Público – 11.05.2007
Ramos-Horta vence em Timor
Fernando Sousa
Candidato da Fretilin promete acatar o veredicto das urnas, mas os analistas temem que os militantes do partido reajam de maneira diferente.
O primeiro-ministro José Ramos-Horta era ontem o virtual vencedor das presidenciais de quarta-feira em Timor-Leste, com quase três quartos dos votos, o que praticamente previa conquistar. Portugal antecipou-se ao anúncio oficial dos resultados desta segunda volta, previsto para hoje, felicitando o ganhador.
Contados cerca de 90 por cento dos boletins, o homem que durante anos foi o rosto da resistência timorense no exterior somava 73 por cento, de acordo com a porta-voz do Secretariado Técnico de Administração Eleitoral, Angelina Sarmento. O próprio contara vencer com 70 a 80 por cento dos votos.
Em declarações aos jornalistas menos de 30 minutos depois de os números terem sido divulgados, Horta assumiu a vitória: "Estou feliz com os resultados. Vou cumprir as minhas obrigações de acordo com a Constituição e ouvir os conselhos de toda a gente para que possa dar a Timor-Leste um futuro melhor", disse.
Quase ao mesmo tempo, o adversário, Francisco "Lu-Olo", apoiado pela Fretilin, admitiu a derrota. "Qualquer que seja o resultado para a Fretilin, estamos dispostos a aceitá-lo", declarou, citado pela Reuters. "Quero ganhar com dignidade ou perder com dignidade."
O partido no poder foi acusado de pressionar os eleitores, na sua maior parte analfabetos, numa campanha de porta-a-porta, e de ter usado o aparelho de Estado para alterar os resultados eleitorais a seu favor na primeira volta, lembrava ontem a AFP. Alguns observadores receiam por isso que a antiga guerrilha aceite mal o veredicto das urnas.
"Existem sinais contraditórios sobre se a Fretilin aceitará bem um fracasso. Penso que o farão a nível nacional, mas talvez não na rua ou noutras regiões como Ermera e Viqueque", disse Damien Kingsbury, um perito da Universidade de Deakin, Austrália, à agência francesa. As duas cidades são fortes bastiões do partido.
Questões prioritárias
José Ramos-Horta, que deverá tomar posse no dia 20, quando substituirá no cargo o carismático Xanana Gusmão, está optimista: "Vou trabalhar seriamente com todos os partidos para estabilizar o país e resolver algumas questões prioritárias", como os peticionários e a segurança, prometeu. Objectivo de fundo: "Trabalhar para os pobres e pelos pobres."
Todas as agências sublinhavam ontem a forma como a eleição decorreu, apesar de numerosas acusações de acções de intimidação e de manipulação, denunciadas por observadores estrangeiros. "Timor-Leste amadurece como democracia", louvou o representante das Nações Unidas, Atul Khare, após a primeira eleição do género desde a independência do país, em 2002,
Em Lisboa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, saudou a mais que provável vitória de José Ramos-Horta, considerando-a, disse, "um bom sinal para a normalização da vida política" do país.
"Se a vitória se confirmar, teremos em Timor-Leste uma figura gozando de grande prestígio internacional no momento em que este país tem necessidade da comunidade internacional para reforçar o seu desenvolvimento democrático", acrescentou.
Ramos-Horta ganhou o Prémio Nobel da Paz de 1996, ex-aequo com o então bispo de Díli, Carlos Ximenes Belo.
Em Portugal
11.05.2007
Ana Gomes
A vitória de José Ramos-Horta "era o desfecho previsível" da actual crise, cuja resolução "passaria sempre por eleições presidenciais e legislativas", disse ao PÚBLICO a antiga embaixadora de Portugal na Indonésia, Ana Gomes. "Com todas a suas qualidades e defeitos", acrescentou, "Ramos-Horta é sem dúvida alguma aquele que tem mais capacidade de diálogo com todos."
Todos os dirigentes políticos do país devem agora "saber entender-se, na formação de um governo de unidade nacional, que inclua a própria Fretilin", defende a eurodeputada socialista.
Pedro Bacelar de Vasconcelos
"Foi uma vitória luminosa", com a qual os timorenses deram "mais uma extraordinária lição de fé na liberdade", considera o antigo conselheiro da ONU em Timor-Leste, Pedro Bacelar de Vasconcelos. "Afinal, a democracia não se inventou para os ricos. Esta crença comovente nas virtudes do voto exprime uma combinação prodigiosa de ingenuidade e sabedoria!. (...) Exemplo admirável este, que nos chega aqui, da mais remota e desprezada das antigas parcelas do Império", acrescentou.
Carlos Gaspar
O voto dos timorenses é a única maneira de ultrapassar, "sem violência", a crise em que o país está mergulhado, sustenta o especialista em política internacional Carlos Gaspar. "Se projectarmos os resultados da 1.ª volta das presidenciais para as legislativas próximas, a configuração que nos aparece é a de um sistema de três partidos [a Fretilin, o PD de "Lasama" e o CNRT de Xanana Gusmão] com votações entre os 20 e os 30 por cento", deixando de haver"um bloco hegemónico" como até agora, observa este antigo conselheiro presidencial para a questão de Timor.
Rui Marques
O dinamizador da aventura do Lusitânia Expresso, em 1992, Rui Marques, vê na escolha "uma nova janela de esperança". Lembrando que a democracia se faz "com os vencedores e os vencidos", o hoje alto-comissário para as Minorias diz que "importa agora aprender com os erros cometidos e dar a Timor a paz e o desenvolvimento que este país merece".
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