quarta-feira, fevereiro 20, 2008

Revista Única, 16/02/08

Expresso
Mário Crespo

Conheci Ramos-Horta em 1985 em Nova Iorque. Foi-me apresentado pelo Presidente Ramalho Eanes na sessão de abertura da Assembleia Geral da ONU. O general Eanes tinha feito agendar nos chamados encontros bilaterais uma reunião com “representantes de Timor-Leste” ignorando as hesitações e o conformismo reinante em Lisboa com a ocupação da Indonésia. O encontro realizou-se. Eu, pela primeira vez, entrevistei um timorense. Ouvi de Horta manifestações de fá inquebrantável na luta pela independência da colónia que ainda era de Portugal com um mandato para a administração das Nações Unidas. Perguntei-lhe como é que ali estava a falar com Presidentes da República se a ONU não reconhecia a sua existência. Mostrou-me credenciais diplomáticas que o davam como funcionário da Embaixada de Moçambique na ONU.

Samora Machel ainda era vivo e o apoio à independência de Timor e à Fretilin era política externa moçambicana. Para contornar obstáculos criados pelos Estados Unidos, Machel tinha incluído timorenses na sua própria representação.

Washington e Jacarta são pesos poderosos na ONU que se movimentavam com um à-vontade esmagador conseguido com dólares na carpete vermelha do Corredor dos Delegados entre uma inspiradora tapeçaria da “Guernica” de um lado e a espantosa vista de Nova Iorque do outro. Era ali que se compravam os votos que conseguiram atrasar a independência de Timor-Leste várias décadas.

Não sei ao certo o que se terá passado no Corredor dos Delegados mas o facto é que, logo que o processo de independência se formalizou, a ONU ignorou a força legal da Potência Administrante e nomeou um representante do seu quadro de funcionários para conduzir a transição.

Com Portugal à margem, veio a Austrália, o petróleo do Timor Gap e a instabilidade. Tenho um livro com uma dedicatória de Ramos-Horta que ele me deu em 1994. Ainda não tinha recebido o Prémio Nobel e entrava na ONU pela porta dos turistas para defender Timor-leste. O livro chama-se “Amanhã em Díli”. É uma história do que foi a sua luta no exílio em que quando conseguia chegar ao Corredor dos Delegados havia sempre alguém que lhe pedia dinheiro por um voto ou alguém que lhe oferecia dinheiro para se calar de vez.

Na altura em que escrevo esta coluna estou a reler o livro de José Ramos Horta. Espero voltar a vê-lo Amanhã em Díli.

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