sábado, junho 10, 2006

Mais umas vedetas...

Expresso
10.06.2006

O esquadrão de Alkatiri

O primeiro-ministro timorense é acusado de ter mandado liquidar todos os líderes da oposição, ao criar e armar uma milícia de 33 homens. O EXPRESSO esteve com eles nas montanhas.


O COMANDANTE Railós, nome de guerra de Vicente da Conceição (ao centro, de pé, com chapéu), rodeado por alguns dos seus homens, entre eles o subcomandante Maurakat (à sua esquerda) e Grey Harana (à sua direita)


NO CIMO da montanha de Nunuturi, 40 quilómetros a oeste de Díli, o aparato militar intimida à chegada sobrepondo-se ao impacto das imagens que têm sido transmitidas pelas televisões dos grupos rebeldes recém-criados em Timor-Leste.

Uma fazenda do antigo governador Mário Carrascalão foi ocupada por uma milícia há duas noites, aparentemente sem o seu conhecimento. Nos portões e na rampa de acesso à casa, há agora vigias de armas na mão a fazer um controlo apertado às entradas e saídas, deixando transparecer ansiedade e nervosismo. Não se vê um único soldado australiano, neozelandês ou malaio ao longo da estrada que parte da capital.

Depois de ter dado na noite anterior uma entrevista à cadeia australiana ABC, o comandante Railós (nome de guerra de Vicente da Conceição) e mais 32 paramilitares armados de metralhadoras AK-33 receberam ontem uma minidelegação de três jornais (EXPRESSO, «Público» e «Sidney Morning Herald»).

Queriam explicar a acusação que fizeram na televisão ao primeiro-ministro timorense, de que o seu grupo tinha sido formado e armado por ele e pelo ex-ministro do Interior Rogério Lobato, com o objectivo de matar todos os responsáveis pelos partidos da oposição e também para eliminar um grupo de 595 desertores do exército - conhecidos em Timor por «peticionários».

Numa conferência de imprensa nocturna, iluminada pelos faróis dos carros, o comandante Railós e os subcomandantes Maurakat (Mateus dos Santos Pereira) e Grey Harana (Leandro Lobato, identificando-se como sobrinho de Rogério Lobato) esclareceram como, alegadamente, o primeiro-ministro e o ministro do Interior (demitido ainda na semana passada) os chamaram e instruíram para que criassem a milícia que está agora acantonada em Nunuturi.

Por enquanto, é palavra contra palavra, porque não foram apresentadas provas materiais pelo líder da milícia, mas as acusações são claras e precisas, incluindo datas, nomes e números.

Segundo o comandante Railós, Rogério Lobato reuniu-se com ele e com os seus dois ajudantes directos a 7 de Maio, levando-os de seguida a casa de Mari Alkatiri. No dia seguinte, terão recebido um primeiro lote de 10 AK-33, fornecidas por António da Cruz, comandante da polícia de fronteira. A 21 de Maio, ter-lhes-á chegado às mãos um segundo lote de oito metralhadoras. O grupo teria passado a constituir a equipa de segurança secreta da Fretilin, o partido do Governo, obedecendo apenas ao primeiro-ministro e ao ministro do Interior.

«Na reunião de dia 7 de Maio, recebemos ordens de Lobato, com conhecimento e de acordo com as orientações de Mari Alkatiri, para matar todos os peticionários e para liquidar todos os líderes da oposição», diz o comandante Railós, acrescentando que além das armas, o primeiro-ministro lhes forneceu 6000 balas e dois carros, ainda que nunca lhes tenha pago salários. As execuções teriam de ser feitas, ainda segundo Railós, entre o fim do congresso da Fretilin (20 de Maio) e as eleições legislativas de 2007.

A milícia entrou supostamente em campo pela primeira vez na noite de 23 de Maio, numa tentativa de impedir que os «peticionários» fossem ao quartel-general de Tassitolu, à saída de Díli, para confrontar o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Matan Ruak. Na madrugada de 24, a milícia seria atacada pelo exército, episódio que foi sentido pelos homens de Railós como uma ameaça do próprio Alkatiri.

Quem é Railós?

Railós argumenta que está a usar os «media» para lançar um apelo às forças internacionais e ao Presidente da República: «Estamos numa situação perigosa e precisamos que nos garantam a nossa segurança». Cumprida a condição, o líder da milícia diz-se disposto a enfrentar o primeiro-ministro em tribunal e submeter-se às ordens de Xanana Gusmão.

Mari Alkatiri recusou-se a prestar declarações ao EXPRESSO sobre o assunto, embora tenha admitido à ABC que conhece algumas pessoas da milícia, por fazerem parte da Fretilin, e que esteve com elas no início de Maio, num encontro muito breve e que nada teve que ver com armas.

Não foi possível também falar com Rogério Lobato, nem com António da Cruz.

Pouco se sabe ainda sobre quem é exactamente o comandante Railós. Segundo o padre Giovanni, pároco de Liquicá (a oito quilómetros de Nunuturi), é um ex-guerrilheiro das Falintil.

Ele próprio o confirma, adiantando que ingressou no exército das FDTL (Forças Armadas de Timor-Leste) depois da independência, até ser exonerado por Matan Ruak em 2004. Não quis explicar o motivo da expulsão.

De resto, todos os elementos da milícia são civis, ao contrário dos membros dos três grupos rebeldes que ainda estão acantonados nas montanhas de Ermera e Maubisse. No final, noite cerrada já, os paramilitares gritaram pela demissão de Alkatiri e deram vivas a Xanana Gusmão, à Fretilin e também, curiosamente, à igreja católica.



Micael Pereira, enviado a Timor-Leste

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