DN, 12/02/08
PEDRO ROSA MENDES, em Díli
A sala do Conselho de Ministros no Palácio de Governo, em Díli, e a cafetaria do Hotel Timor, antro oficioso da política do país, fervilhavam ontem com a mesma dúvida existencial que ocupa, e divide, as opiniões tanto do "povo kiik" timorense (a arraia miúda, em língua tétum) como da elite que governa o país, a saber: o que aconteceria, e com que gravidade, se o major levasse um tiro.
Alfredo Reinado levou um tiro, ironicamente disparado por um elemento da sua antiga unidade, a Polícia Militar. E agora? É desta perspectiva - a do atirador potencial, mesmo que ninguém cometa o indecoro de o dizer alto - que todo o país, afinal, olhava para Alfredo Reinado.
Foi possível ouvir, na classe política timorense, nos assessores internacionais e no aparelho judicial, ao longo do dia de ontem, as reacções que correspondem ao que cada um pensava, afinal, do major. "No final do dia, com Xanana ileso e Ramos-Horta fora de perigo, o que Timor-Leste resolveu foi um dos problemas que impedia a resolução da crise", comentava um assessor estrangeiro do Governo.
"O caso judicial (contra Alfredo Reinado) está fechado por ordem divina", comentou, lacónico, um jurista do Ministério Público, depois de a morte do militar ter sido oficializada.
Outros comentadores eram mais apreensivos, avançando com a tese, que sempre prevaleceu na estratégia do Estado com Reinado, segundo a qual a morte do major vai libertar forças que apenas ele controlava.
É para este último cenário que o aparelho de segurança timorense e internacional foi preparado: uma presença policial e militar potente, visível nas ruas.
Para o confronto previsível entre forças da ordem e agentes de desestabilização, há apenas uma referência: 3 de Março de 2007, ataque por tropas australianas a Same (Sudoeste) contra Reinado, que escapou, e que desencadeou em Díli uma onda de violência.
Nessa noite, dois pelotões operacionais da GNR serviram para controlar a situação, sem aliás, "nunca ter permitido que a desordem ganhasse a mó de cima", como recordou ontem um oficial das forças internacionais.
Não começaram ontem, com o duplo ataque contra José Ramos-Horta e Xanana Gusmão, as especulações e análises sobre se há vida em Timor- -Leste para além da morte do major rebelde, ex-comandante da Polícia Militar. Em abono da verdade, é essa a questão - ou o cálculo, porque se trata de política e de segurança - que ocupa toda a gente que é alguém em Díli, desde, pelo menos, a crise de 2006.
A generalidade dos comentadores ouvidos pela Lusa, dentro e fora da classe política, concordam que a paisagem política timorense não será a mesma sem Alfredo Reinado - o "joker" imprevisível num "jogo" de poker estratégico onde nunca é claro quem está sentado à mesa, como explicava recentemente um assessor de defesa australiano em Díli.
Reinado nunca foi eleito, sempre foi nomeado. Era, portanto, impossível avaliar o seu peso eleitoral. O "eleitorado" potencial de Alfredo Reinado situava-se numa balança diferente: a de uma camada jovem que, com uma franja alienada dos veteranos da resistência, o tinha como herói rebelde e que podem, agora, tentar vingar nas ruas a morte do seu ídolo ou do seu peão.
O desaparecimento de Alfredo Reinado concretiza um dos cenários que, em termos teóricos, sempre esteve em cima da mesa durante os quase dois anos em que o Estado timorense procurou resolver o caso do major rebelde.
Alfredo Reinado morreu cerca de 45 minutos antes de o próprio Presidente da República ter sido alvejado com três tiros. Entre os dois tiroteios que houve na residência do chefe de Estado, nenhum sinal de alarme foi dado a partir dela.
Surpreendidos pela ausência de Ramos-Horta na residência, os homens de Reinado "arrombaram várias portas a pontapé, à sua procura", relatou fonte oficial. Não o encontraram - e não se sabe o que fizeram na meia hora seguinte.
Nem se sabe por que razão não foi lançado um alerta de segurança que impedisse o ataque, 01.30 depois, ao primeiro-ministro Xanana Gusmão. São outras tantas perguntas sobre a capacidade de Timor-Leste lidar com o legado póstumo de Reinado. Especial Lusa para o DN
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