Correio da Manhã - 10-11-2006
Carlos Menezes / F. J. Gonçalves
Mari Alkatiri, ex-primeiro-ministro de Timor-Leste, está desde ontem em Portugal para efectuar exames médicos de rotina. Alkatiri continua a defender que a crise política no país resultou de “um golpe de Estado que não foi concluído graças à Fretilin”.
Correio da Manhã – Há possibilidades de voltar a candidatar-se a primeiro-ministro?
Mari Alkatiri – Eu sempre disse que nunca me candidatei. Nenhuma vez me candidatei a primeiro-ministro. O meu partido, Fretilin, ganhou as eleições em 2001 e fui indicado para chefiar o governo e assumi. Procurei fazer melhor para o país. Depois dessa experiência, às vezes, obriga-nos a reflectir um pouco mais, repensar se sirvo melhor no governo ou no partido. Se o partido entender que eu devo voltar a chefiar o governo, só tenho de agradecer. Caso contrário, trabalharei só para o partido.
– Por que razão insistiu na investigação do processo de distribuição de armas?
– Já critiquei várias vezes o relatório da ONU sobre este assunto. Se o assunto mais importante era o meu, por ser ex-primeiro-ministro, a investigação deveria ir até ao fim. Deixar a investigação como se deixou é politizar a Justiça. Continuo totalmente disponível para colaborar com a Justiça.
– Como está a actual situação política no país?
– O país agora está bem melhor. Contudo, estamos ainda a enfrentar o problema dos deslocados. O actual primeiro-ministro, José Ramos-Horta, pediu-me para intervir como secretário-geral da Fretilin e tudo estou a fazer para ajudar o governo no sentido de resolver todos os problemas, prioritariamente criar condições para que os deslocados regressem às suas zonas de origem, às suas casas.
– O presidente do Parlamento Nacional e o primeiro-ministro foram ao Aeroporto de Díli despedir-se de si antes de viajar para Portugal. O que significa?
– Significa que depois de toda essa crise ficou a amizade.
– Ramos-Horta agradeceu à Fretilin pelo facto de o país não ter caído numa guerra civil...
– Eu não tenho dúvidas nenhumas de que foi necessário fazer uma contenção, controlar os militantes da Fretilin para salvar o país de uma guerra civil. Não venham outras instituições reclamar que salvaram o país porque foi a Fretilin que salvou o país.
– A que instituições se refere...
– Há muitas que, às vezes, reclamam salvadores da pátria...
– Na altura da crise de Maio, disse que estava em curso uma tentativa de golpe de Estado. Ainda entende que foi esse caso?
– Foi mesmo um golpe, embora algumas pessoas aceitem a teoria da conspiração e do golpe. Mas que foi um golpe, foi. Não foi concluído, não porque houve falta de vontade daqueles que o queriam fazer, mas mais precisamente pela reacção da Fretilin de contenção e de tolerância.
– Mas nunca referiu nomes, continua a não querer envolver o presidente Xanana Gusmão no caso?
– A situação actual é para nós olharmos para a frente. Classifico o que se passou de crise de liderança nacional, é uma crise profunda. Como consequência, tivemos uma quebra de autoridade de Estado e hipoteca de parte da nossa soberania.
– Como estão as suas relações com o presidente Xanana?
– Nunca mais nos encontrámos, desde que me demiti. Há vários esforços no sentido de nos porem em contacto. Ele diz que é meu amigo, eu digo que sou amigo dele. A amizade prevalece.
– Alguns membros do seu governo terão participado na distribuição de armas aos civis?
– Esta é uma outra questão que a Comissão Internacional de Inquérito Independente investigou muito profundamente e chegou à conclusão que não havia importação ilegal de armas. Os contentores que foram encontrados, entraram legalmente no país. Estranhamente, depois de terem chegado a essa conclusão, a comissão pura e simplesmente passou uma esponja por cima de tudo isso e não mencionou no relatório. Porquê?
PERFIL
Mari Alkatiri, formado em Direito, é de ascendência iemenita mas nasceu em Timor-Leste, há 56 anos. Mari Alkatiri, um dos fundadores da Fretilin, em 1974, estava fora do território timorense quando se efectuou a invasão indonésia. Juntamente com Mari Alkatiri estavam também no exterior José Ramos-Horta e Abílio Araújo.
No regresso a Timor-Leste, Mari Alkatiri fez parte do Governo de Transição. Em nome do governo, Alkatiri dirigiu delegações timorenses que entabularam conversações com a Austrália sobre a exploração do petróleo. Esteve 20 anos exilado em Moçambique.
Secretário-geral da Fretilin, Mari Alkatiri levou o partido a vencer as eleições legislativas de 2001, tornando-se assim primeiro-ministro até Junho deste ano, quando, por causa da grave crise política, resignou das suas funções.
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