segunda-feira, abril 02, 2007

O homem deles em Timor

Expresso
31-03-07
Por Pedro Rosa Mendes

Perfil
James Dunn, o mentor da estratégia australiana

É o decano da diplomacia oficial e oficiosa da Austrália em Timor. Desde 1961, foi cônsul, enviado, agente, especialista, amigo. Conheceu a colónia, a guerra civil, a ocupação e a independência. Voltou na última crise. Com idade para olhar a História de cima.

James Dunn, 78 anos, é do tempo em que Portugal tinha colónias. Conviveu o suficiente com portugueses do Império para saber dizer "Ultramar" sem falhar os erres. A sua história cruzou-se com a de Portugal na esquina mais óbvia para um australiano: Timor. Dunn foi cônsul da Austrália em Díli, onde desempenhou durante 40 anos inúmeras missões. Voltou há dias, quase octogenário, "sem missão oficial ou oficiosa", mas com agenda carregada e em vésperas de eleições presidenciais (9"de Março).

A voz e os olhos (muito azuis) são bem menos velhos do que ele, que foi cônsul em Díli pela primeira vez entre 1961 e 1964. As suas ideias são igualmente claras. Sobre o sofrimento "colossal" timorense e a persistência do trauma. Sobre a comunidade internacional, que "nunca cumpriu as expectativas criadas aqui". Sobre a Austrália, que em 1975 "teve o acto vergonhoso de encorajar a invasão" indonésia e em 1942 "chamou os japoneses" ao desembarcar tropas em território português. Sobre Portugal, "que nunca teve recursos para reconstruir Timor". Sobre a impunidade indonésia, porque "qualquer massacre cometido aqui durante os 24 anos foi mais grave do que os dois crimes que levaram Saddam Hussein à forca".

Lisboa impediria a invasão

É possível resolver a guerra civil em 1975 e impedir a invasão indonésia se os portugueses tivessem regressado de Ataúro", afirma James Dunn. O governador Lemos Pires retirou para a pequena ilha fronteira a Díli com as tropas portuguesas na altura em que UDT e Fretilin começaram a matar-se entre timorenses.

Como se sabe, o filme foi outro. "Não culpo Lemos Pires", sublinha James Dunn. "Ele era um bom general, um oficial muito bom, e teria respondido de outra maneira se alguém o tivesse ouvido em Portugal. É bom não esquecer que Portugal estava em crise nessa altura. No Ocidente, devíamos ter compreendido isso e ajudado".

"Pessoalmente", James Dunn sugeriu ao brigadeiro Lemos Pires que voltasse a Díli com os pára-quedistas sem esperar ordens de Lisboa. "Teria entrado na História".

Verão Quente à parte, a invasão indonésia poderia ter sido evitada por outra via, diz James Dunn. "Não é um facto muito conhecido que, em 1975, apesar de Suharto ter autorizado uma operação de inteligência em Timor-Leste, ele estava muito relutante em permitir uma operação militar", conta o ex-cônsul australiano.

"Sabendo isso, como nós sabíamos, tínhamos a oportunidade de fazer pressão sobre Suharto para ele não permitir uma operação militar. Mas ninguém o fez", refere. Havia uma plataforma de influência sobre Suharto, explica James Dunn.

"A economia indonésia estava numa situação muito frágil e dependia de um grupo de países como o Reino Unido, a França, a Suécia, o Japão e os Estados Unidos. Podíamos ter enviado uma mensagem forte a Suharto".

James Dunn, que era na altura um dos principais conselheiros de política externa do Parlamento australiano, sugeriu em Camberra o envio de um diplomata para dizer a Suharto "em linguagem diplomática, `Senhor Presidente, o caminho não é esse', garantindo-lhe que não haveria um regime comunista aqui".

"A propósito", diz James Dunn, "o comunismo timorense era muito fraco na altura" e o medo indonésio, por extensão ocidental, "não fazia sentido". Dunn cita o voto residual dos timorenses no PCP nas eleições de 1975 em Portugal.

"Mesmo na Fretilin, havia apenas cinco ou seis comunistas e estavam isolados.

Nicolau Lobato ou Francisco Xavier do Amaral não queriam um país comunista", afirma. E acrescenta: "Isso foi inventado por pessoas que usaram o medo da Guerra-Fria para denegrir. A um comunista, podia fazer-se tudo - pelo menos na mente de algumas pessoas..."

Sobre Henry Kissinger, o secretário de Estado norte-americano que visitou Suharto nas vésperas da invasão de Díli, James Dunn diz que "era um grande pragmatista. Lidava com situações grandiosas em que estavam em causa interesses americanos. Isto era pequeno. Por que não haveria a Indonésia de invadir?"

