domingo, fevereiro 25, 2007

Perigosa luta de galos

Público, 23/02/07
Comentário por: Adelino Gomes

Muitos esperavam o regresso de um clima de paz e segurança a Dili, depois da demissão de Mari Alkatiri. Estas previsões revelaram-se optimistas. Sete meses depois da tomada de posse do seu sucessor, José Ramos-Horta, actos de violência continuam a agitar a capital timorense.

Mais do que indignação, os comentários de Atul Khare, chefe da UNMIT, ontem em Dili, dão a medida da frustração que invade neste momento boa parte dos que olharam com esperança e orgulho para as realizações do povo timorense.

Atul Khare recordou, com justeza, que “em países que vivem situações de pós-conflito, as causas dos problemas são sempre complexas. Não há uma causa apenas”. Além da violência, obviamente manipulada, dos grupos de artes marciais, ele admite que a escassez de arroz das últimas semanas desempenhe também um “papel importante” em mais este pico de tensão.

Mas ontem, o representante do secretário-geral da ONU falou ainda em “moralidade, educação cívica e boa liderança política”. Parece claro que as suas palavras visam, ainda que indirectamente, a liderança timorense. E não apenas a política. Atul Khare terá querido dizer que há responsabilidades a partilhar pelos representantes eleitos (Presidência, Governo, Parlamento), bispos e padres.

As declarações de Ramos-Horta, ontem em Singapura, dizendo que conta com o apoio de Xanana parecem confirmar a ideia, que circula há algum tempo, de que o ainda Presidente se prepara para enfrentar os seus hoje arqui-inimigos da Fretilin em dois tabuleiros – o presidencial, através de Horta; e o parlamentar, através de um novo partido, que daria pelo curioso nome de CNRT e que ele próprio encabeçaria.

A escassas semanas do arranque eleitoral, estas notícias afiguram-se positivas. O pano de fundo de violência e insegurança em que elas surgem impõe, contudo, que se pergunte se os heróis do passado ainda acreditam na democracia.

É que o jogo de sombras representado em Dili parece-se, demasiadas vezes, como uma mera e perigosa luta de galos pelo poleiro. Incompatível quer com a democracia representativa que prometeram, quer com o sangue derramado por milhares e milhares de timorenses pela independência e dignidade.

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