Público, 12.02.2008
Francisca Gorjão Henriques
Foi apenas há quatro dias: o primeiro-ministro timorense, Xanana Gusmão, dizia à agência Lusa que o major Alfredo Reinado "não é uma ameaça à estabilidade" do país. Ontem, poucos tinham dúvidas de que, por pouco, o major de 40 anos não conseguia colocar (novamente) Timor-Leste a ferro e fogo. Mas a morte deixa uma sombra a pairar sobre quem foi este homem que passou de refugiado a chefe militar e de chefe militar a rebelde.
O International Crisis Group chamou-lhe obstinado e desafiador, "um sintoma abrasivo da situação difícil timorense", num relatório do princípio do mês. Afinal, trata-se de alguém que, sabendo que as forças australianas estariam a aproximar-se para o capturar, "dormia sem sequer ter as botas calçadas", escrevia em Julho de 2007 o correspondente da Lusa em Díli, Pedro Rosa Mendes. David a desafiar abertamente Golias?
Reinado estava fugido das autoridades por homicídio, rebelião e posse ilegal de armamento. No entanto, arrastava atrás de si cada vez mais jovens, que o viam como o seu Che Guevara, segundo disse à Lusa o activista de direitos humanos José Luís Oliveira. "Alfredo é pintado e retratado como Che, porque há um culto de Che em Timor e os jovens vêem em Reinado o único timorense a lutar contra uma potência". "Eu entrego-me à justiça, mas a nenhum comando e a nenhuma força", afirmou.
Não foi indolor para ele a ocupação indonésia (1975-1999), tendo que trabalhar aos 11 anos como correio para os ocupantes. A AFP escrevia que nesse período viu crianças serem sequestradas depois de verem os pais assassinados. Aos 13 anos foi obrigado a ir para a Indonésia, onde ficou por cinco anos; regressou a Timor em 1985 e dois anos depois participava na luta contra o ocupante. Ficou dez anos. Com um grupo de amigos, a mulher, Maria, e o filho de cinco meses, fugiu num barco de pesca para a Austrália com o estatuto de exilado político.
Foi lá que se tornou no "amigo dos australianos", segundo acusaram muitos em Díli. Ainda assim, voltou com a independência ao seu país, tornando-se comandante da Marinha, ou seja, de dois navios. Foi depois transferido para o Exército, e acabou por ser major da polícia militar.
Foi alvo de alguns processos disciplinares e a obediência nunca foi o seu forte. O movimento dos peticionários (ver texto na pág. 4) foi apenas o rastilho, que só ontem se apagou.
Sem comentários:
Enviar um comentário