quarta-feira, outubro 18, 2006

ONU iliba Xanana Gusmão e "incrimina" Matan Ruak

Diário de Notícias - Quarta, 18 de Outubro de 2006

Armando Rafael

Xanana Gusmão foi ilibado de responsabilidades na violência que há seis meses eclodiu em Timor-Leste. Ao contrário do ex-primeiro-ministro Mari Alkatiri, dos antigos titulares das pastas da Defesa, Roque Rodrigues, e do Interior, Rogério Lobato, e - muito em especial - do general Taur Matan Ruak, que comanda as forças militares do país.

Igualmente ilibado pelo relatório da ONU sobre a violência é o antigo comandante da polícia, Paulo Martins, num documento de 98 páginas que é omisso sobre o papel da Igreja Católica e dos dirigentes da oposição nos acontecimentos.

Estas são algumas das principais conclusões de um relatório que se pronuncia sobre os incidentes registados a 28 e 29 de Abril e a 23, 24 e 25 de Maio, e que ontem foi entregue ao Parlamento timorense, que deverá agora apreciar as recomendações feitas por Paulo Sérgio Pinheiro, Zelda Holtzman e Ralph Zacklin.

Nomeadamente no que respeita à eventual responsabilização criminal de quem contribuiu para a alteração da ordem pública no país.

Como poderá suceder com Mari Alkatiri, relativamente ao qual a comissão nomeada pelo secretário-geral da ONU recomenda que as investigações continuem. Quanto mais não seja porque os inquiridores - que não conseguiram apurar as responsabilidade de Alkatiri na criação dos alegados "esquadrões da morte" - estão convencidos de que "o ex- -primeiro-ministro tinha, pelo menos, conhecimento da distribuição de armas da polícia a civis", nada tendo feito para o impedir.

Apreciação muito distinta é a que resulta da análise da ONU ao comportamento evidenciado por Roque Rodrigues e por Rogério Lobato - que viriam a ser demitidos do Governo por imposição de Xanana - e que os inquiridores consideram "coniventes" com a distribuição de armas efectuada pela polícia (PNTL) e pelos militares (F-FDTL).

Curiosamente, uma suspeita levantada no início de Maio pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Ramos-Horta, que viria a suceder, dois meses depois, a Mari Alkatiri na chefia do Governo.

É isso que explica que a comissão da ONU recomende que sejam organizados processos criminais contra o ex-ministro Rogério Lobato e mais oito pessoas envolvidas na "movimentação, posse e uso ilegal de armas" da polícia timorense. Entre as quais está também o comandante Railós [Vicente da Conceição], que se celebrizou pelas denúncias sobre os alegados "esquadrões da morte" que teriam sido criados pela Fretilin, o principal partido de Timor-Leste.

Acusações semelhantes são também dirigidas aos principais responsáveis da hierarquia militar do país - Taur Matan Ruak, Lere Annan Timor e Rate Laek Falur -, considerando a comissão que todos eles devem ser responsabilizados, a par do ex-ministro da Defesa, Roque Rodrigues, pela distribuição das armas que, na última semana de Maio, foram entregues a 206 civis.

Um aspecto delicado da apreciação feita pelos três inquiridores da ONU e que, na prática, recomendam a responsabilização criminal de quem já não exerce, neste momento, funções ou cargos no Governo ou nas estruturas de segurança do país. Com uma única excepção: a de Taur Matan Ruak, o brigadeiro-general que Xanana Gusmão gostaria de ter já afastado do comando das forças armadas de Timor-Leste.

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1 comentário:

  1. A grande esperança que pelo menos uma das partes depositava no relatório acabou por "a montanha parir um rato", citando as palavras no poema de um dos comentaristas, o Mau Dick.

    Pessoalmente nunca esperava que o relatório apresentasse ou estivesse na origem de uma revolução, mas tinha esperanças que, apesar de ser compilado por peritos em direitos humanos, em cuja competência e isenção não opdemos suspeitar, tendo em conta não provocar que os resultados do relatório originem uma ainda maior desestabilização e insegurança no país, que de um modo mais ou menos implícito responsabilize maior número de pessoas nos acontecimentos.

    Os investigadores até podiam não ter a intenção de serem tendenciosos e parciais, mas o teor do relatório acaba por nos revelar certas dúvidas, mostrando-se realmente como a tentativa de branqueamento de uma das partes.

    Não quero contudo apontar o dedo directamente aos investigadores, inclino-me mais no sentido do tipo e da credibilidade de evidências documentais a que a Comissão tinha consultado, e sobretudo da sua fonte.

    Obviamente se não existiam provas suficientes ou se haviam sido fornecidos documentos e provas destinados a orientar a investigação e as conclusões num determinado sentido, que teríamos o resultado do tipo que foi apresentado ao público.

    O relatório é uma espécie de queijo suíço, inteiramente esburacado por uma grande multiplicidade de buraquinhos de contornos finos e pequenos cuja pequenez e finura são distribuídos de tal forma que não quebram a estrutura.

    Uma das recomendações esquece o modo e as competências para o exercício das funções do actual Procurador-Geral, Longuinhos Monteiro, esquecendo por recomendar medidas neste sentido substanciais para o bom funcionamento do sistema de justiça.

    Um outro buraquinho no relatório parece ser a ausência do respeito imparcial e total pela Constituição de Timor-Leste, acabando por produzir como o resultado uma relação em que não se distingue o ofensor do ofendido, o violador do violado...
    Apesar de o relatório chamar a atenção para o desrespeito institucional e canais legais que o PR deve ter seguido na sua actuação, parece dar-lhe apenas ligeiramente na palma da mão, subentendendo-se a tolerânica por ele ter desrespeitado a Constuituição em certos pontos cujo garante,zelo e pilar devia ser.

    Toda a culpa e a responsabilização pela interrupção da comunicação institucional é atribuída ao Brigadeiro-Geral Taur Matan Ruak, ao comando das F-FDTL e ao então Ministro da Defesa, Dr Roque Rodrigues.
    E onde no relatório se nota a culpabilização do PR nesta matéria, quando ele como o garante da legitimidade, da Constituição e da soberania do Estado podia com uma actuação mais moderada, sem tomar partido, e através de canais previstos para o efeito ter contribuído para a pacificação da situação e evitar o seu ulterior agravamento?

    Embora o facto positivo seja a reabilitação das F-FDTL das alegações de terem cometido o massacre, é lamentável que toda a culpabilidade e responsabilização sejam deitadas sobre dois dos mais sérios homens com maior sentido de estado, de dignidade e de juridicidade, demonstrando as suas qualidades uma vez mais chegada a hora de degolação das suas cabeças.
    Este é que era o grande objectivo desde o início, pois "um exército é nada senão a sua cabeça".

    Resta-nos saber e observar como os golpistas vão "fintar" as recomendações da Comissão, sobretudo as do âmbito judicial.

    Se a ilibição dos principais responsáveis pelos acontecimentos for necessária para retomar a estabilidade e devolver Timor aos Timorenses que assim o seja, embora temos que nos perguntar será que a justiça, na plenitude da sua palavra, será realmente aplicada quanto aos criminosos Alfredo Reinado e outros denominados?
    Será que o PR tem vontade e, sobretudo, integridade moral não receosa de o julgar devidamente?

    O tempo pronunciará a sua sentença quanto aos actores que protagonizaram em larga escala os acontecimentos dos últimos meses, e nós ficaremos atentos e de olhos bem abertos.

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