Público – 08 de Abril de 2007
Adelino Gomes
São três as grandes notícias desta campanha. Duas têm a ver, directamente, com o acto eleitoral. A terceira não. E no entanto, está-lhe intimamente ligada. Bem pode dizer-se, até, que condiciona, em enormíssima parte, a sua leitura.
A calma, ainda que relativa, com que decorreu a campanha surpreendeu muita gente. O mesmo quanto à capacidade mobilizadora da candidatura de Lu-Olo, que organizou, de longe, as maiores concentrações. Em contraste com uma talvez ainda mais surpreendente incapacidade do actual primeiro-ministro e Nobel da Paz, José Ramos-Horta, de atrair multidões significativas onde quer que se deslocasse em campanha.
Cedo, porém, a criação do partido CNRT e a admissão pública, por Xanana Gusmão, da disponibilidade para disputar as próximas eleições legislativas como candidato à chefia do Governo se tornaram num pólo de atenção maior.
Xanana não se recandidatou a um segundo mandato. Mas o aprofundamento das suas divergências com a Fretilin levou-o a renunciar à proclamada intenção de se reformar da política. Pelo contrário, o Presidente cessante dispõe-se a enfrentar no terreno eleitoral o partido que detém a maioria absoluta no actual Parlamento.
Mais: aquilo que começou por parecer mera especulação da imprensa australiana obteve confirmação plena durante a campanha. Xanana ambiciona tornar-se o próximo primeiro-ministro de Timor-Leste, num quadro em que o actual chefe do Governo, José Ramos-Horta, lhe suceda como Presidente da República.
A aliança Xanana/Horta mergulha raízes na luta de libertação. Um e outro abandonaram a Fretilin em finais dos anos 80; um e outro passaram a dirigir política e diplomaticamente a luta contra a ocupação indonésia (o primeiro como comandante supremo da Resistência; o segundo como seu porta-voz no exterior).
A tensão permanente que passou a marcar as relações políticas de ambos com a liderança da Fretilin resistiu, melhor ou pior, às exigências de unidade na acção e ao período de transição, liderado pela ONU.
As divergências acentuaram-se, contudo, mal o país se tornou independente.
As divisões e confrontações em que o país mergulhou, há um ano, colocaram-nos em rota de colisão com os detentores dos dois mais altos cargos do partido maioritário, Fretilin: Lu-Olo, presidente, e Mari Alkatiri, secretário-geral. O primeiro também presidente do Parlamento Nacional; o segundo também primeiro-ministro desde o período de transição até ao início do Verão passado.
Numa célebre (e infeliz, pelos termos em que exprimiu o seu pensamento) série de artigos sobre a "Teoria das Conspirações", publicada num jornal de língua portuguesa, editado em Díli, Xanana teceu há meses, sobre Alkatiri, considerações da maior crueldade; ao longo da actual campanha, este, geralmente muito contido nas suas declarações públicas, tem-se referido arrogantemente a Xanana e a Horta como se, como dizem apoiantes seus, se tratasse já de "cartas fora do baralho".
As eleições porém não se ganham nos comícios, mas nas urnas. Só o voto dos timorenses nos dirá se o tsunami Fretilin evocado por Alkatiri ainda funciona.
E se, como se começa a dizer do lado deste partido, Ramos-Horta não atingirá, sequer, a segunda posição entre os mais votados.
Se assim acontecer e as eleições, como se espera, forem consideradas livres e justas pelos observadores internacionais, estaremos perante uma estrondosa vitória da Fretilin, que verá simultaneamente consagrado o seu candidato e derrotado o candidato de Xanana. Sem falar da Igreja Católica, que se situou nos dois últimos anos, militantemente, no campo anti-Alkatiri.
Se Horta vencer, pelo contrário, a actual liderança da Fretilin sofrerá uma igualmente estrondosa derrota. Porque consagrará no plano interno a figura do Prémio Nobel cujos adversários dizem ser sobretudo apreciada no exterior. Porque funcionará, para Xanana, como excelente augúrio para os combates que se avizinham. E porque indicará, como se diz do lado da oposição, que a actual liderança desbaratou o capital histórico da Frelitin.
A eventualidade de o líder do Partido Democrático (PS), Fernando "Lasama" de Araújo, suplantar Horta agravará a derrota deste e de Xanana. Mas representará, ao mesmo tempo, também, um aviso para a geração da resistência, incapaz, até hoje, de passar o facho às gerações mais novas.
Qualquer dos cenários mostra-nos que, para lá dos oito candidatos oficiais, o acto eleitoral de amanhã se disputa, realmente, entre dois protagonistas ausentes dos boletins de voto: Xanana Gusmão e Mari Alkatiri. E como estas presidenciais constituem, na verdade, a primeira volta das legislativas de Junho.
Porque nos permite perceber, finalmente, qual o sentimento do eleitorado, após a crise, ainda não resolvida, resultante de divergências entre companheiros de estrada da luta antiocupação. E porque vai exigir a vencedores e vencidos - quaisquer que eles sejam - acrescidas provas de capacidade de governação e de maturidade democrática.
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