa — a China no caso — têm elas próprias tendência a satisfazer-se com a imagem do futuro que se julga poder deduzir deste género de "projecções", principalmente quando "as coisas correm bem" (que o crescimento registado é forte). Uns e outros só conseguem imaginar o sempiterno empenhamento na "meta de alcançar" ("chemin du raftrappage").

O momento actual é caracterizado de uma maneira geral pelo estilhaçamento do Sul, e o contraste crescente entre um grupo de países ditos "emergentes" (como a China, a Índia, o Brasil, mas também países de tamanho mais modesto, entre outros a Coreia) num polo e um "quarto mundo" estagnado. Podemos concluir que os países emergentes estão na via do desenvolvimento no sentido do alcance (rattrapage) ? Minha análise, que incide nas características no novo sistema centros/periferias, leva-me a uma resposta negativa a esta questão. Nesta análise as novas vantagens decisivas que definem as posturas de dominação dos centros não são mais constituídas pelo monopólio da indústria como no passado quando a contradição centros-periferias era praticamente sinónimo de países industrializados/países não industrializados, mas pelo controle das tecnologias, dos fluxos financeiros, do acesso aos recursos naturais, da informação e dos armamentos de destruição maciça. Por este meio os centros imperialistas controlam efectivamente as indústrias deslocalizadas nas periferias "emergentes" — as verdadeiras periferias do futuro.

Há muita ilusão, nos países emergentes em causa, sobre o futuro que os desenvolvimentos em curso preparam. No caso da China o êxito da opção daquilo que poderia ser uma perspectiva capitalista nacional — a de um capitalismo poderoso transformado em actor activo no sistema mundial — embate em obstáculos que se tornarão cada vez mais sérios. Por um lado esta opção não pode associar as imensas massas populares camponesas e urbanas aos benefícios do crescimento económico. As resistências deste estão pois destinadas a manifestar-se com cada vez com mais vigor. Já aqui chamei a atenção sobre a resistência particular dos camponeses, beneficiários de uma revolução radical a seu favor, ameaçados pelo projecto de privatização do solo agrário (um projecto de "enclosure" [1] ). O desenvolvimento destas lutas poderia fazer inflectir o projecto chinês na direcção de um "socialismo de mercado" autêntico, ou seja uma combinação que dá toda a sua força à prioridade social (justiça social) no modelo de desenvolvimento, reorientado para a expansão prioritária da procura interna das classes populares. Haveria então um afastamento muito grande do modelo da China inscrito simplesmente na globalização liberal. Reenvio aqui aos debates sobre o assunto, vivos na China. (S. Amin, Theory and practise of Chinese market socialism, 2005).

Por outro lado, é preciso ser ingénuo para pensar que as potências imperialistas dominantes aceitarão sem reagir ver um país do tamanho da China tornar-se um "parceiro igual". Quando a China pode pensar em comprar uma transnacional de petróleo para se inserir melhor na globalização liberal e assegurar-se neste quadro do seu abastecimento, os Estados Unidos — em violação de todos os princípios que só os doutrinários do liberalismo julgam ser os que regem a realidade das relações económicas — fizeram abortar a tentativa por uma intervenção política brutal. Os choques entre a China e as potências imperialistas em todos os domínios que dizem respeito ao acesso aos recursos naturais do planeta, o comando das tecnologias modernas, os direitos de propriedade industrial, passam a ser violentos. Maiores do que os conflitos que não deixarão de desenvolver-se à medida que a China se imponha aos mercados internacionais de produtos banalizados.

As ilusões que alimentam uns e outros nos outros países emergentes são ainda mais grosseiras. No Brasil, por exemplo, mais frequentemente também na América Latina, segmentos importantes da esquerda acham possível a construção de blocos hegemónicos gerados na tradição da social democracia (a "boa" — a do Estado de Previdência do após-guerra na Europa, mas não a de hoje alinhada com o liberalismo).

Esquecemos as condições realmente excepcionais que permitiram a social democracia do Estado de Previdência. As sociedades ocidentais envolvidas dispunham de um avanço sobre todas as outras que permitiam simultaneamente concessões do capital ao trabalho e o prosseguimento do seu domínio imperialista sobre o resto do mundo. A social democracia foi social-imperialista e até social-colonialista até ao fim, quando foi vítima dos movimentos de libertação. De resto a ameaça que constituía a alternativa comunista foi decisiva no deslize do poder em direcção ao compromisso histórico capital/trabalho que caracteriza este movimento excepcional da história. Pela primeira vez a causa das classes trabalhadoras havia adquirido uma "respeitabilidade" de que não beneficiara até então. Essas condições não são as das sociedades periféricas de hoje, mesmo nos países "emergentes" que estão longe de poder impor-se em igualdade com os centros imperialistas. Além disso, a página do compromisso histórico em questão foi virada nos próprios centros desenvolvidos. A social democracia tornou-se social liberal porque o liberalismo é o meio pelo qual os centros desenvolvidos prosseguem o seu domínio imperialista sobre o resto do mundo. A social democracia não sai do quadro da sua tradição social imperialista; e porque o social imperialismo hoje é social liberal, o deslize em questão era de esperar. Assim o liberalismo, ainda que algo atenuado pelos sociais liberais quanto aos seus efeitos devastadores, reconduz as classes trabalhadoras populares dos centros ao estatuto de dominados praticamente excluídos do poder que fora seu até 1945. As novas condições poderiam constituir assim a base objectiva da reconstrução de uma frente internacionalista de povos (do Norte e do Sul), naturalmente com a condição de que as forças políticas que, no Norte, têm a audiência dos trabalhadores, rompam categoricamente com as ambições do imperialismo.

O destino que o projecto imperialista reserva aos povos das periferias "não emergentes" é ainda mais dramático. As regiões do mundo ditas "marginalizadas" são na realidade objecto de políticas sistemáticas das forças dominantes que qualifiquei de estratégias de "exclusão programada" dos povos afectados facilitando uma integração mais forte dos seus recursos naturais submetidos a uma pilhagem intensificada. A execução deste projecto passa pela agressão e ocupação militar (como no Iraque), a colocação sob tutela devido ao endividamento (caso dos países de África). Nesse quadro a Europa e o Japão estão praticamente alinhados com Washington. A conferência do Euro Med realizada em Barcelona (fim de Novembro de 2005) testemunha este alinhamento: a Europa tentou aí impor a agenda que Bush prefere — a prioridade da "luta contra o terrorismo". Os governos árabes, hoje dóceis ao extremo às exigências dos mestres do sistema, foram constrangidos a dizer que não era possível desprezar até este ponto os direitos dos povos palestiniano e iraquiano. A Europa deixou que os interesses dos Estados Unidos passassem à frente dos seus no projecto chamado "grande Médio Oriente". O mesmo acontece no que diz respeito à África subsaariana, como ilustram os acordos de Cotonou (2000) e os projectos chamados de parceria entre a União Europeia e as Comunidades regionais da África. O alinhamento de todos sobre os mesmos discursos insípidos a respeito da "redução da pobreza" ou "o bom governo", as tomadas de posição arrogantes do novo director geral da OMC (o "socialista" Pascal Lamy!) — a fazer empalidecer os embaixadores da administração Bush—, testemunham esta unidade de visão dos parceiros da tríade imperialista.

Diante deste desafio de uma brutalidade sem igual as reacções do Sul em questão tanto são tímidas ao extremo como inapropriadas. Os governos, como os dos protectorados de outrora, não dispõem senão de uma margem de movimento limitado ao extremo, e escusam-se a por em causa o liberalismo económico de que os seus países pagam os custos. Desamparados, grandes sectores das classes populares seguem atrás das retóricas para-religiosas ou para-étnicas que se verificam entre os povos do Sul.

