terça-feira, junho 13, 2006

Dos leitores do Abrupto sobre Timor

JPP dixit: ADENDA: Por exemplo, ninguém se pergunta sobre o significado de "acantonar" a GNR num único bairro em Timor e o que isto significa de entradas de leão e saídas de sendeiro.

Queria só dar-lhe conta de que quando vi esta notícia o que me passou pela frente (embora nunca possa certamente vir a ter tão desgraçado e infeliz desfecho) foi a imagem dos nossos bravos do Corpo Expedicionário Português, enviados para as piores localizações e, em muitos casos, para a morte, para algo que duvido muito que tenha tido – em termos estritamente políticos – justo destaque na altura. Claro que nada de semelhante se passará agora, mas parece-me patente a intenção de nos dar algo para tratarmos que será certamente sempre complicado e, por outro lado, sempre pequeno.

A fama da GNR em Timor é muita, a capacidade será também certamente muita, mas haverá todo o interesse em que não brilhe…

(António Delicado)


*

Não saí de Timor-Leste.

E cá estarei apesar desta guerra de nervos. Todos os dias somos bombardeados por uma campanha sistemática que tem como único objectivo derrubar o primeiro-ministro.

Para nós, portugueses, praticamente que o nosso dia-a-dia é o mesmo. Mas as tragédias pessoais das famílias timorenses são assustadoras.

Vale tudo. Os boatos iniciais que resultaram no pânico colectivo da população, e que a levou a abandonar a capital, tentando parar todas as instituições; às declarações diárias do Ramos-Horta a manifestar a sua disponibilidade de ser Califa no lugar do Califa, vendendo o seu país aos invasores; os ataques dos governantes australianos ao governo; as manobras de certo corpo diplomático; as tentativas de virar os orgãos de soberania uns contra os outros; o apoio e a passividade das tropas australianas com os desertores e afins; os títulos da imprensa australiana; e as recentes provocações à Fretilin para que isto se transforme numa guerra civil. Enfim, vale tudo para desestabilizar e dar ao mundo uma imagem da necessidade de derrubar um governo que enfrenta os objectivos da Austrália na região.

Mas uma coisa é certa. A única pedra no sapato, o único obstáculo entre a ocupação de Timor-Leste pela Austrália, tem sido a imprensa portuguesa e o Governo português.

Patriotismos exarcebados ou não, é aqui que se tem feito resistência a um invasor arrogante e sem escrúpulos..

Fora de Díli, excepto nas vilas onde estão os ex-militares sustentados pelos militares australianos, as instituições funcionam, a polícia existe e a vida parece a mesma como há dois meses atrás.

Assisti à tentativa da missão da UN em evacuar todos os internacionais que apoiam os orgãos de soberania de forma a parar o país.

Assisti ao Ramos-Horta a ajudar os objectivos australianos numa campanha de auto-promoção ridícula, esperando eu ainda, que o esteja a fazer acreditando que é o melhor para o país.

Assisti incrédula à passividade das tropas australianas ao lado de jovens que incendiavam e que disparavam, assisti aos apelos desesperados de outros para os defenderem.

Assisti ao alegre convívio entre militares americanos e australianos, e os desertores.

Assisti aos pedidos de governantes ao comando australiano para que parasse a violência e defendesse a população sem qualquer efeito.

Assisti à tentativa do comando australiano em neutralizar capacidade que a GNR tem de acabar com os distúrbios nas ruas de Díli.

Assisti a muitos timorenses corajosos ficarem nos seus postos, onde agora vivem, por lhes terem sido destruídas as casa e tudo o que tinham.

Mas também assisti à resistência de muitos funcionários da UN e de outras instituições, na maior parte portugueses e brasileiros, que ficaram mesmo ameaçados que os seus contratos acabassem.

Assisti a muitos portugueses que no meio dos confrontos foram buscar amigos timorenses e os seus familiares, debaixo de fogo, já com uma presença de mais de 1.500 militares australianos que nada, nada fazem para evitar a violência.

Assisti a outros que tudo fizeram para mostrar ao mundo que estávamos à beira de um golpe de estado.

Outros que conseguiram travar a intriga entre o PR e o PM e que ajudaram a que se entendessem.

Assisti também, aos esforços de dirigentes da Fretilin em travar militantes desesperados que queriam vir defender o PM, que quer queiram quer quer não, foi eleito com larga maioria, e cujo partido há poucos meses, nas eleições locais, voltou a demonstrar que representa a maioria dos eleitores, com larga margem.

