Mais um texto fantástico do Kona Ba Liu Liu:
O Teatro da Vida Há algum tempo atrás, Joaneto Didascálico, famoso actor e encenador teatral português, deslocou-se a Timor Leste.
A ideia era realizar uma série de "work-shops" sobre a intervenção demiúrgica do actor no espaço cénico pós-brechtiano, de modo a cativar o povo timorense para o teatro contemporâneo.
Os apoios vieram da Sociedade Portuguesa de Protecção aos Intelectuais de Esquerda e da Associação dos Amigos do Queijo de Nisa.Como timorense e membro honorário do "Uma Fukun", fui convidado para jantar com Joaneto Didascálico no City Café ( pagou ele! ).
Ao longo da conversa, consegui obter dele diferentes opiniões sobre o modo de representar um mesmo problema com actores ingleses, portugueses e timorenses.- Como sabe - afirmou ele -, o problema mais universal é o da infidelidade conjugal.
Agora imagine como é que os ingleses representariam semelhante peça:
George: Rebecca...
Rebecca: Diga, querido.
George: Há algum tempo que ando para lhe dizer uma coisa... ( na verdade, este é já o 5.º Acto e o gajo andou a peça toda a empatar tempo )
Rebecca: Não seja tão britânico... Diga logo!
George: Bem... eu... isto é... não sei se vai gostar.
Rebecca: Penso que já sei o que me vai dizer.
George: Então espero que não faça uma cena shakespeariana. Já me bastam as aulas que tive em Oxford.
Rebecca: Olhe que agora já é tarde.
George: Também acho... Gin?
Rebecca: Pode ser.
George: Obviamente que a culpa é toda minha.
Rebecca: Não se martirize mais, George.
George: Água tónica?
Rebecca: Pouca.
George: Conheci-a em Bagdad.
Rebecca: Espero que seja mais bonita do que a indiana de Calcutá...
George: Chama-se Soraia.
Rebecca: Soraia? Mas Soraia não era aquela que conheceu em Tombuktu?
George: Em Tombuktu era a Rosaly, lembra-se? Mas nada que se assemelhe às duas gémeas que conheci no Cairo.
Rebecca: Oh, George, como o império é vasto!
George: Sim, "Britannia rules the world!"
- Os portugueses, por outro lado, fariam a peça de maneira diferente:
Mercedes: Afonso...
Afonso: Diz, minha pescadinha de rabo na boca.
Mercedes:Tenho-te sido infiel...
Afonso: Cabra!
Mercedes:Vês, nunca passaste de um ordinário! A mamã é que tinha razão.
Afonso: Vagabunda!
Mercedes: Há quem não se queixe...
Afonso: Pois, imagino... É de Caicoli?
Mercedes: Sim, são! Como é que adivinhaste?
Afonso: Já tinha dado pela falta das cervejas no frigorífico.
Mercedes: Se me amasses de verdade, acho que compreenderias...
Afonso: Debochada!
Mercedes: O amor é uma coisa tão bonita!
Afonso: Pindérica!
Mercedes: A culpa foi daquele livro que me ofereceste, da Margarida Rebelo Pinto.
Afonso: Galdéria!
Mercedes: Tenho-o lido todas as noites.
Afonso: Vadia!
Mercedes: Ah, já me esquecia. Chegou hoje o dinheiro da herança do papá. Vamos jantar fora?
Afonso: Sim, minha pescadinha de rabo na boca.
- E finalmente os actores timorenses ( certamente influenciados pelas "work-shops" de Joaneto Didascálico ):
Bibá Ximenes: Gugu.
Gugu Ximenes: Hum.
Bibá: Queria dizer-lhe uma coisa. Tenho um amante.
Gugu: Já sei disso há um ano.
Bibá: Não é isso. Quero dizer que tenho um novo amante.
Gugu: Mas, então, o que acontecerá ao Fifi Sarmento?
Bibá: Não sei.
Gugu: Coitado. Hei-de convidá-lo para sócio da minha nova empresa petrolífera, no Suai.
Bibá: Acho que é uma obrigação sua. Afinal, você nunca foi muito amável para ele.
Gugu: Nunca mo apresentou.
Bibá: É verdade, tem razão! Tinha medo que soubesse...
Gugu: Tinha medo de quê? Não me estava a ver de catana em punho a cortar a cabeça de vocês os dois, pois não?
Bibá: Por acaso, estava.
Gugu: Não seja bárbara! Já viu a quantidade de sangue que se espalhava pela sala? Seria péssimo para os nossos tais de Lospalos.
Bibá: Ao menos podia mostrar uma pontinha de ciúme. Qualquer dia, atiro-me por aquela janela, só para lhe chamar a atenção.
Gugu: Não seja trágica! Estamos no 25.º andar. Já viu a queda que dava? Só iria complicar ainda mais o trânsito do suco.
Bibá: O Gugu não me liga nenhuma.
Gugu: Por favor, tive um dia difícil! A bolsa de valores de Bobonaro voltou a descer, comprei mais cinco petroleiros que estão parados em Baucau e tenho seis contas no B.N.U. dependentes da oscilação das taxas de juro da Reserva Federal Norte-Americana.
Bibá: O Gugu despreza-me...
Gugu: Ah, chegou o meu helicóptero particular. Vou ter que sair.
Bibá: Sim, sim, deixa-me outra vez sozinha para ir jogar com os seus amigos...
Gugu: Isso é impressão sua.
Bibá: Ai sim?... Então por é que leva o galo debaixo do braço?
Fielmente vosso,Tonho do Ramelau
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