Os povos do Sul são por vezes, nessas condições, confrontados sozinhos e brutalmente com intervenções violentas dos imperialistas. É o caso do Iraque em particular, assim como o da Palestina. Embora a sua resistência (parcialmente armada) seja heróica, esta não beneficia dos apoios morais e políticos que merece. Paga-se aqui o preço dos recuos da consciência progressista que caracterizam o momento actual tanto nos países europeus como nos do Sul. O isolamento relativo dos que combatem na primeira linha o projecto de desenvolvimento imperialista favorece por vezes derivas nos métodos da resistência que promovem. Por sua vez isso não facilita a reconstrução necessária do internacionalismo dos povos.

Reconstruir a frente unida do Sul diante do imperialismo colectivo da tríade e da ofensiva militarista dos Estados Unidos constitui o desafio com que os povos da Ásia, da África e da América Latina são confrontados.

Os povos da Ásia e da África tiveram êxito — durante a era de Bandung (1955-1975) — em fazer recuar o imperialismo da época, graças à frente unida que lhes opuseram. Mas as condições que permitiram este êxito já não são as que governam a conjuntura actual. Na época os poderes locais, saídos de movimentos de libertação nacional e por vezes de autênticas revoluções populares, beneficiavam por este facto de uma legitimidade certa e da confiança dos seus povos. Além disso os Estados que dirigiam podiam contar até certo ponto com o apoio da União Soviética, constrangendo os agressores imperialistas a uma certa retenção. Sabe-se agora que a seguir, após o desaparecimento da União Soviética, as potências imperialistas retornaram à sua tradição de agressão brutal.

Através do Movimento dos Não Alinhados, a frente dos Estados e a dos povos afectados exprimia-se em simultâneo. Um remake de Bandung é hoje impossível. A erosão do populismo nacional que definia o conteúdo das políticas executadas na época e a ofensiva imperialista, iniciada nos anos 1980, redobrada depois de violência a partir de 1990, produziu a deriva compradora dos poderes locais. Estes perderam por isso largamente a sua legitimidade aos olhos dos seus povos. Além disso as esquerdas comunistas alinharam-se largamente no apoio (ainda que dito "critico) aos regimes de populismo nacional da era de Bandoung e, por isso, não pareciam críveis, capazes de oferecer uma nova alternativa autêntica. O vazio ideológico operou como uma chamada de ar, permitindo aos culturalismos para-religiosos e para-étnicos responderem à confusão com as ilusões perigosas veiculadas pelos seus discursos.

A alternativa autêntica — que chamaria um Bandoung (e uma Tricontinental) dos Povos enfrenta obstáculos sérios. As tarefas que as esquerdas nos países do Sul têm de cumprir não são mais fáceis que os desafios com que as esquerdas europeias são confrontadas.

4- Na frente cultural: tudo em recuo

O recuo da cultura europeia e a americanização do mundo traduzem-se pela generalização do princípio do "grande consenso" fundado na afirmação forte da "identidade comunitária". Não se deve subestimar o perigo fatal para a civilização humana que constituiria o possível êxito de uma evolução — que qualificarei de deriva — nesta direcção. Esta deriva, que de resto já está esboçada, poderia constituir uma saída à direita para a crise do capitalismo senil e permitir a sua ultrapassagem não por avanços na direcção do socialismo mas pela construção de um novo sistema de tipo "tributário" ("neo-tributário") de que indicarei mais adiante as grandes características. Por outras palavras, não apenas "outro mundo é possível" mas "um outro mundo" é certo, que pode ser melhor mas igualmente pior do que aquele em que vivemos.

A reflexão sobre este assunto que proponho fundamenta-se numa recusa da versão linear do "progresso humano fatal de etapa em etapa do desenvolvimento da história", quer esta versão seja fundada sobre a ideologia (europeia de origem) da Razão associada ao economismo da modernidade burguesa ou sobre a interpretação marxista vulgar da sucessão dos modos de produção. Nos pontos de viragem da história, ou seja quando o desenvolvimento de um sistema chega ao seu termo devido à acumulação das contradições que este produziu (ou seja quando esse sistema entra na idade da senilidade), o futuro possível conjuga-se no plural. Nesses pontos de viragem as bifurcações da evolução ulterior são múltiplas e as direcções da evolução possível diversas. Esta multiplicidade das bifurcações tornou-se o objecto de uma formulação matemática rigorosa (a teoria do caos). Podemos discutir a pertinência desta formulação (certamente estabelecida para certos objectos de estudo, como a meteorologia) para o domínio que nos interessa (a história das sociedades humanas). Pela minha parte, duvido muito desta pertinência. Em compensação chego à mesma conclusão (a diversidade dos futuros possíveis) por uma interpretação não doutrinária do materialismo histórico, fundada no que qualifiquei de "sub-determinação das instâncias" (S. Amin, Critique de l'Air du Temps ).

Na análise que proponho as instancias ideológicas e políticas conquistaram uma autonomia real nas suas relações com a instancia económica. Uma combinação particular destas diversas instâncias — entre outras possíveis — e a dominância de uma ou outra que caracteriza esta combinação permitem então qualificar o sistema que se constitui em resposta à crise do modelo actual tornado senil.

Pretendo aliás que o sistema capitalista já entrou há muito neste tempo final da senilidade, no sentido de que a gravidade das contradições produzidas pela lógica do seu desenvolvimento é a partir de agora tal que a sua gestão implica um uso permanente da maior violência política e militar dos senhores do sistema, entre outras a guerra permanente do Norte contra o Sul.

Não resulta desta constatação que a crise do sistema capitalista mundial senil em curso não acabe necessariamente na sua ultrapassagem pelo socialismo igualmente mundial. Isto é uma possibilidade. A qual exigiria na análise que proponho: (a) no plano das evoluções políticas e sociais a associação do progresso social, do aprofundamento da democracia e do reforço da margem de autonomia das Nações numa globalização multipolar negociada; (b) no plano ideológico e cultural a renovação dos valores do universalismo.

Nesta segunda dimensão as evoluções dominantes em curso vão exactamente no sentido inverso. As manifestações deste grande salto para trás são visíveis no que propõe o "pós modernismo", pelo menos nas suas correntes dominantes, pela sua colocação em causa da "verdade objectiva" e da valorização da "multiplicidade dos discursos". Alan Sokal e Jean Bricmont propõem uma crítica cáustica desta demissão da Razão (A. Sokal, Pseudosciences et postmodernisme, 2005).

A ciência pretende utilizar em simultâneo a Razão (a lógica) e a observação que lhe permitiria descobrir verdades objectivas, ainda que esteja perfeitamente consciente de que estas são sempre parciais e relativas (a ciência não procura conhecer a "verdade absoluta do todo"), que as suas descobertas e as teorias que deduz devem ser objecto de uma colocação em causa permanente que permita corrigir os seus erros e avançar. Nesta definição a ciência mergulha as suas raízes no comportamento humano desde a mais remota antiguidade de todas as sociedades do planeta. Acontece que a ciência deu um salto em frente qualitativo gigantesco na Europa moderna a partir da Renascença. Foi neste quadro que ela rompeu da maneira mais sistemática com os métodos do raciocínio por analogia, substituindo a metáfora pelo rigor de observação e do raciocínio, que caracterizava e (caracteriza sempre) as "para-ciências" (como a astrologia) e a magia. Não é por acaso que este salto em frente está estreitamente associado à crítica dos dogmatismos religiosos (fundamentados na interpretação de textos "sagrados"), nem que esteja associado ao nascimento do capitalismo. Simultaneamente este salto em frente está de facto associado a uma tendência forte ao eurocentrismo, que pretende que por uma razão ou outra só podia ter sido realizado pelos "europeus", tal como as demais características da sociedade moderna em que a ciência se desenvolve — em especial o machismo patriarcal. Todos estes limites da ciência tal como ela é podem perfeitamente ser o objecto eles próprios de uma crítica científica, ou seja, ela fundamenta-se também no uso da razão e da observação e da dúvida céptica.

