Lusa - 08 Novembro 2007, 08:48
Díli - O processo do massacre de polícias em Maio de 2006, que teve hoje as alegações finais no Tribunal de Recurso, em Díli, foi considerado pelo Ministério Público e pela defesa "um julgamento histórico" e "muito importante".
"É um processo especial, que vai servir de lição para todos os responsáveis das instituições e para o país, mostrando que existe lei e que todos são iguais perante a lei", afirmou o advogado José Guterres à Agência Lusa.
José Guterres liderou a defesa dos 12 arguidos no processo dos polícias mortos em 25 de Maio de 2006, em Caicoli, Díli.
O procurador Bernardo Fernandes afirmou também em tribunal que se trata de "um julgamento muito importante para Timor-Leste".
Defesa e acusação concordaram também, na última sessão antes da leitura do acórdão, que "não estão aqui em julgamento as Forças Armadas nem a Polícia Nacional".
De resto, Ministério Público e defensores mantiveram versões opostas ou leituras divergentes do que aconteceu junto ao Ministério da Justiça.
Onze militares das Falintil-Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL) e um inspector da Polícia Nacional (PNTL) são acusados do tiroteio sobre uma coluna de polícias desarmados, sob escolta das Nações Unidas.
"Não foi possível apurar quem iniciou o ataque" na manhã de 25 de Maio, declarou o procurador Bernardo Fernandes, que leu as alegações finais em tétum.
"Tanto agentes da PNTL como arguidos e testemunhas afirmam que o seu quartel foi atacado com tiros de arma pesada", acrescentou o magistrado português ao serviço do Ministério Público timorense.
O combate entre F-FDTL e PNTL em Caicoli foi "um confronto com origem em várias causas", incluindo "o mal-estar entre elementos que se generalizou às instituições a que cada um pertencia", recordou o procurador.
Bernardo Fernandes notou também que "não foi totalmente acordado um cessar-fogo e os termos do mesmo", quando elementos das Nações Unidas se encontraram em Caicoli com o comando das F-FDTL.
O procurador recordou que "cerca de 46 segundos" de disparos deixaram 8 polícias mortos e 25 feridos, incluindo elementos da Polícia das Nações Unidas.
Os restantes, parte de uma coluna com mais de cem pessoas, "salvaram-se com vida por mero acaso".
Bernardo Fernandes repetiu também as questões sobre o tiroteio levantadas durante o julgamento: "Tiro a tiro ou de rajada? De onde vieram os tiros? Para onde dispararam os militares?"
Para o Ministério Público, "a defesa diz que houve provocação dos polícias, ao cantarem o hino nacional, ou ao fazerem um gesto obsceno ou ainda que alguém na coluna disparou primeiro".
"Esta defesa não tem o menor sentido", considerou o procurador Bernardo Fernandes.
O Ministério Público referiu a existência de 8 homicídios e de 115 homicídios na forma tentada, puníveis, respectivamente, com 15 anos e com 10 anos de prisão.
"Os arguidos dispararam sobre pessoas desarmadas, a pé, sob protecção da bandeira da ONU", alegou o procurador.
"A coluna da PNTL não constituía nenhum perigo, sem que houvesse qualquer provocação".
"Os arguidos não estavam em guerra e deviam saber controlar-se", concluiu o procurador, que não considera atenuante a notícia da morte de um elemento das F-FDTL momentos antes do tiroteio de Caicoli.
O Ministério Público pediu a condenação de quatro arguidos das F-FDTL, a absolvição de um outro e do inspector da PNTL, "com algumas dúvidas", "e também dos outros" seis.
José Guterres fez uma longa análise dos factos e das "declarações que se contradizem", entre mais de 120 testemunhas ouvidas pelo tribunal.
A defesa insistiu que "os polícias não foram revistados" antes de iniciarem a marcha sob bandeira da ONU, que "o primeiro tiro saiu da coluna da PNTL" e que os elementos das F-FDTL "cumpriram o dever militar de defesa do Estado e das suas instituições" naquela manhã.
"Não se sabe quem matou quem e não é possível identificar quem disparou", concluiu José Guterres, insistindo que os arguidos que dispararam o fizeram por "pressões psicológicas", "provocações" e "desconfiança".
A leitura do acórdão foi marcada pelo presidente do colectivo de juízes, Ivo Rosa, para dia 29 de Novembro.
PRM-Lusa/fim
Este julgamento constitui um marco na História de Timor-Leste por várias razões.
ResponderEliminarNem a Defesa nem o Ministério Público comungam do pessimismo da UNMIT, que refere a "fraqueza do sistema de justiça" no seu relatório.
Pelo contrário, este julgamento é uma das muitas pedras basilares com que o esforço de muitos homens e mulheres vai construindo o grande edifício da Justiça timorense e é uma pena que a UNMIT não reconheça o mérito dessas pessoas.
O Procurador Bernardo Fernandes leu as alegações finais em Tétum, confirmando a maturidade desta língua oficial timorense e que, ao contrário das sentenças que emanam de certas cabeças, Timor-Leste não precisa de mais línguas oficiais.
A "fraqueza", se é que existe, estará mais para outros lados...