sábado, junho 10, 2006

Australianos ignoraram deliberadamente juízes e procuradores

Expresso
10.06.2006

OS NÚMEROS de telemóvel dos três juízes, dos dois procuradores e do defensor público que nunca chegaram a ser evacuados de Díli foram entregues pessoalmente no dia 29 de Maio ao major australiano responsável em Timor-Leste pelos assuntos judiciais. Todavia, a força de 1900 militares que o Governo de Camberra enviou para o território esteve seis dias sem fazer uma única detenção nas ruas, naquela que foi a semana mais crítica em Díli, com incêndios, tiros e batalhas campais de pedras em vários bairros da cidade.

De acordo com um dos procuradores, os magistrados deslocaram-se naquele dia ao quartel-general das tropas australianas para informarem o oficial da sua disponibilidade para trabalhar 24 horas por dia. Disseram-se disponíveis para se deslocarem em equipa a qualquer lugar, assegurando sempre que fosse necessária a presença de um juiz, de um procurador e de um defensor, de modo a procederem ao auto de notícia, ao inquérito e à elaboração do mandado de captura no momento das detenções.

Mas a primeira detenção acabaria por ser feita apenas no dia 5 de manhã pela GNR, menos de 24 horas após a chegada do contingente português a Díli e ainda sem as suas viaturas de intervenção. Já depois, nessa tarde, os australianos fizeram também a sua primeira detenção.

Alguns magistrados que decidiram ficar, apesar de lhes ter sido dada ordem de evacuação pela ONU, manifestaram-se «revoltados» pelo facto de terem sido ignorados durante tanto tempo, considerando que a posição australiana durante a primeira semana de intervenção pôs em causa a imagem e a solidez do estado de direito em Timor-Leste. Um sentimento agravado pela proposta australiana de alterar a lei timorense, de modo a adaptar os procedimentos legais das detenções à realidade judicial australiana e que acabou por ser afastada pelas autoridades timorenses.

Também a falta de apoio dada pelas forças internacionais na segurança aos edifícios dos tribunais e da Procuradoria-Geral é encarada com perplexidade nos meios judiciais de Díli. O Tribunal de Recurso (equivalente ao nosso Supremo Tribunal de Justiça) foi vandalizado, tendo sido destruídos os gabinetes do presidente e do legislador e roubados todos os computadores e mesmo os frigoríficos.

A Procuradoria-Geral da República também foi assaltada, sendo que o caso se tornou mais grave: foram levados ficheiros relativos aos processos-crimes das milícias pró-indonésias de 1999. E nem o Ministério de Justiça escapou. O único edifício que ainda se mantém intacto é o Tribunal Administrativo de Díli, onde tem sido a própria ONU a pagar a uma empresa privada (Maubere) a vigilância. Quando o EXPRESSO passou por lá, na quinta-feira, havia um único jovem, franzino e desarmado, a guardar a porta.

Cláudio Ximenes, presidente do Tribunal de Recurso, confirmou ao EXPRESSO que foi feito um pedido às forças internacionais para assegurarem a protecção dos edifícios ligados ao aparelho judicial, mas a resposta foi de que não havia meios suficientes em Díli para o fazer.

Um dos magistrados que continua em funções não quis identificar-se para evitar uma escalada ainda maior da tensão institucional, mas acabou por desabafar: «Parece-me que a ocupação australiana de Timor vai ser tranquila, fatal e definitiva».

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