Mas a versão o pós moderna, que tem o vento em popa, não propõe este modo de crítica. Ela pretende recolocar em questão o estatuto privilegiado da ciência em matéria de conhecimento. Pretende que "verdade objectiva" simplesmente não existe, que a "verdade" é o que as "pessoas" pensam ser verdadeiro. Por outras palavras coloca o discurso científico (qualificado como narração) no mesmo plano das outras narrações (as da magia, das para-ciências, das religiões). Pretende mesmo que a multiplicidade de facto das narrações efectivamente em curso aniquila toda a pretensão à universalidade. Coloca todos estes discursos num mesmo plano e, coisa curiosa (mas não incompreensível) abstêm-se de submeter os que se auto qualificam de contra hegemónicos ao mesmo rigor crítico que reserva ao "discurso dominante".

O discurso pós modernista acompanha e legitima as evoluções maiores em curso ou seja a emergência dos "culturalismos" (a conjugar sempre no plural). Entendo assim a afirmação que as "culturas" constituiriam realidades trans-históricas fundadas sobre valores diversos, incomensuráveis e permanentes. Nada na história real dos povos confirma este a priori aberrante. O "culturalismo" — que não se deve confundir com o facto banal e evidente que constitui a diversidade cultural — legitima o discurso de perseguir o absoluto de que se alimentam todos os movimentos para religiosos (o Islão político, o hindutva, o cristianismo fundamentalista dos Estados Unidos, as inumeráveis "seitas" de todo o género) ou para étnicas. Não se trata senão de discursos super reaccionários que em nada participam nas aspirações à libertação dos seres humanos e mais particularmente das classes e povos dominados, mas ao contrário os encerra no impasse e lhes faz aceitar a dominação real de que são vítimas — a do capitalismo senil.

Os problemas respeitantes à diversidade cultural e os discursos contra hegemónicos são tais que facilitam muitas vezes a confusão que julgo necessário evitar. Sejamos portanto claros neste assunto. Sim, a modernidade realmente existente produzida pelo capitalismo imperialista é culturalmente enviesada, eurocêntrica, masculina e patriarcal, prometéica no sentido de que trata a natureza como objecto. Sim, os discursos contra hegemónicos que o demonstram (o feminismo, o ecologismo, o anti imperialismo cultural) constituem os elementos positivos incontornáveis de toda alternativa humanista. Mas esta alternativa, longe de ser a negação da modernidade, é o desenvolvimento racional e radical abolindo o eurocentrismo, a ditadura machista e o desprezo das nações.

Diante deste desafio, pedir para renunciar à aspiração universalista é fundamentalmente reaccionário. É aceitar que seja dado um lugar aos discursos contra hegemónicos na condição de que fiquem fechados nos guetos que lhes são destinados. A democracia estilo Estados Unidos encoraja esta "diversidade" impotente. Alinhar-se-ão os "women studies", os "black studies" aos quais serão autorizadas todas as proclamações, enquanto o discurso convencional da economia dominante prosseguirá a sua rota sem experimentar o menor incómodo. Esta ideologia dita pós modernista não pode inspirar o radicalismo necessário para mudar o mundo.

Todos os comunitarismos se singularizam pelo facto de que tratam o grupo no qual se identificam como "homogéneo". Há "os" negros, "os" croatas, "os" muçulmanos, etc. Ou se a pertença aos grupos mencionados define por vezes — mas nem sempre — uma identidade real em certas circunstâncias, esta identidade nunca é exclusiva, mesmo quando é vivida como tal nos casos extremos de alienação.

Certas interpretações feministas e ecologistas — mas certamente não todas — aderem aos comunitarismos neste disparate. As mulheres não constituem um grupo homogéneo — tal como os homens —, mesmo se, de um modo geral, todas elas sofrem com a posição de dominadas nas quais o sistema, fundado na dominação masculina, as encerra. Certos ecologistas tratam igualmente dos interesses comuns da humanidade pela salvaguarda da vida sobre o Planeta como se a humanidade em questão constituísse uma realidade homogénea.

Todas estas correntes de pensamento e de acção que ocupam lugares importantes nos "movimentos" da nossa época fazem referência a realidades incontestáveis. Sem os racismos, as dominações masculinas, o desprezo pela natureza, elas simplesmente não existiriam. Estas realidades que se deve combater estão portanto na origem da sua força. Mas este combate não será eficaz a menos que integre todas as dimensões do problema numa análise de conjunto (evitando as reduções vulgares simplificadoras — será necessário lembrar?) e saiba daí derivar estratégias à altura dos desafios.

É a razão pela qual esta "ideologia" é aquela que promovem as forças dominantes e mais particularmente o establishment dos Estados Unidos. Nada de mais funcional para a busca das dominações locais que esta ideologia, porque ela dá forma a consensos aparentes de conjuntos de indivíduos que se definem pela sua "identidade particular irredutível". Exprimirei a realidade desta funcionalidade pela seguinte imagem: se tiver na mão uma garrafa de coca-cola e na outra o emblema da nossa identidade pretendida (o Corão, a Bíblia ou uma insígnia étnica) não será perigosos (mesmo que julgue ser!).

Em contraponto a afirmação da necessidade de ciência e de universalidade como únicos fundamentos possíveis para a civilização humana, não exclui de modo algum qualquer culto da "modernidade". Pois se a data de nascimento e as condições da formação da modernidade realmente existente podem ser reconhecidas, esta não é alcançada no termo do seu percurso (de resto não há termo, a história não tem fim). E como a modernidade realmente existente até hoje é aquela do capitalismo cabe às sociedades do planeta ultrapassá-la por uma modernidade pós capitalista superior.

As involuções reaccionárias em curso, se elas devessem tornar-se dominantes e reduzir ao silêncio os seus contraditores, contribuiriam então para uma ultrapassagem pós capitalista que qualificaria de construção de um sistema "neo-tributário".

A analogia na escolha da qualificação faz referência aos caracteres pelos quais identifiquei a especificidade dos sistemas pré-modernos (pré capitalistas), em contraponto com o capitalismo (moderno). Pretendo de resto que esta distinção seja a que Marx propõe no Capital, Crítica de economia política, como no conjunto dos seus escritos (principalmente em A ideologia alemã ). A determinação em última instancia pelo económico não exclui a diversidade de formas de domínio das diferentes instancias: no capitalismo o económico é a instancia dominante (e deste facto a forma de alienação que define o sistema é a alienação economista — do mercado em termos vulgares), nos sistemas anteriores a instância dominante é o político (e a forma de alienação que o permite é alienação religiosa).

A nova ideologia prepara um retorno ao domínio do político. A do económico, própria do capitalismo, é com efeito necessariamente posta em questão pelo próprio desenvolvimento das forças produtivas, isto é pelo que se chama a nova revolução tecnológica em curso. Mas o domínio do político (ou melhor e mais precisamente do político/cultural) pode tomar diferentes formas associadas a conteúdos sociais eles próprios diversos.

Ela pode tomar a forma (superior) de um domínio da socialização pela democracia (em contra ponto da socialização pelo mercado), de um domínio da solidariedade (em contra ponto da competição) e dar assim um pedestal sólido para uma sociedade comunista. Era, creio a visão de Marx; e é nesse sentido que escrevi que o comunismo se define pelo domínio do cultural ( Critique de l'air du temps ).

