Diário Digital / Lusa
23-01-2007 13:13:00
O primeiro-ministro timorense, José Ramos-Horta, entregou hoje ajuda alimentar do Governo e das Nações Unidas ao enclave de Oécussi, um dia depois de a sua coluna ter sido travada na fronteira indonésia.
Ramos-Horta constatou nesta visita as grandes dificuldades burocráticas da via terrestre entre Díli e o enclave, através de território indonésio.
A coluna humanitária saiu de Díli segunda-feira, mas foi impedida de atravessar a fronteira por não possuir todas as autorizações necessárias.
Ramos-Horta repetiu hoje que, «apesar da boa-vontade do Governo central indonésio», o incidente fronteiriço resultou da «má-vontade» e de «falta de comunicação» entre a embaixada de Jacarta em Díli e a guarda fronteiriça indonésia.
A comitiva timorense e os camiões de ajuda só atingiram Oécussi cerca das 12:00 de hoje (hora local) e permaneceram na cidade menos de três horas, tempo para um discurso longo e uma refeição rápida.
O primeiro-ministro lamentou o isolamento dos quase sessenta mil timorenses que vivem neste enclave da parte ocidental da ilha, a mais de duzentos quilómetros de Díli.
«Timor é uno, de Oécussi a Tutuala» (a aldeia mais a leste da ilha), afirmou Ramos-Horta perante uma plateia de uma centena de pessoas.
Na cerimónia em que foi o principal orador, Ramos-Horta anunciou para Fevereiro o início de carreiras regulares entre Díli e Oécussi com um novo ferry construído num estaleiro de Surabaia (Indonésia).
O ferry, que substitui a embarcação que fazia a ligação a Díli, devia ter entrado ao serviço em Janeiro de 2006.
O Governo timorense negociou recentemente uma indemnização por este atraso com o construtor indonésio.
A compensação não será paga em dinheiro, mas em tempo de manutenção do ferry e na formação da tripulação que irá operar o navio.
A concessão da exploração foi atribuída a uma empresa australiana.
Actualmente, a ligação marítima entre Oécussi e Díli é feita pelo «Ataúro Express», uma pequena barcaça que demora entre 12 e 16 horas no trajecto.
O isolamento geográfico do enclave, a seca prolongada e o mar agitado comum nesta época do ano, espaçando as ligações à capital, agudizaram a situação de penúria alimentar.
A entrega de 25 toneladas de arroz e 100 caixas de massa, em colaboração com a Organização Internacional das Migrações (OIM), respondeu a um apelo lançado no início do mês pelo secretário de Estado residente em Oécussi, Albano Salem .
Para lá da situação de emergência, Oécussi vive as consequências permanentes do isolamento que é também económico.
Ramos-Horta referiu, a propósito, que um saco de cimento custa três dólares em Díli e seis dólares em Oécussi, enquanto que um saco de arroz custa entre 15 e 17 dólares na capital e mais de 30 dólares no enclave.
«A falta de uma boa ligação terrestre afecta também o distrito vizinho indonésio», acrescentou Ramos-Horta, explicando que oportunidades de negócio são perdidas de ambos os lados.
«Oécussi pode exportar arroz e gado porque aqui é mais barato», disse, exemplificando que «uma vaca custa 250 dólares» no enclave e no Suai, na fronteira Sudoeste de Timor-Leste, «custa o dobro».
Albano Salem referiu que há menos de um mês o Governo timorense reuniu-se com o Governo indonésio para colocar em vigor um sistema simplificado de autorizações de passagem entre Oécussi e o resto do país.
A falta de passaportes ou documentos de trânsito implica, segundo o mesmo membro do Governo, que cerca de 60 jovens de Oécussi estudem «sem documentos» em Kupang, capital do Timor indonésio.
Há quase quatro anos que Jacarta e Díli definiram as modalidades de «laissez-passer» para o enclave e concordaram em permitir o tráfego de mercadorias isentas de impostos até ao valor de 500 dólares.
«Não foi ainda aplicado este acordo e a demora tem sido de parte a parte», admitiu o primeiro-ministro.
A viagem de Ramos-Horta a Oécussi, a primeira feita por terra por um chefe de Governo timorense, permitiu constatar o contraste de desenvolvimento entre Timor-Leste e a Indonésia.
O primeiro-ministro timorense reconheceu, no regresso a Díli, que a administração indonésia tem sido mais eficaz na construção de infra-estruturas.
O exemplo mais flagrante é o mercado fronteiriço, terminado do lado indonésio mas ainda inexistente do lado de Batugadé.
A estrada costeira para Oécussi foi também renovada no troço indonésio, com financiamento do Banco Mundial, mas o pequeno troço timorense, entre a segunda fronteira e o enclave, continua em más condições.
«É notório um esforço da Indonésia no distrito, nos últimos dois ou três anos», comentou Ramos-Horta, sublinhando que os motivos «não são apenas económicos.
Na sua curta visita a Oécussi, Ramos-Horta não perdeu de vista a política em Díli e as duas eleições que se avizinham.
»A oposição diz que este Governo não faz nada mas, se a oposição estivesse no poder, não acabaria a estrada para aqui e dos poços não sairia água mas leite«, ironizou o primeiro-ministro para gáudio da assistência.
Ramos-Horta comentou também a violência que tem marcado o quotidiano da capital timorense, pondo em dúvida que tenha origem em grupos de artes marciais.
«Arte não é crime», explicou o primeiro-ministro.
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