segunda-feira, abril 09, 2007

Os cinco anos que levaram Xanana a deixar de ser o Mandela timorense

Diário de Notícias – 8 de Abril de 2007

Armando Rafael

A menos de 24 horas de saber quem é que lhe sucederá na presidência de Timor-Leste, Xanana Gusmão é hoje um homem muito diferente daquele que há cinco anos foi eleito para o Palácio das Cinzas. Nessa altura, o “Mandela timorense”, como o herói da resistência à invasão indonésia era muitas vezes designado, fazia o pleno do país. Ao ponto de ter sido eleito com quase 83% dos votos.

Uma percentagem que poderia ter sido ainda maior não fosse o próprio Xanana ter andado atrás de quem o enfrentasse nas urnas.

Como explicar, então, que Xanana se tenha transformado num factor de divisão em Timor-Leste?

Nas sucessivas declarações e entrevistas que Xanana tem dado nos últimos meses, percebe-se que o Presidente está apostado na eleição de Ramos-Horta para o seu lugar. Porque se sente mais próximo do Nobel da Paz e porque acredita que só ele pode travar a eleição do candidato da Fretilin: Francisco Guterres (Lu-Olo). Um homem de quem Xanana já disse o pior, apesar de ter sido escolhido para liderar o Parlamento. Mas o que Xanana pretende é muito mais do isso. O que ele verdadeiramente quer é impedir que Mari Alkatiri volte a ser primeiro-ministro. Por isso, criou um partido – o Congresso Nacional para a Reconstrução de Timor-Leste (CNRT) – e impulsionou Ramos-Horta a avançar para o Palácio das Cinzas.

O que já é mais difícil de explicar é a razão de tanta animosidade contra o ex-primeiro-ministro, um dos poucos dirigentes timorenses que Xanana considerava incorruptível. Explicando as razões porque, ainda na prisão indonésia de Cipinang, Xanana lhe deu a gestão das verbas que o país haveria de receber do petróleo e do gás do Mar de Timor.

Amigos de juventude, Xanana e Alkatiri sempre foram suficientemente próximos para poderem ser considerados cúmplices. Sobretudo, em matérias que extravasavam a política e que ainda hoje são muitas vezes recordadas. Mas a política sempre fez parte do seu relacionamento. Quando Xanana anunciou, por exemplo, a sua saída da Fretilin em 1987, colocando-se acima de todos os partidos, não deixou de a tutelar e de a manter unida até ao regresso de Alkatiri, 12 anos depois.

Que sucedeu entretanto?

Aparentemente, nada. Se calhar, Xanana sempre foi o que é hoje. É certo que Alkatiri e a Fretilin cometeram muitos erros durante estes anos de governação e que a maioria dos timorenses vive como sempre viveu, sem que Díli lhes tivesse proporcionado melhores condições.

Mas o herói da resistência, que se habituou a nunca ser posto em causa, sempre conviveu mal com o formalismo do poder. De tal forma que nem sequer se deu ao trabalho de exonerar Mari Alkatiri do cargo de primeiro-ministro, quando optou por nomear Ramos-Horta. Mas como Timor-Leste é o que é, também não foi questionado. E se tivesse sido, o mais provável é que o Presidente não entendesse.

Já foi, assim, ao longo da crise que o país viveu há uns meses. Quem se lembra agora que Xanana foi o primeiro a pronunciar-se sobre a expulsão dos quase 600 peticionários das forças armadas quando estes se recusaram a voltar aos quartéis?

E quantos saberão que no auge da crise ninguém conseguia falar com o Presidente pela simples razão que ele não saía de casa, nem tem telemóvel, deixando, por isso, pendurados todos os que pretendiam falar-lhe. Como sucedeu, numa primeira fase, com o ex-presidente Jorge Sampaio ou até com o então secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

Xanana é assim: desprendido, mas também impulsivo e, por vezes, errático, dizendo num dia o contrário do que afirmou na véspera ou fingindo assumir responsabilidades quando ataca os outros. O que poderá ser muito perigoso, tendo em conta que Xanana se tornou cada vez mais fechado às influências do mundo que o rodeia.

Com quem fala Xanana nos momentos de crise? Com quem se aconselha? Desde logo, com a mulher, Kristy Sword. E depois com o seu chefe de gabinete, Agio Pereira.

Quem mais? Ramos-Horta? Os bispos? Mário Carrascalão? Ao que o DN apurou, só com os dois primeiros. Não espanta, por isso, que muitos dos seus antigos companheiros, nomeadamente os que ainda estão na Fretilin, digam hoje que a crise dos peticionários foi o que fez mudar Xanana definitivamente.

Porquê? Porque, nessa altura, o Presidente quis afastar Taur Matan Ruak da chefia das forças armadas, tentando ajustar contas antigas, e percebeu que já não conseguia impor a sua vontade e que as F-FDTL já não lhe obedeciam. A partir daí, Xanana adoptou uma nova postura. Demitiu Alkatiri, invocando uma acusação que se provou ser falsa, e publicou quatros textos de opinião que representam uma ruptura com o seu próprio passado, antes de se revelar disponível para ser primeiro-ministro.

Será que consegue? Parte desta resposta começará amanhã a ser dada, quando os timorenses forem votar para eleger o seu sucessor.

Sem comentários:

Enviar um comentário