Mas este domínio pode tomar uma outra forma, a definida no programa dos neocons dos Estados Unidos: ditadura absoluta de mercado (ou seja do grande capital dos oligopólios), "democracia" consensual esvaziada de todo o alcance contestatário e renovador, afirmação violenta da pertença identitária às comunidades (religiosas e "raciais" para empregar a própria linguagem dos Neocons). Seria errado subestimar o perigo que estas opções representam. Pois mesmo se se evidencia que a sua expressão pelos Neocons é extrema e raia por vezes a extravagância, as tendências da evolução vão nesse sentido por toda a parte, nos Estados Unidos, na Europa, no resto mundo. O modelo da "democracia/direitos do homem" proposto pelas classes dirigentes constitui o pedestal e a mascarada, que na realidade está longe de aparecer como tal para muitos. Este modelo de domínio do político é reforçado — e não contrariado — pela redução do papel do Estado, que a doutrina liberal pretende legitimar em termos de reforço da democracia posta em acção pela sociedade civil. Esta está concebida e construída numa pirâmide de subconjuntos de para-cidadãos que se dão a aparência de serem activos quando na realidade estão despojados de todo poder real, trabalhando em conjunto na construção de consensos vazios de conteúdo. O modelo trata igualmente a "cultura" no modo plural, tendo rejeitado o universalismo, glorificado a "diferença" e adaptado o ponto de vista do "culturalismo". Permite então à política de dominação que procura instrumentalizar as "diferenças" em questão.

Os principais caracteres prováveis do modo de gestão económica desta alternativa ultra reaccionária transpareciam já na "nova era do capitalismo": financeirização que reforça a centralização dos postos de comando em benefício de pequenos grupos, afirmação de novas formas "mafiosas" da classe dirigente tornando a sucessão dos valores burgueses tradicionais, etc. No plano mundial a economia em questão é a do "apartheid à escala mundial". Ela implica assim, como prevê expressamente o projecto de Washington e da NATO, a "guerra permanente" do Norte contra o Sul. D. Ellsberg lembra-nos que o seu custo poderia ser de seiscentos milhões de vítimas!

5- Reconstruir o internacionalismo dos povos perante o imperialismo

O liberalismo económico e o imperialismo constituem as duas faces indissociáveis da mesma realidade do capitalismo dominante da nossa época. Que o qualifiquem de "novo capitalismo" (para de certa maneira o elogiar), de capitalismo "cognitivo" ou de outro modo nada muda à natureza do desafio com que os povos se defrontam.

Não haverá saída humana para o sistema mundial "pós liberal" sem que esta se abra para as relações internacionais realmente "pós imperialistas". À falta disso a crise desembocará num futuro ainda mais sombrio, um sistema neo-tributário e certamente super imperialista.

Conjugando as análises que aqui propuz tanto no que diz respeito à Europa como aos Súis (les Suds), verifica-se que os "movimentos" de protesto e de luta estão longe de ter desenvolvido uma visão estratégica alternativa coerente e forte, à altura dos desafios. É preciso ter a coragem lúcida de o dizer. Demasiados "movimentos" autocongratulam-se mutuamente pelas suas acções (perfeitamente legítimas) sem julgar necessário ir mais longe, ainda menos colocar ênfase nas insuficiências. Uma certa ideologia do "movimento" pretende que a soma de todas estas resistências e lutas produza por si mesma a alternativa. Nem a história nem a reflexão teórica e a observação da realidade confirmam este ponto de vista fácil.

Os povos fazem a sua história, mas nos limites das possibilidades objectivas oferecidas na sua época, tem sido dito. Ora acontece justamente que as possibilidades objectivas oferecidas pelo desenvolvimento tecnológico moderno são imensas: todos os problemas materiais maiores de toda a humanidade poderiam ser resolvidos. O obstáculo é constituído pelas lógicas da rentabilidade financeira que o capitalismo impõe. Libertos da sua submissão a estas lógicas os povos dariam à crise do sistema a saída humana desejada. Por outras palavras, o futuro depende das opções ideológicas e da invenção de formas de organização política adequadas. Ou ainda: o socialismo mundial não é apenas necessário, é objectivamente possível.

Esta proposição não significa que a resposta ao desafio seja "fácil". A inversão necessária no sistema das ideias e dos valores dominantes que a proposição implica é com efeito de uma amplitude gigantesca. Supõe que os povos dos centros do sistema — em particular os europeus — reinventem uma cultura de esquerda autêntica, em ruptura com o capitalismo e o imperialismo. Que à longa série dos capítulos sucessivos que constituíram a "cultura política da esquerda europeia" (as Luzes, a Revolução francesa, o movimento operário e o marxismo, a Revolução Russa) o imaginário dos povos europeus se revele capaz de inventar um capítulo novo. Supõe que os povos das periferias — a zona de tempestades — se libertem por sua vez das ilusões de um desenvolvimento possível no quadro da globalização capitalista e dos fantasmas de alternativas passadistas e que formulem alternativas de uma nova desconexão que responda aos desafios e às possibilidades da nossa época. Supõe que uns e outros reinventem formas de organização e de acção políticas adequadas e eficazes, pois a agenda das exigências é pesada de perguntas ainda sem respostas convincentes.

Indicarei aqui apenas, em termos muito breves, alguns dos eixos principais do desafio tal como os vejo:

i) definir novos assuntos históricos capazes de dominar as evoluções e de lhes dar as direcções desejadas.

ii) definir o desafio estratégico político que proponho "resumir" nos termos seguintes: conceber programas capazes de associar (e não dissociar) a) o progresso social; b) avanços democráticos, c) o respeito das Nações e dos povos. Isto implica entre outras coisas conceber uma União Europeia respeitosa das Nações e não construída contra elas.

iii) combinar a socialização pelo mercado e uma socialização pela democracia chamada a afirmar-se cada vez mais progressivamente.

iv) combinar a "competição" e a "solidariedade", tomando a medida da superioridade da solidariedade, que, através da história, esteve mais na origem do progresso do que a concorrência.

v) traduzir em termos concretos as políticas de regulação e de protecção eficazes para avançar em direcção a um desenvolvimento multidimensional, socialmente equitativo, e de duração ecológica, o que implica que se atribua à "lei" uma autoridade superior à do contrato" (conforme com a tradição europeia que também aqui está em conflito com a dos Estados Unidos).

vi) tomar a medida exacta das evoluções demográficas do continente europeu (o "envelhecimento" que não é "negativo" — excepto para aqueles a quem só interessa a maximização do lucro — mas o produto do progresso da humanidade), dar-lhes respostas correctas em termos de migrações (fundadas na rejeição da perspectiva comunitarista) e em termos de "financiamento de reformas" (fundadas sobre o princípio da repartição e não naquele dos Fundos de Pensões que opõem as gerações).

vii) identificar os constituintes de blocos hegemónicos nacionais, populares e democráticos, anti-imperialistas nas condições concretas dos diversos países do Sul e formular objectivos estratégicos da etapa que lhes corresponde.

Avanços nestas direcções tornam-se sinónimos de construção progressiva do internacionalismo dos povos. Trata-se com efeito de articular as lutas dos povos do Norte (através da recomposição da cultura de esquerda europeia) e as dos povos do Sul. Este internacionalismo necessário dos povos — de todos os povos — não se pode fundar sobre conceitos vagos de "solidariedade humana à escala mundial", que frequentemente frisam a caridade ou a indigência da análise. A luta contra a "pobreza", "a boa governação", a afirmação dos interesses comuns da humanidade diante dos desafios ecológicos (rarefacção dos recursos, deterioração dos climas) são emblemáticos deste método "idealista" (no sentido pejorativo do termo) que ignora os interesses dos grupos sociais afectados e os seus conflitos eventuais. O internacionalismo em questão deve ser fundado sobre a identificação de interesses comuns, diante de um adversário comum que não se pode qualificar senão de "capitalismo imperialista".

No seu tempo, a Terceira internacional leninista depois maoísta havia construído alianças mundiais que respondiam — em teoria e em parte, pelo menos — a um desafio análogo, formuladas nas condições e nos limites da sua época. Não se trata de produzir um remake deste capítulo da história, definitivamente encerrado. A nova articulação das lutas anti-imperialistas no Norte e no Sul está para inventar praticamente de A a Z.

