segunda-feira, outubro 20, 2008

Antropólogos forenses procuram as "vozes" do massacre de Santa Cruz

** Pedro Rosa Mendes, da Agência Lusa **

Díli, 18 Out (Lusa) - Entre a ciência e a tradição, há duas maneiras de fazer “falar” os mortos em Timor-Leste: com rituais ou com escavações.

Rituais acontecem mas, fora do trabalho da Unidade de Crimes Graves das Nações Unidas sobre os crimes de 1999, quase todos os ossos da violência em Timor-Leste estão por exumar.

Mesmo em relação a massacres como o do Cemitério de Santa Cruz.

Soren Blau, da Austrália, e Luis Fondebrider, da Argentina, antropólogos forenses, iniciaram em Julho deste ano a escavação relativa ao massacre de 1991, com a escavação de vários locais, nos arredores de Díli, em busca de restos mortais.

A primeira série de escavações, realizada na área de Tíbar, na periferia oeste da capital, “não revelou a existência de nenhuns restos humanos”, afirmou hoje Soren Blau à Agência Lusa.

O número de corpos por encontrar, ou de vítimas do massacre de Santa Cruz, “situa-se entre os 19 e os cerca de 400”. Os relatos diferem e muitos não são credíveis “ou são propaganda indonésia”, notam os especialistas.

O massacre de 12 de Novembro de 1991 nunca foi seriamente investigado, apesar de se tratar do momento de viragem na luta pela independência de Timor-Leste.

Esta lacuna e a importância histórica do massacre foi a motivação da Equipa Forense Internacional, um projecto de colaboração do Instituto de Medicina Forense de Victoria, Austrália, onde trabalha Soren Blau, e da Equipa Argentina de Antropologia Forense (EAAF), que Luis Fondebrider fundou em 1984 em Buenos Aires.

Soren Blau e Luis Fondebriderr trabalham neste projecto com financiamento da Cooperação Australiana (AusAid) e na base de um memorando de entendimento assinado com o governo de Timor-Leste.

“Isto não é chegar a um sítio e cavar um buraco. A nossa abordagem é diferente”, nota Luis Fondebrider.

O trabalho de Soren Blau e Luis Fondebrider foi explicado e articulado em contacto com cerca de 60 famílias de vítimas do massacre de Santa Cruz.

A mediação com os especialistas foi feita por Gregório Saldanha, um dos organizadores da manifestação de estudantes que foi reprimida no massacre, e de Jacinto Alves, membro de duas das comissões criadas para investigar a violência dos 24 anos de ocupação e de 1999.

“Antes de escavar é preciso conhecer os familiares e as comunidades (das vítimas) e tentar incorporar os rituais e processos religiosos no trabalho”, contou Luis Fondebrider.

A falta de resultados da equipa forense em Tíbar provocou a insistência das famílias na continuação do projecto.

“As famílias com quem trabalhamos não ficaram necessariamente satisfeitas com a nossa resposta e usaram os seus meios espirituais para tentar encontar o local” das valas-comuns, conta Soren Blau.

“Isso conduziu-nos a escavar em vários outros locais em Tíbar, que é uma área muito grande”.

As escavações continuaram a não produzir resultados.

“Passaram 17 anos do massacre. Há muita frustração (das famílias) e diferenças de aproximação entre ciência e espiritualidade”, acrescenta o seu colega argentino.

“Não é fácil explicar os conceitos científicos. A resposta era, por vezes, dizerem-nos que não tínhamos escavado suficientemente fundo”, recorda Soren Blau.

Luis Fondebrider integrou a equipa que, em 1997, descobriu na Bolívia os restos mortais do argentino-cubano Ernesto “Che” Guevara, o líder mítico da Revolução Cubana.

Essa descoberta aconteceu “ao fim de dois anos e meio de escavações”, sublinha o especialista argentino.

“Às vezes demora-se muito tempo. Não podemos abordar as escavações com um prazo fechado”, adianta o responsável da EAAF, que tem experiência da América Latina, Balcões e África (incluindo Angola).

“É um projecto de longo-prazo. O problema é que não temos uma equipa em permanência no terreno para recolher informação. Estamos a tentar criar essa equipa com pessoas daqui, para recolher provas, avaliar e decidir” onde escavar a seguir, afirmou o antropólogo argentino.

Apesar de tudo, explicou a especialista australiana, os mortos de Santa Cruz “falaram” por omissão: as escavações em Tíbar permitiram, pela “interpretação da paisagem”, negar relatos e falsas informações de que teria havido escavações anteriores ou mudança das valas-comuns.

Os dois especialistas vão voltar em Fevereiro, para continuar as escavações em Hera, alguns quilómetros a leste de Díli. Lá se encontram as únicas campas identificadas como sendo de vítimas de Santa Cruz.

As famílias estarão, como em Tíbar, velando dia e noite para ouvir os seus desaparecidos falar. E esperam ouvir o mesmo de sempre. “Querem a verdade”, resume Luis Fondebrider.

Lusa/fim

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Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

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Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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