Público, 01.04.2007,
Por: Paulo Moura, em Díli
O líder do partido KOTA e candidato às eleições presidenciais acredita em símbolos mágicos e na união da ilha de Timor.
Afirma-se socialista, monárquico e místico Manuel Tilman está em frente da bandeira do partido que dirige, o KOTA, a explicar o seu significado. Não é fácil. "O negro representa as trevas, o branco a luz", começa ele, com alguma lógica, enquanto os apoiantes agitam bandeiras no comício-festa. "Há um movimento das trevas para a luz. Depois temos os números 8 e 1. O 8 é mágico, também entre os hindus e os budistas. Na álgebra, deitado, significa o infinito. O 1 significa que acreditamos num só Deus."
Isto é só o início da longa narrativa contida na bandeira. "Aquilo ali no meio é um boomerang. Aqueles símbolos são os inimigos, o vencedor e o vencido, um nas trevas e o outro na luz. O vencedor vai passando do branco para o negro. Mas vencedor e vencido não se eliminam nunca. É uma luta permanente. Depois temos estas bolas, brancas e pretas, que representam os reinos que já estão na luz e os outros que ainda estão lutando por isso. Aqui há esta bola grande que significa a relação do Homem com Deus, através da criação."
Uma bandeira que é um autêntico programa político e cultural, segundo Tilman. Foi ele quem a criou? Não.
"Esta bandeira existe em Timor desde os primeiros povos, seis mil anos antes de Cristo". A mesma bandeira? "Exactamente igual. Existe desde o início, de acordo com as nossas suposições, representando, já então, as nossas dificuldades". Para Tilman, as dificuldades são as mesmas. "Havia duas confederações. A de Lorosomo, com 16 reinos, e a dos Belos, com 36. Cada uma tinha um rei, mas havia um tratado de divisão dos poderes. Lorosomo tinha o poder político e religioso. O deste lado, dos Belos, o poder militar e administrativo. Por isso somos mais irascíveis."
Eram duas atribuições que se completavam, por isso a ilha deveria estar unida. Não apenas a parte leste. "Politicamente estamos separados. O lado ocidental é indonésio, o oriental independente. Mas somos uma só nação. Tenho um projecto de unificação, mas que não é para já. Do outro lado também conhecem e adoptam esta bandeira."
Manuel Tilman não a adoptou. Sempre a teve em casa, conta. "Era propriedade dos meus avós. Sou descendente dos antigos reis de Timor." É portanto monárquico. "Sim. Uma das bandeiras que adoptamos é a da monarquia." E o seu partido é religioso? "Não. É um partido da tradição e da etnologia. Veja agora estes símbolos." Aproxima-se de uma espécie de tronco com três braços enterrado ao lado de uma cruz de madeira. "Isto é um "aitos", adorado desde tempos imemoriais. Simboliza a fertilidade da terra e a existência de um único Deus. Nós tínhamos isto. Os cristãos trouxeram aquilo (a cruz), que quer dizer que o nosso Deus já se tinha revelado noutras partes do mundo. Os dois completam-se. A política mistura-se com a cultura. A identidade cultural do povo é mística. E eu quero recuperar isso."
A festa decorre, com um cantor e um músico a tocar órgão, no palco, ao lado de uma mesa com os notáveis do partido. Cá em baixo, algumas dezenas de pessoas, todas descalças e muito sujas. Sabem o significado do 8 na bandeira? "O 1 quer dizer que só há um Deus", explica um homem desdentado e muito magro. "O 8 não sei." À frente, três homens dançam freneticamente. Um deles veste uma t-shirt com uma grande imagem do Che Guevara.
No espectro político timorense, Tilman é considerado de extrema-direita. Ele nega. "Sou socialista. Não como em Portugal, em que os socialistas são republicanos e laicos, como diz o Mário Soares. Aqui, é preciso adaptar o socialismo à realidade cultural de Timor."
Quatro subsídios
Um socialismo místico? "Sim, podemos chamar-lhe assim. Eu tenho um projecto de subsídios, não há nada de mais socialista do que isso. É o que eu chamo o sistema de quatro subsídios: de nascimento, de casamento, de abono de família e de óbito. Seria retirado do fundo do petróleo uma verba, para o orçamento, numa rubrica do Ministério da Segurança Social. O Presidente e o Parlamento poderiam fazer isso juntos."
Isso seria o segredo para pacificar o país. "Os timorenses são muito pobres. Se as pessoas tivessem 40 dólares por mês para as suas necessidades básicas, não recorreriam à violência. Hoje, a riqueza está mal distribuída. Uns não têm nada e outros têm carro, gasolina paga. Nem em Portugal conseguiam gerir uma situação assim, tão discrepante."
Quem governou Timor-Leste desde a independência não conseguiu resolver os problemas por causa do 25 de Abril em Portugal, acredita Tilman. "Foi a ideologia revolucionária. Não está adaptada à cultura, não resultou. Passou-se o mesmo em Angola e Moçambique." O socialismo místico vai resultar? "Meu caro amigo, com tanto dinheiro e tão pouca população, dá para aplicar qualquer ideologia. Desde que eu tenha o povo sossegado."
Há alguma experiência no mundo, de aplicação deste tipo de socialismo místico? "Não, eu estou a criar uma linha própria. E vou implementá-la. Os nossos antepassados tinham um sistema semelhante. E era muito eficaz."
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