Sem pretender estar à altura de formular mais do que a questão que nos aqui nos preocupa, proporei considerar que esta construção passa primeiro pela derrota do projecto dos Estados Unidos de controle militar do planeta. Esta é, na minha análise, a condição necessária sem a qual todo o avanço democrático ou social realizado aqui ou ali permanecerá extremamente vulnerável.

O internacionalismo dos povos não exclui o reconhecimentos de "contradições do seio do povo". Sendo o povo que se trata aqui é o do Planeta, estas contradições expressam-se não apenas no seio de um povo em especial mas igualmente entre os povos do mundo. É a razão pela qual o respeito da autonomia das Nações constitui o único pedestal sobre o qual pode ser construído o internacionalismo. O argumento aqui desenvolvido não é do "culturalismo" pelo qual se faz da singularidade cultural um motivo de rejeição da aspiração universalista. Sem dúvida a singularidade dos percursos históricos é uma realidade e como tal não deve jamais ser ignorada e desprezada. Mas para lá desta platitude, a modernidade construída pelo capitalismo sendo fundada sobre a inserção desigual dos povos na mundialidade, a emancipação (em nome dos valores universais que ela sublima) passa pela construção de um mundo multipolar. A receita liberal que consiste em submeter o planeta inteiro às mesmas "regras" (pelo menos na aparência senão na realidade — já que a realidade é sempre a "de dois pesos e duas medidas" em favor dos poderosos) produz necessariamente o aprofundamento das desigualdades.

Se a construção do internacionalismo dos povos releva em definitivo da responsabilidade dos povos (por distinção dos "governos"), isto é, as classes trabalhadoras como os movimentos e as organizações que são as suas, o combate para avançar nesta direcção não pode negligenciar as contradições (embora "secundárias") entre as classes dirigentes (ou seja, os Estados). Reenvio às propostas de leitura que fiz dos conflitos Norte-Sul em curso de cristalização (entrevista de S. Amin por Rémy Herrera, 50 ans après Bandoung, Recherches Internationales 2004).

Um outro mundo — melhor bem entendido — é possível. As condições objectivas existem para que possa ser assim. Não há determinismo histórico anterior à história. As tendências inerentes à lógica do capital embatem na resistência de forças que não aceitam os efeitos. A história real é então o produto deste conflito entre a lógica da expansão capitalista e as que decorrem da resistência de forças sociais vítimas da sua expansão. O desenvolvimento de lutas sociais pode levar ao poder blocos hegemónicos diferentes daqueles que governam a ordem neoliberal globalizada actual, fundadas sobre compromissos entre os interesses sociais de que se reconhece a diversidade e a divergência (blocos de compromisso capital-trabalho nos centros capitalistas, blocos nacionais-populares-democráticos anti-comprador nas periferias). Nesse caso o Estado encontra ampla margem de manobra no quadro de um sistema mundial fundado no princípio da multipolaridade negociada. É preciso trabalhar para que seja assim. A multipolaridade é então sinónimo de margem de autonomia real para os Estados. Esta margem será utilizada de uma maneira dada definida pelo conteúdo social do Estado em questão.

O momento actual é caracterizado pelo desenvolvimento de um projecto norte americano de hegemonismo à escala mundial. Este projecto é o único a ocupar hoje toda a cena. Não há mais contra-projecto visando limitar o espaço submetido ao controle dos Estados Unidos, como era o caso na época do bipolarismo (1945-1990); para lá das suas ambiguidades de origem o próprio projecto europeu entrou numa fase de apagamento; os países do Sul (o grupo dos 77, os Não Alinhados) que tiveram a audácia no decorrer do período de Bandung (1955-1975) de opor uma frente comum ao imperialismo ocidental renunciaram a isso; a própria China, que se manteve isolada, tem a ambição quase única de proteger o seu projecto nacional (de resto também ele ambíguo) e não se posiciona como parceiro activo na modelação do mundo.

O imperialismo colectivo da tríade é o produto de uma evolução real do sistema produtivo que produziu a solidariedade dos oligopólios nacionais dos centros do sistema que se expressa no seu cuidado de "gerir em conjunto", e em seu proveito, o mundo. Mas se a "economia" (entendida como a expressão unilateral das exigências dos segmentos dominantes do capital) aproxima o país da tríade, a política divide as suas nações. O potencial trazido pelo conflito das culturas políticas, apelando efectivamente a pôr fim ao atlantismo, fica então hipotecado pelas opções das esquerdas majoritárias (em termos eleitorais, os partidos socialistas europeus), aliados ao social-liberalismo.

A Rússia, a China e a Índia, são os três adversários estratégicos do projecto de Washington. Os poderes em vigor nestes três países tomam provavelmente uma consciência crescente. Mas parecem acreditar que podem manobrar sem ferir directamente a administração dos Estados Unidos. Uma aproximação euro-asiática (Europa, Rússia, China e Índia) que então certamente arrastaria o resto da Ásia e da África e isolaria os Estados Unidos, é certamente desejável. Há alguns sinais nesse sentido. Mas estamos ainda longe de ver a sua cristalização por fim à escolha atlantista da Europa.

Finalmente, o Sul em geral já não tem projecto próprio como foi o caso na era de Bandung (1955-1975). Sem dúvida as classes dirigentes dos países ditos "emergentes" (a China, a Coreia, a Ásia do Sudeste, a Índia, o Brasil e alguns outros) perseguem objectivos que elas parecem definir bem e para a realização dos quais os seus Estados agem. Estes objectivos resumir-se-iam na maximização do crescimento no seio do sistema da globalização. Estes países dispõem — ou julgam dispor — de um poder de negociação quer lhes permitiria tirar melhor proveito desta estratégia "egoísta" do que numa vaga "frente comum" construída com os mais fracos que eles. Mas as vantagens que podem obter dessa forma são particulares aos domínios singulares que os interessam e não põem em causa a arquitectura geral do sistema. Eles não constituem portanto uma alternativa e não dão a este vago projecto (ilusório) de construção de um "capitalismo nacional" a consistência que define um verdadeiro projecto societário. Os países do Sul mais vulneráveis (o "Quarto mundo") nem têm projecto próprio de natureza análoga, e o produto eventual de "substituição" (os fundamentalismos religiosos ou etnicistas) não merece este qualificativo. Também é o Norte que toma a iniciativa única de avançar "para eles" (dever-se-ia dizer "contra eles") os seus próprios projectos, como a associação União Europeia - ACP (e os "acordos de parceria económica" chamados a substituir os acordos de Cotonou com os países de África, das Caraíbas e do Pacífico), o "diálogo euro-mediterrânico", ou os projectos americano-israelenses respeitantes ao Médio Oriente e mesmo o "grande Médio Oriente".

Nota do tradutor
[1] Enclosures: A expressão designa o processo de expulsão das suas terras dos pequenos proprietários britânicos no fim do século XVIII, que pôs uma grande massa de gente na miséria e a vaguear pelo país. Esta massa de gente tornada miserável foi a base do capitalismo, pois veio a constituir o proletariado da Revolução Industrial.

Para uma explicação melhor ver Ellen Meiksins Wood, The Origin of Capitalism ,

Anónimo disse...

A ambição desmedida e criminosa dos EUA

por Samir Amin [*]


O mundo produz, os Estados Unidos consomem.
A "vantagem" dos Estados Unidos é a vantagem de um predador cujo déficit é coberto pelo aporte de outros, consentido ou forçado. Os meios usados por Washington para compensar suas deficiências são de naturezas diversas: violações unilaterais repetidas do liberalismo, exportação de armamentos em grande parte impostos a aliados subalternos, busca de rendas petrolíferas suplementares (que pressupõe a imposição da ordem entre os produtores, motivo real das guerras na Ásia Central e no Iraque).