E assisto todos os dias ao empenho de muitos timorenses, portugueses e brasileiros, para que os orgãos de soberania, não deixem de funcionar como seria tanto do agrado do governo australiano que levou o país ao caos, sustentando e manipulando todos os grupos insatisfeitos que encontraram.

Exaustos, uns dias mais difíceis, outros com mais esperança. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para que a situação volte ao normal e que o país funcione.

Como sabe não votei no partido do Governo que elegeu o primeiro-ministro de Portugal. Nem alguma vez simpatizei politicamente com o nosso MNE.

Mas, aqui em Timor-Leste, em Camberra e em Nova Iorque, fez a diferença. Houve alguém no Palácio das Necessidades que se deu ao trabalho de reagir a tempo. Que nos ouviu. Que fez o que tinha que fazer. E que não escolheu o caminho mais fácil que seria o de abandonar os nossos aliados.

Como sabe, tanto se me dá o nome do país que consta no meu passaporte, não ponho bandeiras de Portugal à janela e nem sequer aí vou passar férias.

Mas o governo do meu país tomou a decisão correcta e está a ter sucesso.

E se alguém não compreende que, apesar de estrangeiros, nos sentimos em casa e que adoramos viver neste país, I could't care less.

Os timorenses compreendem. Ao lado deles resistimos, mesmo que alguém não nos considere politicamente correctos.

(M.)

*

Ouvi na TSF uma noticia sobre os deslocados Timorenses...
Porque não usar a palavra habitual: refugiados?
Não entendo a relutância de certa imprensa em motrar que os timorenses são um povo como outro qualquer: capaz do melhor e do pior.
Porque carga de água são deslocados e não refugiados? Se até o ACNUR já está a ajudar.

(Alberto Mendes)

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7 comentários:

Anónimo disse...

É uma questão de terminologia técnica.
Veja-se a definição: A refugee is a person seeking asylum in a foreign country in order to escape persecution.

Por oposição: An internally displaced person (IDP) is someone who has been forced to leave their home for reasons such as natural or man-made disasters, including religious or political persecution or war, but has not crossed an international border.

A diferença está no atravessamento ou não de uma fronteira internacional.

Daí a designação de deslocados e não de refugiados aos Timorenses na actual situação.

Em 1999, os que foram forçados a partir para o lado Indonésio de Timor eram refugiados.

Anónimo disse...

UM VALENTE ABRAÇO AO (M.)! De Timor â coisa de dois dias que não se houve falar por aqui, nem de como se está a sair a GNR (suponho que «no news are good news»). É só a gaita do futebol. Quanto é para que saiba que aqui existe o máximo apoio para o papel brilhante e decisivo que vocês estão a desempenhar (já quando foi da questão da escolha da língua, em 2000, eu me lembro da «santa» UNICEF - que nunca mais verá um tostão meu, está visto - a boicotar todas as inciativas portuguesas e a - sempre no ar condicionado - a torcer para o lado dos australianos. Enquanto os timorenses quizerem estaremos sempre com eles (e há gente muito inteligente em TL, e também gente muito estúpida, provavelmente como em todo o lado)

Anónimo disse...

Muitíssimo obrigada M. pelo seu frontal, detalhado e tão humano depoimento e o desejo de que a normalidade não demore e que todos possam ter casas em breve. Ser-se humanamente correcto e políticamente honesto é o que interessa.

Anónimo disse...

Já agora aproveito para enviar um abraço ao António Delicado.

Anónimo disse...

qual é a vantagem de lingua oficial de timor ser portugues?? que eu saiba os nossos vizinhos nao falam portugues. falar portugues em timor é um passo para tras. Ate a bahasa podia ser melhor ja que é parecida com o malayu.

Anónimo disse...

Um recíproco abraço para o anónimo das 10:44

AD

Anónimo disse...

Fico sensibilizado pela descrição e tenho a noção que é mesmo verdade!
A coragem e determinação tem sido um exemplo dos portugueses que ficaram em Timor-Leste.
Ajudar os mais fracos e necessitados é reflexo de grande generosidade que identifica pessoas de forte carácter e generosidade. Os amigos vêem-se nas ocasiões.
Continuem malais que os nossos amigos merecem! Força!

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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