Público – 08 de Abril de 2007
"Nunca pensei vir a ser Presidente"
08.04.2007, Paulo Moura, Em Díli
O Presidente não deve interferir nas competências do Governo. A divisão leste-oeste é artificial. Timor deve ter relações privilegiadas com Portugal.
Na impossibilidade de candidatar Mari Alkatiri, a Fretilin escolheu Francisco Guterres Lu-Olo, presidente do Parlamento, ex-guerrilheiro e figura pouco carismática e pouco conhecida.
Público - Qual é a sua interpretação dos poderes do Presidente?
Durante os cinco anos em que fui presidente do Parlamento, tentei aprender quais devem ser os poderes dos vários órgãos de soberania. Durante a crise do ano passado, cheguei a várias conclusões sobre como devem ser assumidas as várias competências
Público - A que conclusões chegou?
Que não deve haver interferências de uns órgãos de soberania sobre os outros, como aconteceu com o Presidente Xanana Gusmão, que é muito respeitado porque foi comandante das Falintil, mas cuja atitude provocou um choque entre as instituições do Estado.
Público - Foi um erro dele, ou falta de definição das funções presidenciais?
Não. A Constituição define muito bem as competências. Estão previstas várias formas de os órgãos de soberania encontrarem soluções. Mas isso não aconteceu e o primeiro-ministro, Mari Alkatiri, teve de demitir-se das suas funções, para ultrapassar a situação.
Público - O que deveria ter feito o Presidente?
Não devia ter vindo a público atacar outros órgãos de soberania. A cena de ele sair do seu gabinete para ir falar às pessoas que se manifestavam em frente do palácio foi lamentável. Ele incitou as pessoas a fazerem manifestações.
Público - A crise agravou-se por causa dessa atitude?
Sim, ele dividiu o país. Disse que os de Loromono nunca fizeram a guerra, o que não é verdade.
Público - Essa divisão leste-oeste nunca existiu, é artificial?
Essa divisão nunca existiu, foi inventada. Eu fui responsável pela frente clandestina nas montanhas, para além de ser guerrilheiro, no mato. Conheço as pessoas. No Leste e no Oeste, todos eles fizeram a luta e estavam unidos. O sofrimento, a morte uniram o nosso povo.
Público - Na área da economia, o que pode fazer o Presidente?
Isso é da competência do Governo. Darei o meu apoio no sentido de melhorar as condições de vida da população. Timor tem grandes potencialidades, devido ao petróleo, mas acho que não devemos depender apenas desse recurso. Devemos desenvolver a pesca, o turismo, a agricultura. Devem ser definidas prioridades estratégicas.
Público - O presidente deve defini-las?
Não. Isso é competência do Governo. Mas há interdependência entre os vários órgãos de soberania e o Presidente deve dar o seu contributo.
Público - As relações externas de Timor-Leste devem privilegiar Portugal ou abrir-se à colaboração com a Austrália e países vizinhos?
Temos uma relação especial com Portugal devido aos nossos laços históricos e culturais, e isso deve manter-se. Vamos precisar ainda mais de Portugal, para o ensino da língua. Temos também uma relação especial com os países da CPLP.
Quanto aos outros países, vamos manter boas relações com todos.
Público - Não prevê um relacionamento especial com a Austrália?
Especial não digo. Mas vamos ter boas relações com a Austrália.
Público - A língua portuguesa não é um factor de divisão do país?
Não. Daqui a uns cinco anos, toda a gente falará o português. Há apenas aquela geração intermédia, que estudou no tempo da ocupação indonésia, que não sabe português.
Público - É uma geração que ficou desenraizada?
Não. Têm uma boa formação. Só terão de transportar os conhecimentos que têm para a língua portuguesa, que irão aprender.
Público - As forças internacionais devem permanecer no país?
Se ficarem menos tempo, é melhor.
Público - Menos do que quê?
Ainda não tenho propostas concretas quanto a isso. O importante é que as nossas instituições voltem a funcionar. E que a Polícia entre em funções, para podermos ter a certeza de garantir a nossa segurança.
Público - Isso será quando? Depois das legislativas?
Vamos continuar a trabalhar para que as pessoas respeitem a lei. Nesse momento estaremos em condições de apresentar os nossos agradecimentos às forças internacionais.
Público - Um guerrilheiro será a pessoa mais indicada para ser Presidente da república?
Eu não fui apenas guerrilheiro. Comecei por ser quadro inferior, depois médio, depois quadro superior do partido. Fi-lo para servir o meu povo. Agora, aceitei esta missão, também para servir o meu povo. Nunca pensei vir a ser Presidente da República, nem presidente do Parlamento. O que eu quero é dar o meu contributo. Não tenho qualquer ambição. Se ganhar ou perder, para mim tanto faz.
Público - Se for eleito, com que primeiro--ministro gostaria de trabalhar?
Alguém com uma visão clara para o país, como Mari Alkatiri.
Sem comentários:
Enviar um comentário