Desde os anos 80, quando é anunciado o colapso do sistema soviético, desenha-se uma opção pela hegemonia que conquista a classe dirigente dos Estados Unidos. Levados pela vertigem de seu poder armado, desde então sem concorrente, os Estados Unidos decidem afirmar sua dominação, pelo desencadeamento de uma estratégia estritamente militar de "controle do planeta".

A estratégia política de acompanhamento do projeto prepara os seus pretextos, seja quando se trate do terrorismo, da luta contra o narcotráfico ou da acusação de produção de armas de destruição em massa.

A "guerra preventiva", formulada desde então como um "direito" que Washington invoca para si, faz abolir logo de início qualquer direito internacional. A Carta das Nações Unidas proíbe o recurso à guerra, salvo no caso de legítima defesa; e submete a condições severas sua eventual intervenção militar, que deve ser comedida e provisória. Todos os juristas sabem que as guerras empreendidas desde 1990 são perfeitamente ilegítimas e portanto que, em princípio, os que assumiram a responsabilidade de desencadeá-las são criminosos de guerra. As Nações Unidas já são tratadas pelos Estados Unidos, mas com a cumplicidade de outros países, como foi no passado tratada a Liga das Nações pelos Estados fascistas.

A abolição do direito dos povos, já consumada, substitui o princípio da igualdade pelo da distinção entre um Herrenvolk* (o povo dos Estados Unidos e acessoriamente o de Israel) que tem o direito de conquistar o "espaço vital" que julga necessário, e os outros povos, cuja própria existência não é nem mesmo tolerável, a não ser que não represente uma "ameaça" ao desenvolvimento de projetos dos autoproclamados "senhores do mundo". Tornamo-nos todos, aos olhos do establishment de Washington, uns "peles- vermelhas", quer dizer, povos que não têm direito à existência a não ser na medida em que não prejudiquem a expansão do capital transnacional americano.

ESTADO DA ECONOMIA

Quais são esses interesses "nacionais" que a classe dirigente dos Estados Unidos se reserva o direito de invocar como melhor lhe pareça? Na verdade, essa classe possui um único objetivo - "fazer dinheiro" -, tendo o Estado americano se colocado aberta e prioritariamente a serviço do segmento dominante do capital constituído pelas transnacionais dos Estados Unidos.

Esse projeto é imperialista no sentido mais brutal, pois não se trata de gerenciar o conjunto das sociedades do planeta para integrá-las num sistema capitalista coerente, mas somente de saquear os seus recursos. A redução do pensamento social aos postulados de base da economia vulgar, reforçada pela disposição dos meios militares que se conhecem, é responsável por essa derivação bárbara que o capitalismo carrega em seu interior e que o desembaraça de todo sistema de valores humanos, substituído pela submissão às pretensas leis do mercado. Pela história de sua formação, o capitalismo americano se prestava a esse reducionismo de modo ainda melhor do que o das sociedades européias. Pois o Estado americano e sua visão política foram formados para servir a economia e nada mais, abolindo por isso mesmo a relação contraditória e dialética entre a economia e a política. O genocídio dos índios, a escravidão dos negros, a sucessão de ondas de migrações substituindo a maturação da consciência de classe pelo confronto de grupos que partilhariam pretensas identidades comunitárias (manipuladas pela classe dirigente) produziram uma gestão política da sociedade por um partido único do capital, em que os dois segmentos partilham as mesmas visões estratégicas globais, partilham retóricas adequadas para se dirigir a cada um dos "eleitorados" da pequena metade da sociedade que crê no sistema o bastante para se dar o trabalho de ir votar. Privada da tradição pela qual os partidos operários social-democratas e comunistas marcaram a formação da cultura política européia moderna, a sociedade americana não dispôs de instrumentos ideológicos que lhe permitissem resistir à ditadura do capital.

Se esse projeto deve se desenvolver durante ainda um certo tempo, ele não gerará mais do que um caos crescente, exigindo uma gerência cada vez mais brutal a cada golpe, sem visão estratégica a longo prazo. No limite, Washington não buscará mais reforçar alianças verdadeiras, o que imporia fazer concessões. Governos fantoches, como o de Karzai no Afeganistão, cumprem melhor a tarefa enquanto o delírio da potência militar levar à crença da "invencibilidade" dos Estados Unidos. Hitler pensava assim.

"VANTAGEM DO PERDEDOR"

A opinião geral mais corrente é que o poder militar dos Estados Unidos constituiria apenas a ponta do iceberg, prolongando uma superioridade do país em todos os domínios, notadamente os econômicos, e ainda os políticos e culturais. A submissão à hegemonia que ele preconiza seria, portanto, incontornável.

O exame das realidades econômicas, porém, não dá apoio a tal opinião. O sistema produtivo dos Estados Unidos está longe de ser "o mais eficiente do mundo". Ao contrário, quase nenhum de seus segmentos teria certeza de vencer os seus concorrentes num mercado verdadeiramente aberto como o imaginado pelos economistas liberais. É prova disso o déficit comercial do país que se agrava de ano para ano, tendo passado de 100 mil milhões de dólares em 1989 a 450 mil milhões em 2000. Além disso, tal déficit se refere a praticamente todos os segmentos do sistema produtivo. Mesmo o excedente de que se beneficiavam os Estados Unidos no domínio dos bens de alta tecnologia, que era de 35 mil milhões em 1990, desde então deu lugar a um déficit. A concorrência entre o Ariane e os foguetes da Nasa, o Airbus e o Boeing mostra a vulnerabilidade da vantagem americana. Diante da Europa e do Japão para os produtos de alta tecnologia, da China, da Coréia e dos outros países industrializados da Ásia e da América Latina para os bens manufaturados triviais, diante da Europa e do Cone Sul da América Latina para a agricultura, os Estados Unidos não triunfariam, provavelmente, sem o recurso dos meios "extra-econômicos" que violam os princípios do liberalismo impostos aos seus concorrentes!

A economia americana vive como parasita em detrimento de seus parceiros no sistema mundial. "Os Estados Unidos dependem, para 10 por cento de seu consumo industrial, de bens cuja importação não é coberta pelas exportações de produtos nacionais" (E. Todd., Depois do Império, página 80).

O mundo produz, os Estados Unidos consomem. A "vantagem" dos Estados Unidos é a vantagem de um predador cujo déficit é coberto pelo aporte de outros, consentido ou forçado. Os meios usados por Washington para compensar suas deficiência são de naturezas diversas: violações unilaterais repetidas do liberalismo, exportação de armamentos em grande parte impostos a aliados subalternos, busca de rendas petrolíferas suplementares (que pressupõe a imposição da ordem entre os produtores, motivo real das guerras na Ásia Central e no Iraque). Resta dizer que o essencial do déficit americano é coberto pelos aportes em capitais provenientes da Europa e do Japão, aos quais se deve acrescentar a punção exercida em nome do serviço da dívida imposta à quase totalidade da periferia do sistema mundial.

A solidariedade dos segmentos dominantes do capital transnacional de todos os parceiros desse trio é real, e se exprime por sua adesão ao neoliberalismo globalizado. Os Estados Unidos são vistos nessa perspectiva como os defensores (militares, se necessário) desses "interesses comuns". Washington não busca "partilhar com eqüidade" os lucros de sua liderança. Os Estados Unidos se empenham, ao contrário, em tornar vassalos seus aliados, e dentro desse espírito não estão preparados para deixar a seus aliados subalternos do trio mais do que concessões menores. Esse conflito de interesses estará destinado a se agudizar a ponto de desencadear uma ruptura na Aliança Atlântica? Não é impossível, mas é pouco provável.

