domingo, novembro 05, 2006

Criador do Grameen Bank descreve acesso ao crédito como "direito humano básico"

Publico.pt
Pedro Ribeiro
24/01/2006

O microcrédito consiste em conceder empréstimos de valor muito reduzido a pessoas que não teriam acesso à banca tradicional, para que estas pessoas possam lançar os seus próprios negócios. O conceito foi inventado por Muhammad Yunus, fundador do Grameen Bank, no Bangladesh.

O microcrédito é daqueles raros conceitos que é aceite tanto por ideólogos de esquerda como de direita. Mais raro ainda – porque funciona mesmo. Mais de 100 milhões das famílias mais pobres do planeta já tiveram acesso ao crédito através do sistema criado por Yunus; o inventor do microcrédito acha que muitas mais podem sair da pobreza através destes pequenos empréstimos. Até em países do mundo industrializado – como Portugal. Por isso, Yunus defende que o acesso ao crédito deve ser reconhecido como um "direito humano básico".

Yunus participou ontem numa conferência sobre microcrédito em Lisboa. Lembrou que, há uma década, havia definido como objectivo repetir o exemplo do Grameen Bank no Bangladesh em outros países e estender o microcrédito a 100 milhões de famílias.

"Na altura, a imprensa estava muito céptica", disse ontem Yunus. "Mas conseguimos que a ONU proclamasse 2005 como o ano internacional do microcrédito, e comprometemo-nos a atingir esse objectivo."

"Conseguimos atingi-lo? Sim. Não só o atingimos, como já o devemos ter ultrapassado." Agora, Yunus define um novo objectivo – chegar a 175 milhões de famílias até 2015.

O microcrédito permite às pessoas mais pobres ter acesso a financiamento. Frequentemente, são as pessoas que mais precisam de crédito – os desempregados, os socialmente excluídos – que têm mais dificuldade em obtê-lo. Porque não podem apresentar garantias ou referências, ou porque os montantes envolvidos não são suficientemente interessantes para a banca tradicional, não conseguem ter crédito.

"Quase dois terços da população mundial não tem acesso ao crédito [tradicional]", diz Yunus. "Aos olhos dos bancos, estas pessoas não reúnem as condições para obter empréstimos".

O dispositivo criado por Yunus permitiu superar essa barreira. Milhões de pessoas (na grande maioria mulheres) conseguiram lançar pequenos negócios à custa desses micro-empréstimos.

É um negócio que faz sentido do ponto de vista económico: o nível de créditos mal parados do Grameen Bank é reduzidíssimo (menos de 1 por cento).

Sair da pobreza por 110 euros

Yunus descreve o acesso ao crédito como "um direito humano básico". "A explicação para isto é simples", disse Yunus. "Podemos ter muitos direitos – direito à alimentação, direito à saúde, direito ao trabalho. São ideias maravilhosas, mas é muito difícil para qualquer Estado cumpri-las todas."

Para que os mais pobres possam superar a pobreza, basta frequentemente um pequeno "empurrão" – muito pequeno: o montante médio de um empréstimo do Grameen Bank no Bangladesh é 110 euros.

Em Portugal, esse valor é de 4383 euros, segundo dados da Associação Nacional de Direito ao Crédito (ANDC).

Yunus louvou o trabalho da ANDC ("são pessoas muito persistentes"), e notou que em Portugal "o Governo tem dado muita atenção ao microcrédito".

O Grameen Bank tem outros projectos – como a distribuição de telemóveis a mulheres, criando uma espécie de "telefone comunitário" que serve uma aldeia inteira; ou uma nova iniciativa com a multinacional Danone para produzir alimentos nutritivos a baixo custo para crianças no Bangladesh.

O microcrédito continua contudo a ser a grande bandeira de Muhammad Yunus. Que garante que o êxito do Bangladesh pode ser reproduzido em qualquer outro país, incluindo nas sociedades mais ricas: "Pessoas são pessoas. E os problemas dos pobres são idênticos em todo o lado."


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