quinta-feira, fevereiro 07, 2008

Não deixa saudades

Público, 28/01/08
Por Rui Tavares

Aqui conhecemo-lo principalmente pela invasão de Timor-Leste, que pode ter custado a vida a um terço da população daquela ex-colónia portuguesa. Mas em termos absolutos pode dizer-se que a chegada de Suharto ao poder conseguiu superar até essa trágica marca. Pelo menos meio milhão de indonésios e talvez até um milhão foram assassinados nos anos de 1966 e 1967 por serem comunistas ou de minoria chinesa.

O pretexto para a matança foi um obscuro golpe que assassinou seis generais do Exército. É difícil saber ao certo até que ponto beneficiaria dele o Partido Comunista Indonésio, numa fase em que ia a eleições e era o terceiro maior partido do país. Mas é bem claro como beneficiou Suharto: não só foram eliminados os seus competidores no Exército como justificou a repressão que se seguiu, até empurrar o Presidente Sukarno pela borda fora.

Depois de chegar à presidência, Suharto fez encarcerar entre cinquenta a cem mil presos políticos, muitos deles sem julgamento, por mais de uma década. E foi responsável não por um, nem dois, mas três dos grandes massacres do século: a anexação da Papua Ocidental, que começara nos tempos de Sukarno sob o seu comando, foi levada na sua presidência até morrer um sexto da população total e praticamente ser dizimada a população selvagem. A essas proezas Suharto junta-lhes a prodígio de os seus genocídios terem sido quase invisíveis. E ainda são: no seu obituário de ontem no New York Times, o povo de Timor-Leste tem direito a uma linha em quatro páginas. O da Papua Ocidental nem uma menção merece. Os massacres de rotina em Aceh e na restante ilha de Samatra é como se nunca tivessem existido.

É isso. Ao lembrar a morte de Suharto, não podemos deixar de lembrar a cumplicidade com a sua trágica herança. O apoio norte-americano, desde o início, é um facto documentado. Ainda o sangue não secara e já eram desbloqueados os “programas de ajuda” que chegaram a ser de quatro mil milhões de dólares por ano. Kissinger apoiou a invasão de Timor-Leste e Ronald Reagan visitou o país em 1986 para celebrar os seus “ventos de liberdade”, ao mesmo tempo que Suharto expulsava jornalistas ocidentais.

Mas os EUA não estiveram sozinhos, longe disso. O cinismo australiano vem logo depois; os diplomatas desse país admitiam que seria sempre mais vantajoso negociar o petróleo timorense com os indonésios do que com os portugueses ou, imagine-se só, com os próprios timorenses.

Os ingleses, os holandeses, os franceses e até os suecos e canadianos não deixaram de negocuar com Suharto. E ninguém duvida de que nós, portugueses, não fosse a questão de Timor, também ganharíamos uns escudos com ele. Toda a gente o fazia. Em 1994, três anos depois do massacre de Santa Cruz, em Díli, vários países ocidentais e o Japão deram mais de cinco mil milhões de dólares para a economia indonésia.

Toda essa dinheirama sempre encontrou facilmente o caminho para as contas de Suharto nos bancos estrangeiros, de onde nunca foi devolvido. Estima o Banco Mundial que ele terá roubado cerca de trinta mil milhões de dólares só para si – e a sua mulher e seis filhos não lhe ficaram atrás.

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