O conflito promissor se situa num outro terreno. O das culturas políticas. Na Europa, uma alternativa de esquerda se mantém sempre possível. Essa alternativa imporia simultaneamente uma ruptura tanto com o neoliberalismo quanto com o alinhamento às estratégias políticas dos Estados Unidos. O excedente de capitais que a Europa se contenta até agora em "colocar" nos Estados Unidos poderia então ser alocado a um relançamento econômico e social, sem o que esse relançamento continuará impossível. Mas, assim que a Europa escolhesse, por esse meio, dar prioridade a seu desenvolvimento econômico e social, a saúde artificial da economia dos Estados Unidos entraria em colapso e a classe dirigente americana se veria em confronto com seus próprios problemas econômicos e sociais. Eis por que "a Europa será de esquerda ou não será nada".

A LÓGICA DE HITLER

As causas que estão na origem do enfraquecimento do sistema produtivo dos Estados Unidos são complexas. Mas são estruturais. A mediocridade dos sistemas de ensino geral e da formação, produto de um preconceito tenaz que favorece sistematicamente o "privado" em detrimento do serviço público, é uma das razões mais importantes da crise profunda que a sociedade dos Estados Unidos atravessa.

A opção militarista dos Estados Unidos ameaça todos os povos. É proveniente da mesma lógica que foi no passado a lógica de Adolf Hitler: modificar pela violência militar as relações econômicas e sociais em favor do Herrenvolk do momento. Essa opção, ao se impor à frente do cenário internacional, sobredetermina todas as conjunturas políticas, pois a efetivação do desencadeamento desse projeto fragilizaria a um ponto extremo os avanços que os povos pudessem obter por suas lutas sociais e democráticas. Pôr em xeque o projeto militarista dos Estados Unidos se torna então a tarefa primordial, a responsabilidade maior, para todos. Sem dúvida, um certo número de governos do Terceiro Mundo é odioso. Mas o caminho para a necessária democratização não passa, certamente, por sua substituição por regimes fantoches vindos nos blindados do invasor, abandonando os recursos de seu país à pilhagem das transnacionais americanas.

O combate para pôr em xeque o projeto dos Estados Unidos é, com certeza, multiforme. Comporta aspectos diplomáticos (defender o direito internacional), militares (se impõe o rearmamento de todos os países para enfrentar as agressões projetadas por Washington - nunca esquecer que os Estados Unidos utilizaram armas nucleares quando tinham o seu monopólio e renunciaram a elas durante o tempo em que não tinham mais esse monopólio) e políticos (notadamente no que se refere à construção européia e à reconstrução de uma frente dos não-alinhados).

O combate contra o imperialismo dos Estados Unidos e sua opção militarista é o combate de todos os povos, de suas vítimas maiores da Ásia, África e América Latina, dos povos europeus e japoneses condenados à subordinação, mas também igualmente do povo americano. Saudemos aqui a coragem de todos aqueles que, "no coração da besta", recusam se submeter, como seus predecessores recusaram ceder ao macarthismo dos anos 1950. Como aqueles que ousaram resistir a Hitler, eles conquistaram todos os títulos de nobreza que a história pode conceder. A classe dominante dos Estados Unidos será capaz de voltar atrás do projeto criminoso a que aderiu? Uma pergunta que não é fácil de ser respondida. Evidentemente, algumas derrotas políticas, diplomáticas e talvez mesmo militares poderiam encorajar as minorias que, no seio do establishment dos Estados Unidos, aceitariam renunciar às aventuras militares nas quais seu país se engajou.

Se tivessem reagido em 1935 ou 1937, os europeus teriam conseguido deter o delírio hitlerista. Reagindo somente em setembro de 1939, eles se infligiram dezenas de milhões de vítimas. Atuemos para que, diante do desafio dos neonazistas de Washington, a resposta seja mais precoce.

[*] O autor é egípcio, formou-se em Paris e dirige o Fórum do Terceiro Mundo em Dacar, autor de "A Acumulação em Escala Mundial".

Publicado originalmente na revista brasileira Caros Amigos , edição 73, abril de 2002.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

Anónimo disse...

Antes do Iraque, Irã e Líbia lideravam a lista dos "Estados-bandidos". Outros, no entanto, jamais figuraram nela. A Indonésia é um bom exemplo: transformou-se de inimigo em amigo quando o general Suharto tomou o poder em 1965, ,após um banho de sangue muito aplaudido no Ocidente(10). Suharto iria rapidamente tornar-se "o nosso tipo de cara" (our kind of guy) por retomar uma fórmula do governo Clinton, enquanto cometia agressões mortais e atrocidades sem conta contra seu próprio povo. Somente nos anos 80, contam-se 10 mil indonésios mortos pelas forças da ordem, segundo o testemunho pessoal do ditador, que explica também que "deixamos os cadáveres espalhados, como uma espécie de terapia de choque."(11)

"Bandidos" bonzinhos

Mas ainda em dezembro de 1975 o Conselho de Segurança da ONU havia intimado a Indonésia a retirar "com urgência" suas tropas, que haviam invadido o Timor Leste, antiga colônia portuguesa, e pedido que "todos os Estados respeitassem a integridade do Timor-Leste, bem como o direito inalienável de seus habitantes à autodeterminação". Os Estados Unidos iriam responder a essa decisão das Nações Unidas aumentando secretamente as remessas de armas aos agressores. O então embaixador da ONU, Daniel Patrick Moynihan, se diz orgulhoso, em suas memórias, por ter tornado as Nações Unidas "totalmente ineficazes, em quaisquer que fossem as medidas que tomassem" no que se referia à Indonésia. E isso, seguindo as instruções do Departamento de Estado, "que desejava que as coisas evoluíssem como evoluíram e trabalhou para tal". Washington também aceitaria tranqüilamente o roubo do petróleo do Timor (com a participação de uma companhia norte-americana), apesar da transgressão da legalidade que isso representava e em detrimento de qualquer interpretação razoável dos acordos internacionais. A analogia entre as situações do Timor-Leste e do Kuait é bastante próxima, mas há algumas diferenças. Para falar apenas da mais evidente: as atrocidades cometidas - com a bênção norte-americana - pelo regime indonésio na ilha do Timor, ultrapassam em muito qualquer coisa atribuída ao Iraque no seu vizinho(12). Isso, porém, não fez da Indonésia, na lista de premiados estabelecida por Washington, um "Estado-bandido".

Anónimo disse...

XANANA GUSMÃO POR OCASIÃO DAS CERIMÓNIAS OFICIAIS PARA A
COMEMORAÇÃO DO 28 DE NOVEMBRO Dili
28 de Novembro de 2002

Sua Excelência o Presidente Interino do Parlamento Nacional,
Sua Excelência o Primeiro Ministro,
Distintos Membros do Parlamento Nacional,
Distintos Membros do Governo,
Distinto Vice Representante Especial do Secretário Geral da ONU
Distintos Representantes das Missões Diplomáticas,
Senhoras e Senhores,

Esta é mais uma data para se celebrar a independência de Timor-Leste! A
independência não deveria ser celebrada, a independência deveria ser vivida
nos seus benefícios. E é este o nosso problema maior, depois de mais de duas
décadas de luta e depois de, mais recentemente e como ponto de referência, o
20 de Maio de 2002. O que é que deveria significar a independência?
Não será o conceito de “ou tudo ou nada”, mas temos a certeza deveria significar
alguma coisa. Não “deveria significar alguma coisa”, podemos orgulhar-nos de
termos uma bandeira, um hino e uma Constituição. Podemos afirmar também
que temos um Presidente da República, que temos um Parlamento com 88
membros, muitos dos quais estão sempre a faltar e um Governo com muitos ministros e vice-ministros, porque se diz que há muito trabalho a fazer.

Não “ou tudo ou nada”, podemos dizer que a independência significa, hoje em
dia, um país com muitos problemas, que não são resolvidos com o devido cuidado.

