Por enquanto, poucas são as respostas e é mesmo de sublinhar o quão pouco se sabe de como sucederam as coisas. Muitos factos, de facto, carecem de esclarecimento.
Expresso, 17/02/08
Ruben de Carvalho
Adelino Gomes, inquestionavelmente – por conhecimento próprio e por generoso empenho – o jornalista mais conhecedor da realidade timorense, manifestava a sua surpresa e enfrentava quase todas as possibilidades face ao atentado de Díli: a “esta intentona de contornos mal definidos vem juntar-se um conjunto de tropeções, todos graves, na construção do Estado de direito democrático em Timor”.
Pedro Bacelar de Vasconcelos, com a proximidade de ter sido conselheiro da ONU junto da presidência timorense, sublinhava o que a opinião pública manifestamente subscreve: “há muitos factos que carecem de esclarecimento”.
Adelino Gomes sintetizou bem a interrogação essencial: “Foi um acto de loucura de Reinado? Uma acção isolada de um grupo de rebeldes desesperados (…) ou, pelo contrário, uma acção de âmbito mais vasto e de participações mais alargadas?”
Por enquanto, poucas são as respostas e é mesmo de sublinhar o quão pouco se sabe de como sucederam as coisas. Note-se, por exemplo, a escassez de notícias sobre a existência ou não de outros mortos ou feridos.
No rol das técnicas clássicas há, contudo, uma metodologia que parece útil: e se se admitir que os atentados não haviam falhado, que a estas horas Ramos-Horta e Xanana Gusmão haviam sido assassinados: qual seria a situação em Timor? Plausivelmente a situação que os atentados tentavam criar.
Nessas circunstâncias, os dois principais interlocutores e protagonistas da realidade timorense teriam desaparecido. Tal desaparecimento não apenas provocaria o vazio político de diálogo e intervenção como, inevitavelmente, uma reacção de violência que se generalizaria em dimensões incalculáveis. Imediatamente a seguir colocar-se-ia o objectivo Fretilin e os seus dirigentes, o que deixaria o jovem país apenas com a possibilidade de recurso aos chefes militares como Matan Ruak, sendo porém de prever que a operacionalidade das forças timorenses estivesse mais do que afectada.
Os assaltos, os saques, assassínios e conflitos alegadamente étnicos que envolveram e serviram de cobertura à crise que afastou Mari Alkatiri e a Fretilin do Governo teriam, evidentemente, tendência a multiplicar-se em escala devastadora.
O caminho para uma generalizada intervenção estrangeira (australiana?) estaria completamente aberto, pois seria impossível ao dedicado contingente da GNR acorrer a uma situação desta dimensão.
E, note-se, tal intervenção verificar-se-ia em circunstâncias em que haviam desaparecido os mais reconhecidos e legitimados dirigentes timorenses; qualquer processo de pacificação por via política e de diálogo estaria profundamente prejudicado. Uma presença militar governante de longo prazo estaria amplamente justificada.
Será tão de estranhar como é que Reinado e Salsinha, até agora protegidos pelas tropas australianas, atravessaram Díli de ponta a ponta em carros armados sem que ninguém se apercebesse?!
E até um pormenor: Reinado já não pode contar o que sucedeu: foi morto – e quase uma hora antes de Ramos-Horta ser atingido!
Muitos factos, de facto, carecem de esclarecimento.
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