quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Da crise de 2006 ao futuro da política timorense

Algumas questões sobre a actual crise timorense e as implicações do duplo ataque à liderança.
DN, 13/02/08Por: Luís Naves

Os antecedentes e o contexto são complexos. Uma tentativa de encontrar algumas pistas:

Até que ponto os incidentes de segunda-feira estão ligados à crise de 2006?

Aparentemente, estão ligados. Alfredo Reinado era desertor do exército e o tenente Gastão Salsinha um peticionário (expulso das forças armadas). à frente de um grupo de homens armados, que nunca foi grande, os dois mantiveram o país em constante instabilidade política. Por outro lado, pode haver um elemento de vingança no duplo ataque ao Presidente Ramos-Horta e primeiro-ministro Xanana Gusmão. Ainda na semana passada, Xanana admitia que Reinado não era “ameaça real à estabilidade” de Timor.

Porque razão o major Reinado actuou com impunidade durante ano e meio?

É um dos grandes mistérios da história recente do país. Segundo uma explicação dada por Xanana Gusmão, em recente entrevista à Lusa (anterior a esta crise), “discutimos todas as opções possíveis, mas sempre chegámos à opção moderada”, o que pode significar que as autoridades quiseram actuar com prudência. Nessa entrevista, Xanana afirmava que reinado tinha apoios de “uma geração velha da parte oeste” do país. O major foi guardado por australianos e cercado por forças internacionais, mas conseguiu fugir, angariando a admiração de muitos jovens. Preso pela GNR, evadiu-se da prisão protegida por australianos. Nos últimos meses, o Governo de Xanana tentou separar os peticionários dos desertores. Mas, no início da crise de 2006, quando Xanana era presidente, a rebelião levou à queda do executivo então liderado por Mari Alkatiri, da Fretilin. Este último chegou a acusar Xanana de envolvimento; e, pouco antes de morrer, Reinado fez a mesma acusação. Um mandato de captura do major, emitido por um juiz português, foi desautorizado por Ramos-Horta.

Qual é a situação de Timor-Leste no contexto regional?

Timor-Leste depende da ajuda internacional e é um pequeno país encravado entre duas potências regionais: Austrália e Indonésia. Esta última manteve uma ocupação violenta de 24 anos e, ao sair, deixou dois terços da infraestrutura em ruínas. Entretanto, houve uma mudança de regime e Timor tem boas relações com a nova democracia. Para se perceber a importância da Indonésia, basta lembrar que o primeiro-ministro Xanana Gusmão, ex-líder da resistência, esteve no funeral do ditador Indonésio que decidiu a invasão de Timor: o general Suharto. Na Austrália também houve mudança de Governo. O novo executivo trabalhista foi eleito com a promessa de mudar a política externa. A crise de 2006 que provocou a queda do Governo de Alkatiri surgiu pouco depois dos timorenses terem concluído com os australianos um acordo petrolífero que lhes era favorável. Por outro lado, a Austrália tem fornecido o grosso das forças militares que garantem a segurança de Timor-Leste.

Os problemas sociais foram importantes nesta crise?

O major rebelde tinha apoio entre sectores da população, nomeadamente jovens desenraizados. Há cem mil deslocados internos (num país com 1,5 milhões de habitantes) e a economia cresce devagar. Em resumo, não há empregos e metade da população mais jovem não tem nada para fazer. Alguns observadores também mencionam divisões de tipo quase tribal, entre habitantes do leste e do ocidente do território. Esta visão é controversa mas, no mínimo, há problemas entre diferentes comunidades e clãs.

Que cenários são possíveis?

Tudo depende da resposta que a elite timorense vai dar a esta crise. A aliança que sustenta o governo de Xanana Gusmão tem maioria no parlamento e o Presidente interino, durante o impedimento de Ramos-Horta, é Fernando Lasama, que chefia o Partido Democrático. Nas legislativas de Junho de 2007, o partido mais votado foi a Fretilin, com 29%. Um cenário de luta pelo poder pode levar à queda do Governo.

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