28 de Novembro é uma data da FRETILIN! 20 de Maio é também dia da FRETILIN!
A maioria no Parlamento é da FRETILIN! O Governo é essencialmente da FRETILIN!
A independêncai serviu para se atender aos quadros da FRETILIN! A independência
é para atender também Antigos Combatentes da FRETILIN!

Celebra-se o 28 de Novembro de 2002, com a sensação de mágoa, por causa dos
problemas de Uatu-Lari, com os problemas em Dili, com os problemas de Ualili e
Baucau, com os problemas de Same e Ainaro, com os problemas de Ermera e Liquiçá, com os problemas de Suai Maliana.

Infelizmente, nota-se que, criando problemas, pode-se levar algumas
pessoas a Ministro,e que essas pessoas, depois de serem Ministros, só
sabem aumentar os problemas.

Há poucas semanas atrás, dei posse a mais um Vice-Ministro de
Administração Interna, fazendo o apelo para que aquele Ministério
comece a resolver com vigor os problemas que afectam a establidade
e a segurança do país. O facto é que os problemas têm vindo a acumular-se.

Se a independência é só da FRETILIN, eu não tenho nada a comentar.
Se a independência para todos nós, todos os timorenses, eu aproveito esta
oportunidade para exigir ao Governo a demissão do Ministro da Administração
Interna, o Sr. Rogério Lobato, por incompetência e desleixo.

Conforme a Constituição, Timor-Leste ficou independente em 28 de
Novembro de 1975! Há 27 anos que se é independente – vejam
só! Presto a minha homenagem à FRETILIN!

Porém, para a Comunidade Internacional, ficámos independentes em 20
de Maio de 2002! Eu próprio fiquei sem saber como fazer um
discurso em 28 de Novembro, com tantos problemas que o Governo
tem nas suas mãose, ainda por cima, com duas datas nas minhas mãos!

A justificação de que só há seis meses atrás se recuperou a soberania,
não pode prolongar-se indefinidamente. A questão de que só pertence
a alguns a obrigação ou a legitimidade de gerir Timor-Leste é
reveladora não só de arrogância, como também de ausência de
maturidade política e da total falta de consciência das dificuldades do
país.

O que se nota é que as pessoas se deixam levar, muitas vezes, a assumir
que os quadros do Partido é que merecem ser nomeados para este ou para
aquele lugar!

Perdeu-se a noção dos “interesses nacionais”, perdeu-se a noção dos
“superiores interesses do povo e do país”, perdeu-se a noção da nova
conjuntura do processo, que exige a capacidade para cumprir e
dedicação para servir.

As pessoas ficam deslumbradas com o “poder”, as pessoas ficam
obsecadas por, como quadros do Partido, serem ou terem que
ser os que mandam. As pessoas só sabem exigir que os quadros do
Partido, não importa se são bons técnicos ou não, não importa se
fizeram alguma coisa à luta ou não fizeram nada, mas porque são
quadros do Partido têm que ser eles os “grandes”.

As pessoas começam, erradamente, a medir o número de lugares pelo
número dos quadros do Partido, para que todos se acomodem porque
o partido é grande, e as pessoas ficam insatisfeitas porque nem todos
sobem ou nem todos podem ir para cima. Esta é a doença que arrastou
muitos partidos e muitos países recém-independentes ao desmando,
à ineficiência, à corrupção e à instabilidade política, onde os governantes
vivem bem e o povo na miséria.

Hoje, o Povo vive as maiores dificuldades no seu dia-a-dia, mas
o Partido vive o problema de não poder acomodar todos os seus
quadros, com o perigo ainda de virmos a ter incompetentes
administrando distritos e sub-distritos.

Disto tudo, se nota que muitas pessoas se servem dos partidos e não
servem os seus partidos, e se servem os seus partidos não servem o país.


Hoje, celebra-se o 28 de Novembro e convido a todos a
pensar nos deveres de cada um como cidadão e,
sobretudo para alguns, nos deveres como governantes.

Muita gente ainda não sabe o quanto somos vulneráveis,
depois da independência. Os Partidos políticos vivem a
ilusão da independência, quando estamos, mais do que
nunca, tão dependentes! Dependentes dos favores de
outros, dependentes da grandeza e capacidade de outros,
dependentes da nossa própria fraqueza ... de sermos um
país pobre, pequeno e inexperiente.

Muita gente desconhece que levamos já como país
sub-desenvolvido um estigma, como que um pecado
original: a culpa de sermos pobres, pela qual temos que
“render graças” aos que mais sabem, aos que mais
podem, aos que decidem ... por nós, porque as regras de
jogo já estavam estabelecidas e o 28 de Novembro de
1975 não significou absolutamente nada.

Aqui dentro, aqui em Timor-Leste, iniciámos os primeiros
ensaios de aprendizagem política, tornando-nos mais
vulneráveis ainda, enquanto nação, enquanto povo. E os
que podem vão continuando a tentar ajudar-nos a criar a
sensação de sobrevivência, porque a tentação que existe
hoje, nos timorenses, é a satisfação das recompensas,
haja ou não haja motivos para isso. Perdemos a noção da
Nação, porque nos agarramos ao sentido dos interesses
partidários.

Repito: muita gente desconhece o quanto somos
vulneráveis, depois de 20 de Maio. E se não corrigirmos
as atitudes, se não corrigirmos as irresponsabilidades,
mais vulneráveis nos tornaremos, em cada ano que
passa.

Muitos não têm a noção de que vivemos de esmolas,
outros não têm a noção de que não podemos continuar a
viver de esmolas. Alguns pregam o sentido de realismo,
que eu diria de pactuação porque as leis do jogo não são
nem podem ser nossas, são dos que podem para não
dizer dos que mandam.
Nós os timorenses entretemo-nos, nas nossas politiquices
nos preocupando em saber do nosso papel, como país
independente, e das nossas obrigações, porque só temos
obrigações, como país pobre e sub-desenvolvido.

É lindo celebrarmos a independência, duas vezes por ano.
É triste, contudo, que o nosso povo tenha tantas
lamentações, por cada dificuldade não resolvida.

Apelo ao Governo, aos Partidos sobretudo e ao
Parlamento para considerarem seriamente os problemas
que estão a acumular-se, ameaçando a estabilidade do
País. Obrigado.
- 1:16 AM
Quinta-feira, Novembro 28, 2002

Anónimo disse...

malayazul

Sabia que o jornal em língua portuguesa "Jornal Nacional Semanário", fundado em 19 de Dezembro de 2002, foi obrigado a congelar a publicação por falta de apoios nesta confusão toda e que deixou de ser seguro para os jornalistas liderados pela Nilva Guimarães continuarem com a publicação em Língua portuguesa?

Sabia que foram ameaçados várias vezes e a casa da directora dos dois jornais, Jornal Nacional Diário e Jornal Nacional Semanário, foi das primeiras a ser incendiada?

Sabe que em causa estão 35 postos de trabalho directos e mais de 50 indirectos em todos os distritos?

Só o JNDiário está a sair mas com muito medo, muito medo mesmo?

Onde fica a língua portuguesa em toda esta questão? e onde fica a coragem de Portugal em apoiar projectos em Língua de Camões? Uma das duas oficiais de Timor-Leste!

Onde anda o Brasil e os outros países de Língua portuguesa? onde estão quando necessários para garantir o cumprimento de um desígnio nacional timorense em defesa da integração do país no grupo falante de língua comum?

Parece que nada aprendem com as estratégias anglosaxónicas, é pena, é pena mesmo que assim seja.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
This is my blogchalk: Timor, Timor-Leste, East Timor, Dili, Portuguese, English, Malai Azul, politica, situação, Xanana, Ramos-Horta, Alkatiri, Conflito, Crise, ISF, GNR, UNPOL, UNMIT, ONU, UN.