Autor de dois livros sobre Timor, James Dunn tem sido recebido e ouvido pelo quem-é-quem da liderança timorense. Não é favorável o balanço que faz da geração da independência: "Sobreavaliámos a liderança timorense". Outro problema é que "as Nações Unidas saíram daqui em 2002 levando dois terços da economia consigo, numa altura em que o desemprego atingia 65%. Eu disse ao Sérgio Vieira de Mello, na véspera da independência, que isto era uma bomba-relógio". A bomba explodiu há poucas semanas. Foi quando o primeiro-ministro, José Ramos-Horta, convidou James Dunn a vir a Díli. O velho homem dos australianos em Timor mantém o sentido de humor: "Cheguei no dia em que a Austrália mandou sair o pessoal daqui. A primeira coisa que me deram na embaixada foi um formulário de evacuação".

1 comentário:

Anónimo disse...

Afinal não acertei, foi um australiano quem o Pedro Rosa Mendes (PRM) entrevistou esta semana e não mais um europeu. Contudo, novamente, o PRM desperdiçou por completo a oportunidade de nos elucidar sobre a crise e os seus autores e embora tenha escrito que o James Dunn “Voltou na última crise”, por convite do Ramos-Horta, nada explicou. Não que lhe faltasse material (bastava uma busca no google), mas o PRM preferiu entreter-nos com as historietas do passado.

Possivelmente não quis lembrar que o Mr. Dunn “viajou para Dili em 1 de Julho de 2006 a pedido do primeiro-ministro de Timor-Leste em-espera José Ramos Horta. ”Estou a trabalhar num projecto muito sensível – Foi-me pedido para organizar uma agenda para as políticas a serem implementadas pelo novo governo," disse ontem Mr Dunn.” (segundo Andrew Drummond no Fairfax Digital em 10/07/06)

E que o próprio Mr. Dunn após terminar a “tarefa” escreveu (25.07.06, http://www.mmiets.org.au/) “O meu papel no renascer de Timor-Leste, chegou, por agora, ao fim (…).
A minha preferência ia para os rebeldes, ou oficiais desobedientes, serem persuadidos ou que lhes dessem ordens de regressarem aos quartéis (…).
“O que o Governo de Horta deve fazer (…) é agir rapidamente em relação à segurança e à economia (…) o governo de Horta precisa de apoio doméstico e internacional para atingir os seus objectivos. (…)
Sugeri uma campanha em todo o país contra a violência e a discriminação, e fiquei muito satisfeito quando um grupo de jovens se encontraram e ofereceram um diálogo aberto em prol da unidade e contra a violência. (…)”

Claro que o PRM teria que explicar factos embaraçosos aos leitores tais como o anúncio oficial de que Ramos Horta seria o novo PM só ter sido feito a 2 de Julho, e de o PR só ter recebido a delegação da Fretilin a 8 de Julho; e de Ramos-Horta só ter sido nomeado a 10 desse mês e de os ministros terem tomado posse só a 14…

E mais embaraçoso ainda foi o facto de a 25 de Julho o Reinado ter sido surpreendido pela GNR com armamento militar, em Dili e por conseguinte ter sido detido com mais 20 do seu grupo e ter sido preso, com acusações de tentativa de homicídio e posse ilegal de armas…exactamente no mesmo dia em que o Mr. Dunn terminou a missão.

Eu se tivesse tido oportunidade de falar com Mr. Dunn garanto que em vez de perder tempo com as historietas do passado teria conduzido a conversa não só para a sua missão em Julho passado como até para a missão do Mr. Dunn quando conselheiro da Missão das Nações Unidas em Timor-leste (UNMET) em 1999…e procuraria saber porque é que a ONU atrasou tanto a formação das F-FDTL e pior ainda, porque é que a Austrália e os USA votaram a saída da componente militar da ONU de Timor-Leste quando o próprio Governo da RDTL (e até Kofi Annan) a acharam prematura.

Traduções

Todas as traduções de inglês para português (e também de francês para português) são feitas pela Margarida, que conhecemos recentemente, mas que desde sempre nos ajuda.

Obrigado pela solidariedade, Margarida!

Mensagem inicial - 16 de Maio de 2006

"Apesar de frágil, Timor-Leste é uma jovem democracia em que acreditamos. É o país que escolhemos para viver e trabalhar. Desde dia 28 de Abril muito se tem dito sobre a situação em Timor-Leste. Boatos, rumores, alertas, declarações de países estrangeiros, inocentes ou não, têm servido para transmitir um clima de conflito e insegurança que não corresponde ao que vivemos. Vamos tentar transmitir o que se passa aqui. Não o que ouvimos dizer... "
 

Malai Azul. Lives in East Timor/Dili, speaks Portuguese and English.
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